Atentados de Paris levam Putin e Obama a acertar posições sobre a Síria

Os presidentes da Rússia e dos EUA parecem ter chegado a um acordo sobre os meios de combater o Estado Islâmico na Síria

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s presidentes americano, Barack Obama, e russo, Vladimir Putin, acertaram neste domingo as suas posições sobre a guerra na Síria e, com outros países na cimeira do G20 na Turquia, prometeram actuar contra os “terroristas estrangeiros”.
Dois dias depois dos atentados de Paris, reivindicados pelo grupo Estado Islâmico (EI), terem tornado mais urgente avançar para uma solução do conflito sírio, Obama e Putin mantiveram uma inesperada reunião bilateral informal, a primeira desde o início, há um mês, da intervenção russa para apoiar o regime do presidente sírio, Bashar Al Assad.
Os dois líderes pediram na cimeira de Antalya (sudoeste da Turquia) uma “transição política dirigida por sírios, precedida de negociações sob mediação das Nações Unidas”, assim como a negociação de um cessar-fogo.
A reunião internacional realizada no sábado, em Viena, permitiu que os chefes da diplomacia de 17 países, liderados pelos Estados Unidos e Rússia, fixassem um calendário concreto para a transição política na Síria, mas sem chegar a um acordo sobre a saída de Assad do poder, como exigem os países ocidentais e árabes.
Obama e Putin conversaram por cerca de 35 minutos sentados frente a frente, segundo imagens da televisão.
O assessor do Kremlin, Yuri Ushakov, no entanto, afirmou que algumas divergências sobre a táctica para combater o EI na Síria persistem entre a Rússia e os Estados Unidos.
“Moscovo e Washington têm objectivos estratégicos muito próximos na luta contra o EI, mas persistem divergências sobre a táctica”, declarou Ushakov, sem dar maiores detalhes.
Por seu lado, um representante da Casa Branca disse que “o presidente Obama e o presidente Putin concordaram com a necessidade de uma transição política na Síria, que será realizada por meio de negociações mediadas pela ONU entre a oposição e o regime do país, assim como de um cessar-fogo”.
Obama elogiou os esforços de todos os países para combater o EI, notando a importância dos esforços militares russos na Síria focados no combate desse grupo, acrescentou.

Tudo muito bonito mas…

Mas, além das declarações de boas intenções, a França, representada pelo ministro das Relações Exteriores Laurent Fabius e das Finanças Michel Sapin, espera acções concretas na luta contra o terrorismo.
“Além da solidariedade e da comoção, a França quer decisões concretas em matéria de luta contra o financiamento do terrorismo”, declarou à AFP Sapin.
As declarações de intenção escondem, de facto, as divergências sobre a guerra na Síria, onde mais de 250 mil pessoas já morreram.
Numa cimeira marcada pelos atentados de Paris, que deixaram 129 mortos, os líderes fizeram um minuto de silêncio em memória das vítimas e mostraram-se determinados a fazer uma frente comum perante o jihadismo. O anfitrião do encontro, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, prometeu que a cimeira enviará uma mensagem dura contra o terrorismo.
Neste contexto, e duas semanas após a vitória nas eleições legislativas, o homem forte da Turquia quer aproveitar a oportunidade para reafirmar o seu papel na crise. Para lembrar a urgência da ameaça terrorista, um membro do EI cometeu um ataque suicida sábado à noite durante uma acção da polícia na cidade turca de Gaziantep, localizada a 500 km a leste de Antalaya.

