Assédio Sexual | DSAL deve “obrigar” empresas a travar casos, diz CAM

A Comissão para os Assuntos das Mulheres pede que os Serviços Laborais “obriguem” as empresas a criar um ambiente contra o assédio sexual, denunciando num artigo a existência de casos nas indústrias do Jogo e da restauração

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]certo que o Executivo já propôs a criação de um novo tipo de crime que inclui os casos de assédio sexual, mas ainda assim a Comissão para os Assuntos das Mulheres (CAM) pede mais. Na mais recente edição da publicação “Encantos – Revista Feminina”, da total responsabilidade da CAM, é sugerido que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) crie mais directrizes para que as empresas do sector privado lidem com este problema.
“Sugere-se que a DSAL obrigue as empresas a proporcionar um ambiente seguro de trabalho aos empregados e que faça formação profissional sobre o modo de evitar o assédio sexual aos funcionários”, pode ler-se na revista. Para além disso, a CAM defende que a DSAL deve ajudar as empresas a “elaborarem directrizes para evitar a ocorrência de casos de assédio sexual entre colegas”.
A CAM pede ainda que “os departamentos jurídicos simplifiquem o procedimento de denúncia em relação às vítimas, a fim de lhes permitir o acesso à protecção da sua segurança”. A Comissão diz ainda que, para “garantir os direitos das vítimas”, o “crime de atentado violento ao pudor e o crime de assédio sexual [devem ser] incluídos nos capítulos de crime sexual do Código Penal, ou que seja determinada uma punição específica para esses crimes”. Segundo o documento de consulta pública, lançado em Janeiro, é proposta pelo Executivo a criação do crime de importunação sexual, que abrange estes casos.

Nos casinos

Segundo as opiniões ouvidas pela CAM, “as pessoas do sector dos serviços acharam que o assédio sexual ou o atentado violento ao pudor é mais comum acontecer nas indústrias de alimentação e do Jogo”. As mulheres ouvidas “acharam que as indústrias mencionadas seguem sempre o princípio de que “o cliente é o mais importante e é sempre correcto”, ao mesmo tempo que defendem que a taxa de substituição dos empregados é alta, sendo fácil ser substituído, devendo por isso tolerar-se o assédio sexual do cliente”, pode ler-se.
Nos casinos parece ser comum ocorrerem este tipo de situações. “Os funcionários que trabalham como croupier manifestaram que não têm outra solução quando [enfrentam] assédio sexual do cliente. Podem recorrer à polícia, mas como os assediadores geralmente são turistas, antes de terminar a investigação já eles terão voltado à sua terra, por isso acharam que o mecanismo de tratamento do assédio sexual da indústria do Jogo é inútil. Ao mesmo tempo, os chefes superiores preferem minimizar os problemas”, revelou o artigo.

Em silêncio

Ao HM, Christina Ieong, presidente do Zonta do Clube de Macau, também defende mais regulações para as empresas do sector privado. “Concordo com quaisquer regulações que possam proteger mais as mulheres no local de trabalho. Conheço casos de trabalhadoras que têm sido vítimas de assédio mas não encontram uma forma de falar e não querem falar. Pelo meu conhecimento, há casos que acontecem mas que nunca foram falados. As mulheres têm medo e vejo a necessidade, por parte do Governo, de trabalhar neste tipo de leis e de regulações”, referiu, afirmando que o Zonta Clube de Macau vai apresentar sugestões ao Executivo no âmbito da consulta pública sobre a revisão do Código Penal.
Além do reforço do papel da DSAL, Christina Ieong defende uma maior aposta na educação. “Macau precisa deste tipo de lei para que as mulheres estejam mais protegidas. Para além da legislação, tem de ser providenciada mais educação às vítimas, mulheres, e também potenciais vítimas”, rematou a presidente do Zonta Clube de Macau.

“Ausência de denúncia é problema cultural”

O artigo publicado na mais recente revista da CAM foi escrito com base em auscultações feitas por esta Comissão a alunos do ensino secundário e mulheres trabalhadores, incluindo ao ensino primário (ver caixa). Com base nas opiniões obtidas, a CAM concluiu que as mulheres preferem nada dizer quando são vítimas de assédio.
“Tendo em vista que o emprego serve apenas para ganhar a vida, e considerando o desenvolvimento profissional e a sua reputação individual, as mulheres trabalhadoras têm de tolerar isso e permanecer em silêncio. Todos acharam que, no caso do assédio sexual, só as empresas que buscam o equilíbrio entre o seu interesse e o direito dos funcionários, e que têm vontade de criar um mecanismo de tratamento e adoptam realmente medidas concretas, podem evitar eficazmente o comportamento do assédio sexual ou atentado violento ao pudor”, pode ler-se.
A CAM avançou ainda estatísticas da DSAL, que nos últimos cinco anos registou apenas dois casos de assédio sexual. Alunos e mulheres ouvidas pela CAM afirmaram desconhecer que a DSAL podia lidar com este tipo de casos. “O Instituto de Acção Social (IAS) disse que, em 2014, recebeu duas denúncias, uma das quais realizada através de organização civil. O número de casos recebidos pelas duas autoridades é pequeno, o que significa que o fenómeno do assédio sexual em Macau não é grave. Ou isso tem a ver com a definição jurídica equívoca do assédio sexual, que dificulta a sua definição? Isso também é um ponto que vale a pena discutir”, apontou a CAM.
Para Christina Ieong, a situação é “grave”, mas continua a ser escondida. “Muitas vítimas têm, à partida, muito medo de falar, e há muitos casos escondidos que nunca foram falados. Pensam que vão perder o seu trabalho e a sua carreira. Conheço um caso em que a rapariga foi defendida e foi despedida. Neste tipo de situações as raparigas agem de forma passiva e se forem à polícia vão ter de provar o assédio, vão causar barulho e isso poderá afectar futuros empregos e patrões”, defendeu ao HM. “Esperamos que cada vez mais vítimas, sobretudo femininas, ousem defender os seus direitos e benefícios próprios, no intuito de melhorar o estatuto jurídico dos crimes de assédio sexual”, concluiu ainda a CAM.

CAM ouviu crianças dos seis aos dez anos

Além de ouvir mulheres empregadas e alunos adolescentes do ensino secundário, a CAM foi ainda conhecer as opiniões de crianças sobre a questão do assédio sexual, nomeadamente alunos do ensino primário cujas idades não vão além dos dez anos. “No grupo de foco dos estudantes do ensino primário, os conhecimentos sobre a educação sexual e atentado violento ao pudor são superficiais, sendo geralmente obtidos dos livros, palestras nas escolas e aulas de conhecimentos comuns. Não têm opinião precisa sobre o conteúdo de assédio sexual ou atentado violento ao pudor e a maioria está a favor da prevenção do abuso sexual. Na discussão da definição de assédio sexual, a maioria dos estudantes achou que o ‘abuso’ é quando lhes for tocada a parte privada e quando se fala de forma maliciosa do corpo. Como eles não têm muitas experiências e têm pouca idade, faltam-lhes definições e ideias claras sobre o assédio sexual ou o atentado violento ao pudor”, referiu a CAM.

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