VozesDroga, porcaria e chupa-ovo Leocardo - 17 Dez 2015 I [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]ntre a correria dos afazeres profissionais, quase nem dei pela entrada da quadra natalícia, o que vem comprovar que esta época outrora dada a balanços de fim-de-ano e menos “stress” já não é que era – e para o Sporting este Natal parece que também não. Fico aliviado, uma vez que esta vontade excepcional de fazer render o que falta para acabar o ano civil, e que no universo das anedotas de alentejanos seria considerado “uma epidemia”, contraria a tendência do PIB, esse em curva descendente. Pesando tudo isto na balança, o resultado é positivo, uma vez que as previsões mais pessimistas apontavam para o desinvestimento, coisa até considerada “normal” numa indústria tão volátil como a dos Jogos de Fortuna e Azar, e tudo o que isso representa, e de que Macau e a sua população se encontram invariavelmente reféns. E é no seguimento deste recheio social sortido que nos sai na rifa de todos os vícios que encontramos a droga – isto salvo seja, obviamente. Fico a saber que o Executivo se prepara para rever a moldura penal para os crimes de tráfico e consumo de estupefacientes, e sim, era previsível: as penas vão ser mais pesadas. Tão pesadas que fossem estas “penas” a de uma ave, teria que ser de um avião. Eu já me sinto indiferente – para que estragar a pele com manifestações perante esta táctica de “mais vale quebrar que torcer”? Aumentaram os números do consumo e o tráfico? Penas mais pesadas! Aumentaram outra vez, é? Então toma mais dois ou três ao fresco! E agora, atrevem-se? Claro que se atrevem, mas qualquer que fosse na mesma direcção da maioria das restantes jurisdições civilizadas e progressistas, para quem o consumidor é também uma vítima, seria entendido como um sinal de permissividade, de fraqueza. Assim mais vale o simpático Hin Wai ir todos os anos anunciar novos patamares de insucesso na missão de que o incumbiram mais ao departamento que dirige, o que pode ser entendido também como uma demonstração de confiança quiçá única no mundo (nem José Mourinho aguentava no Chelsea com resultados destes), que o problema no fundo é “político”. Este ano estive em Bali, na Indonésia, país onde este ano as autoridadas executaram 14 detidos pelo crime de tráfico de droga, alguns deles estrangeiros, e por sua vez entre estes, uns que foram detidos exactamente quando da sua chegada àquela estância turística. Por aquilo que vi e me foi dado a entender, o problema destas malogradas almas inconscientes foi não ter licença de importação, ou “cartão de membro do clube”. Droga era coisa que havia por lá ao pontapé, posso garantir. II Estive de fora de Macau durante uns dias, de visita ao Cambodja, e imaginem que durante a minha ausência foi anunciada a decisão da Universidade de Macau agora situada na Ilha da Montanha, em acabar com o ensino da Língua Portuguesa como opcional, o que provocou entre a nossa intelligenzia as já previsíveis e costumeiras ondas de choque. Este “corte” não se deverá ao facto da mudança do “campus” para o lado de lá, do primeiro sistema, e muito menos estariam à espera que eu virasse as costas, porque para mim – e preparem-se, ó “junkies” da indignação e do sobressalto, que pedem sempre em tamanho “supersize” – é igual ao litro. Estou-me nas tintas. Já deviam ter tomado esta decisão mais cedo, até porque vindo de quem vem, deixa-me apreensivo, desconfiado até, que se mantenha o ensino de uma língua que representa (preencha com a alarvidade patrioteira que melhor achar), ainda por cima fazendo-o contrariados, e eu não gosto de ver gente contrariada, com birra do sono, e possivelmente chichi. É apenas sintomático que se venha agora por na porta mais este cadeado numa Universidade, que nessa função de formar os quadros superiores só pode classificada de “sinistra”, tais eram os sinais de rigidez que vinha demonstrando nos últimos tempos, atingindo o clímax no ano passado, com actos de pura censura e saneamento de académicos por motivos obscuros. No papel pode parecer mau que a instituição de ensino superior que ostenta o nome do território trate com esta menoridade um elemento indissociável da matriz histórica e cultural desse mesmo território. No papel, insisto. Mas agora peço-vos que parem de emborcar esses hamburgueres de desaforo, empurrados não por coca-colas mas por “ora bolas que já nos tramaram”, chegando a ler neste acto algum tipo de prenúncio do apocalipse linguístico, e deixem-me que vos proponha uma dieta muito fácil, que nem requerer que tirem o rabiosque da cadeira. Basta reflectir durante um minuto e fazerem a vocês próprio esta simples pergunta: isto fica mal a quem, exactamente? Quem quiser aprender Português tem outras opções (e até no continente, e com mais qualidade, dizem), e não noto nenhum tipo de animosidade contra a segunda língua oficial, tirando dos suspeitos do costume, e a esses só nos resta deixar a pastar lá na montanha, onde se fala o montanhês. Béééé… III Também durante o curto período em que troquei Macau pela pátria dos Khmeres, falou-se de identidade macaense. Olha khmerda, já viram o que andei a perder, enquanto se tentava responder ao velho enigma que apoquenta menos que 0,0000000005% da humanidade que se propõe a discutir o problema: quem veio primeiro, a galinha chau-chau parido ou o chupa-ôvo? Eu adoro o Miguel, o André, a Paula e todos eles, no sentido não sexual nem gastronómico do termo, mas eles próprios sabem que esta discussão é tão produtiva como organizar um campeonato mundial do Jogo do Galo. Contudo, permitam que partilhe aquela que considera a melhor definição quanto ao género e sexualidade dos querubins: “(…) Os movimentos migratórios convergentes para o território de Macau, tendo como principais territórios de origem Portugal e China, e os movimentos migratórios que daquele território divergiram para o mundo, constituindo-se como diáspora, devem ser incluídos na caracterização da comunidade macaense, privilegiando-se o seu principal núcleo de organização social, isto é, a família macaense.” Aí está: a “família macaense” como o elo de ligação a Macau e, por inerência, ao sentimento de pertença, à noção de uma “identidade” própria. Mas não interpretem isto como uma tentativa de conciliar seja o que for, ok? Eu quero é que a malta “vá juntá” para “falá falá falá” e “comê comê comê”, e que não faltem para isso pretextos, por mais inconclusivos que possa ser a discussão.