Rascunho e refugiados

Os líderes do G20 devem tomar medidas contra a crescente circulação de terroristas estrangeiros, segundo um rascunho da declaração final da cimeira obtida pela AFP.
As principais economias do planeta concordaram em “compartilhar informações operacionais, fazer uma gestão de fronteiras para detectar deslocamentos, tomar medidas preventivas, dar uma resposta judicial adequada e fazer um reforço da segurança aérea internacional”, segundo o texto.
O projecto de declaração também condena os “odiosos ataques de Paris e de Ancara” em 10 de Outubro, mas não cita qualquer grupo ou organização terrorista.
A cimeira dos países mais ricos do planeta deveria tratar de assuntos económicos, mas a guerra na Síria, a crise migratória na Europa e os atentados de Paris modificaram a agenda deste ano.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, advertiu contra qualquer tentativa de transformar a política europeia de refugiados em função dos atentados em Paris. “Quem cometeu os atentados são exactamente as pessoas de quem fogem os migrantes e, por isso, não é preciso rever o conjunto da política europeia em termos de refugiados”, declarou.
A questão veio à tona quando as autoridades gregas indicaram que um passaporte sírio achado pela polícia francesa num dos locais dos ataques em Paris pertencia a um solicitante de asilo que se registou em Outubro passado numa ilha grega, onde chegam milhares de migrantes.

França retalia com bombardeamentos na Síria

Dez caças franceses lançaram domingo à noite 20 bombas sobre Raqqa, no Norte da Síria, que o Estado Islâmico tornou a sua capital, anunciou o Ministério da Defesa de Paris. O acto está a ser visto como uma resposta aos atentados de sexta-feira na capital francesa, que o Presidente François Hollande tinha classificado como “um acto de guerra, cometido por um exército terrorista.” Durante o dia, o Presidente recebeu os líderes dos partidos políticos representados no Parlamento, em busca de uma união nacional, tentando reproduzir o clima em França após os atentados de Janeiro contra o semanário satírico Charlie Hebdo e um supermercado judaico, que fizeram 17 mortos.
Desde sexta-feira à noite que o Presidente apela à “unidade indispensável” para defender “a pátria e os valores da humanidade”. Este domingo, o primeiro-ministro, Manuel Valls, exortou os partidos a formarem “a união sagrada”, antes da sessão conjunta das duas câmaras que se realizará em Versalhes na segunda-feira. É muito raro que o Senado e a Assembleia Nacional se reúnam ao mesmo tempo – a convocatória excepcional justifica-se, afirmou Hollande, devido à necessidade de “unidade” da nação face ao desafio do terrorismo.
Mas Nicolas Sarkozy, o líder do partido de centro-direita, em vez de consensos, exigiu “alterações drásticas” na política de segurança – indiciando que Hollande não conseguiria a desejada união. “Disse ao Presidente que me parecia que devíamos construir respostas adequadas, o que quer dizer fazer uma inflexão da nossa política externa, das decisões no plano europeu e efectuar modificações drásticas na nossa política de segurança”, declarou o ex-Presidente, batido nas eleições de 2012 por Hollande.
Apesar de bombardeamentos continuados, inicialmente no Iraque e depois de Setembro na Síria, a coligação internacional não está a conseguir enfraquecer o grupo jihadista Estado Islâmico. Por isso a oposição francesa está a reclamar uma acção mais ampla. Alguns, como Sarkozy, dizem que o Ocidente se devia coordenar com a Rússia e até com o Presidente sírio, Bashar al-Assad – contra o qual os sírios se levantaram inicialmente, dando origem à guerra civil.
“Temos de tirar as consequências da situação na Síria. Precisamos de toda a gente para acabar com o Daesh [a sigla em árabe do Estado Islâmico], incluindo os russos. Não pode haver duas coligações internacionais na guerra da Síria”, declarou Sarkozy.

O que é o Estado Islâmico?

A tentação agora será a de seguir uma política mais dura – os bombardeamentos serão prova disso. O caminho de França inicia agora poderá levá-la para o mesmo percurso que os Estados Unidos começaram a percorrer após os atentados do 11 de Setembro de 2001, com um difícil equilíbrio entre as liberdades cívicas, uma sociedade aberta e a segurança, sublinha o New York Times.
“Hollande está a ser empurrado para endurecer a sua retórica”, sublinha a editorialista Françoise Fressoz no Le Monde. O ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, solicitou a realização de conselho dos ministros do Interior da União Europeia extraordinário na próxima sexta-feira, 20 de Novembro.
Por outro lado, é a primeira vez que uma alta figura do Estado europeu é ameaçada directamente num atentado jihadista – Hollande estava no Estádio de França a assistir ao jogo amigável entre as selecções francesa e alemã, no qual os terroristas tentaram entrar. Houve uma linha vermelha que foi atravessada, que obrigará as autoridades de Paris a agir de forma diferente.
Além disso, neste momento está a decorrer uma campanha eleitoral em França – as regionais disputam-se em duas voltas, a 6 e 13 de Dezembro, com uma derrota quase certa para os socialistas no poder. E as presidenciais de 2017, cujo contra-relógio começou a contar logo em 2012, após a eleição de François Hollande, estão a aproximar-se. Pode haver “um efeito de repetição talvez muito doloroso”, diz SainteMarie.
“A repetição dos acontecimentos pode provocar uma reflexão sobre as escolhas do Governo e do Presidente. De uma parte sobre a eficácia das medidas de prevenção, sobre o aspecto securitário, mas também sobre o aspecto diplomático.” Tudo isso pode significar que a França entrou de facto em guerra com o Estado Islâmico.

