Jiang Chaoyang, professor da Faculdade de Direito da UM

O Governo precisa de aumentar a eficácia da governação electrónica e deveria implementar procedimentos disciplinares na avaliação ao desempenho dos principais cargos. É o que diz o especialista em Lei Básica e Administração, que considera que a Lei Sindical é necessária mas não tão urgente, como é a revisão da Lei do Trânsito Rodoviário

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] especialista em Administração e Lei Básica. Como avalia as recentes reformas no Governo?  
É de salientar a reorganização de funções e o aumento de eficácia da Administração Pública. No relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) de 2016 do Chefe do Executivo, bem como nas políticas da Secretária para Administração e Justiça, são mencionadas estas duas tarefas. Em 2015, o Governo trabalhou muito na reorganização, incluindo [na reestruturação] de funções de 13 departamentos e eliminou cinco departamentos. Segundo o plano do Governo, é preciso reorganizar mais organismos, portanto acho que a situação é positiva e considero que estes trabalhos vão ser concluídos rapidamente. Em relação ao aumento de eficácia, o Governo está a esforçar-se em desenvolver a governação electrónica, incluindo internamente.

Sobre o Governo electrónico alguns deputados já apresentaram interpelações criticando a insuficiência da eficácia até porque os cidadãos ainda precisam de se dirigir a muitos departamentos para pedir documentos simples.
Esta questão tem a ver com a gestão de diversos departamentos. Actualmente, é verdade que para abrir um restaurante é preciso entregar documentos ao Corpo de Bombeiros e à Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, entre outros, para pedir um licenciamento. É preciso uma revisão e “limpeza” dos actuais regimes de licenciamento, mas nas LAG deste ano isso não está mencionado. Acredito que é um plano futuro, do qual é preciso fazer um estudo aprofundado, mas onde se deve considerar simplificar e acelerar os processos de requerimento, por exemplo, quando o licenciamento envolver diversos departamentos, permitir ser feito por uma vez só. O Governo precisa fazer mais sobre esta questão.

Um dos pontos principais das LAG de 2016 tem a ver com a revisão do regime do concurso centralizado. Tem alguma sugestão sobre a matéria?
Existem problemas no actual concurso centralizado para ingresso na Função Pública, isso é verdade. Demora muito, pelo menos um ano desde a inscrição. Os procedimentos são complicados e os funcionários que querem ingressar podem não corresponder [às necessidades]. É preciso rever o regime e o modelo a ser pensado é correcto: diminuir o tempo, adicionar um exame que avalie as capacidades integradas e um profissional por departamento onde é provável a entrada de candidatos. DSC_0008

A reforma do regime de avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública é outro ponto principal.
São três aspectos que estão a ser tidos em conta: a avaliação dos titulares dos principais cargos, a avaliação do desempenho de chefes e directores e a dos funcionários públicos em geral. Nesta reforma, a importância está no facto do Governo estar a pensar fazer com que a avaliação seja feita por uma terceira parte no pessoal da direcção. Isso é vantajoso e é mais justo e científico, fugindo também da actual medida, que é uma avaliação dependente de  chefes ou directores. Contudo, a escolha de “uma terceira parte” é uma questão que levanta dúvidas: como vai ser? Uma empresa? Vale a pena pensar. Além disso, as queixas dos funcionários públicos aos chefes podem também ser apreciadas por essa terceira parte, em vez de serem tratadas pelos mesmos chefes, como acontece agora, o que é injusto.

Tanto deputados, como residentes já têm vindo a pedir que seja criado um regime de responsabilização porque consideram que sempre que houve erros nunca ninguém foi responsabilizado, ou despedido. Concorda?
Na minha opinião, já existe um regime de responsabilização política para os titulares dos principais cargos. Mas em Macau, raramente os governantes são despedidos por causa disso, porque existem regulamentos rigorosos sobre o despedimento no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública. O mau desempenho dos governantes [é punido] com procedimentos disciplinares. Esta medida é diferente de Hong Kong e de outras regiões, onde os próprios governantes se demitem quando desempenham mal os cargos. O regime já entrou em vigor nos anos 80, mas não é fácil de alterá-lo, porque o contexto das leis é diferente. Mas acho que se pode adicionar um artigo no regime onde se defina melhor quais os actos ou erros cometidos por governantes que devem dar origem a procedimentos disciplinares.

O projecto da Lei Sindical foi chumbado pela sétima vez na Assembleia Legislativa. Todos os projectos apresentados até agora foram através de deputados. Há uma falha neste caso?
A Lei Sindical é uma lacuna no sistema legislativo de Macau, é óbvio, porque a Lei Básica regula a sua existência. Até ao momento, todos os projectos de lei foram apresentados por deputados, mas acho que se deveria primeiro fazer a sociedade saber o conteúdo da lei, fazer uma consulta pública e gerar o consenso. Só depois levar os deputados a votar na AL, de forma a que haja mais maturidade.

Mas as consultas públicas normalmente são feitas pelo Governo, antes de se apresentar uma proposta de lei e o Executivo ainda não mostrou intenções de apresentar esta proposta da lei. Não é urgente legislar?
Penso que agora não há grande urgência em criar a Lei Sindical, porque temos a Lei das Relações Laborais e existem outras propostas de lei ligadas à vida da população que são mais urgentes. Mas isso não significa que não seja necessária.  

O Conselho de Estado do Governo Central já autorizou a gestão de 85 quilómetros de águas marítimas. Considera necessário criar regulamentos e leis para cumprir esta jurisdição?
É necessário. Existem várias razões. Primeiro, porque antes da transferência de soberania havia um regime do domínio público hídrico do território, mas esse foi revogado em 1999, porque Macau não tinha gestão sobre as águas. Agora, não existe nenhum regime ou lei neste âmbito, apenas umas leis sobre o domínio público hídrico, mas que não são claras. Além disso, isto levanta outras questões: como gerimos as águas? E a protecção ambiental? Como evitar a poluição das águas? E a economia marinha? Por exemplo, um residente pode tirar ostras do mar, é permitido? É preciso voltar a ter polícias marítimos? Toda a gestão está nas mãos de Macau e antigamente não estava, pelo que tem de haver legislação. DSC_0044

É preciso muito tempo para criar essas leis?
Acredito que sim. É preciso consideração e planeamento para criar um quadro de gestão, de segurança, de protecção ambiental e de economia marinha.
 
Crê que o Governo possa concluir essa legislação ainda este ano?
De certeza que não vai ser tão rápido, porque não podemos ter como referência as leis de Portugal, nem usar as leis do interior da China.  

O Comissariado contra a Corrupção criticou a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes em relação aos terrenos desocupados cujos 25 anos de concessão terminaram. Sugeriu melhorar o regime e esclarecer os critérios de imputabilidade. Como avalia a situação?
Concordo com as sugestões do CCAC, porque de facto “terrenos desocupados” não é um termo jurídico, não há definição clara, é uma descrição de um fenómeno existente. Esta questão envolve a Lei de Terras, mas para mim, a DSSOPT precisa de reforçar a supervisão e instar ao aproveitamento dos terrenos, isso é que está claro na lei. O organismo não pode avisar sobre o aproveitamento de terrenos só quando o período de concessão já passou ou está quase a terminar. Tem de fazer com que a cinco, dez ou 15 anos da expiração isso seja feito. Caso exista um mecanismo que leve os concessionários a aproveitar esses terrenos, então evitam-se estes prejuízos para o interesse público, bem como se tornam as informações mais transparentes para o público. Quanto aos critérios de imputabilidade aos concessionários, seria muito melhor defini-los na lei, em vez de cada caso ser julgado pelos tribunais.

Além das leis que falámos, quais as leis ou regulamentos cuja revisão é urgente?
Além das leis que fazem parte do plano do Governo, tal como a revisão do Código Penal, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública e da legislação eleitoral, acho que a Lei do Trânsito Rodoviário também precisa de ser revista, porque a última revisão foi em 2007, já passaram nove anos e a situação do trânsito está cada vez mais complicada. Há cada vez mais carros mas as ruas continuam a ser estreitas, os acidentes de trânsito aumentaram muito, sobretudo com excesso de velocidade, droga e álcool, mas os condutores são apenas multados, poucos deles sofreram punições como a retirada da carta de condução. É preciso subir as sanções.

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