Os números

150
rusgas foram levadas a cabo em locais islamitas em França desde os atentados perpetrados na sexta-feira, disse o primeiro-ministro francês, Manuel Valls. Em Lyon, no centro-leste do país, foram apreendidas armas, um lança-foguetes, coletes à prova de bala, várias pistolas e uma arma automática de tipo ‘kalachnikov’

23
pessoas foram detidas para interrogatório e foi decidida a prisão domiciliária para 104 pessoas. O primeiro-ministro francês disse que as autoridades acreditam que novos ataques terroristas estão a ser planeados em França e noutros países europeus após os atentados realizados na noite de sexta-feira em Paris. Anteriormente, Valls tinha estimado que os ataques poderiam ocorrer nos “próximos dias, próximas semanas”

31
armas foram apreendidas

3
meses poderá durar o estado de emergência em França. Hollande terá comunicado esta intenção ao parlamento. “Ele disse-nos que quer o estado de emergência durante três meses, no mínimo”, disse uma das fontes. Em França, o prolongamento do estado de emergência para mais de 12 dias exige uma lei que tem de ser votada no parlamento, fixando a duração definitiva da medida.

2
luso-descendentes ainda não apareceram. A associação de jovens luso-descendentes Cap Magellan e o vereador da Câmara de Paris Hermano Sanches Ruivo procuram dois jovens alegadamente de origem portuguesa que aparecem como desaparecidos na conta do Twitter criada na sequência dos atentados de Paris. Hermano Sanches Ruivo, fundador da associação Cap Magellan, disse que estão à procura dos jovens Julien Ribeiro e Cédric Santos. “Pela fotografia eu diria que eles têm menos de 30 anos, provavelmente menos de 25 também. Eles não constam da lista dos feridos, daqueles que ainda estão a ser vistos nos hospitais, o que não deixa de ser uma má notícia, a menos que estejam completamente fora do esquema e nesse caso podemos estar numa falsa pesquisa. É um risco também, não podemos descartar que seja uma piada de mau gosto”, descreveu

1
dos terroristas abatidos era filho de uma portuguesa. Ismael Omar Mostefai, um dos terroristas identificados como autor do ataque à sala de especáculos Le Bataclan, que fez 89 dos 129 mortos dos atentados de Paris desta sexta-feira, era filho de uma portuguesa e de um argelino, escreve o “New York Times”. Ismael Omar Mostefai tem 29 anos e nasceu em Courcouronnes (arredores de Paris). Era o terceiro de cinco irmãos, contou ao jornal um vizinho da família que o jornal norte-americano ouviu em Chartres, onde vivia a família, a cerca de 100 quilómetros da capital francesa. Mostefai, adiantou ainda a mesma fonte, chegou a trabalhar numa padaria nos subúrbios de Chartres. “Era uma família normal, como todas. [Mostefai] brincava com os meus filhos. Nunca falou de religião. Era normal. Tinha alegria de viver. Ria-se muito”, contou o vizinho. Isto até há cinco anos, depois algo mudou: “Foi em 2010, foi aí que ele começou a radicalizar-se. Não percebemos o que aconteceu.” O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas disse que não consegue confirmar a informação avançada pelo “New York Times”. Afirmou apenas que Mostafa “não é português”

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