PolíticaProstituição, Um inquérito simples Fernando Eloy - 9 Set 20159 Set 2015 [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]nda no ar a discussão da prostituição em Macau. Em boa hora, porque há muito a fazer, porque há muito para falar sobre o assunto. Alguns sectores da sociedade defendem a criminalização; eu defendo exactamente o oposto: a legalização total, com reconhecimento profissional dos trabalhadores(as) do sector incluído de todos os “quês” que isso envolver ao nível de apoio social, médico, escolar; como os outros. Já antes escrevi nesta coluna sobre as minhas motivações, mas hoje explico como cheguei lá. Não por via de inclinações ou incompatibilidades religiosas ou morais vigentes; mas pela via da razão. A razão que emana do substrato da questão; cheguei também “contaminado” pela minha visão de bem comum, ou seja: todos os factores o que permitam sociedades de coexistência pacífica entre cidadãos, tolerantes, de igualdade de oportunidades, que não discriminam entre seres humanos, que nos elevam no seu todo para além dos sentimentos básicos, solidárias e capazes de prover apoio social, escolar e de saúde a todos os seus membros e a mais alguns que venham. Em nossa casa deve haver sempre lugar pelo menos para mais um. A possibilidade de criminalização da prostituição choca frontalmente com a minha definição de bem comum. Para melhor avaliar a questão coloquei-me umas quantas questões básicas. Mas são as minhas respostas, e eu sou falível. Tudo é falível. Mas rejeite-as, caro leitor, rejeite-as e responda com as suas. Crie novas perguntas até, mas prove-me que criminalizar a prostituição é uma coisa boa. Porque é que existe prostituição? Porque dá dinheiro. Porque é que dá dinheiro? Porque tem clientes. Porque é que tem clientes? Porque as pessoas gostam e precisam de sexo. E só porque as pessoas gostam é razão para legalizar um negócio? Normalmente é, desde que não mate gente. As armas são autorizadas, os carros podem vir para a rua a emitirem gases poluentes… Enfim, de uma forma geral, desde que não mate gente de forma óbvia e directa, a resposta terá de ser sim. Mas para além de gostar, precisam. Se quisermos, sexo é um direito humano, ou a possibilidade de a ele ter acesso. Se não pela via romântica, então que exista a via profissional. O prazer sexual é inalienável da condição humana e a satisfação sexual necessária ao equilíbrio dos indivíduos. E agora ataquem-me. Mas e se este negócio, ou satisfação de necessidade, for contra a moral vigente? A satisfação de uma necessidade humana legitima não deveria ser alvo da moralidade, como saciar a sede não é. Depende da forma como se sacia. Urbanidade. Qual moral vigente? A moral religiosa? Se for a moral religiosa um estado laico não pode confundi-la com bem comum. Se a moral vigente conduzir à discriminação de seres humanos, a ameaças de saúde pública ou à exploração laboral, a moral vigente tem de ser mudada. A bem de todos. Parece-me claro. E vamos dar carteiras profissionais às prostitutas e aos prostitutos? Até lhes dava uma Ordem de classe! Sim, um mercado regulado é menos propenso à marginalidade. Estatuto profissional permite-lhes condições de trabalho dignas e evita tráfico humano e trabalho em situação de escravatura. Permite-lhes ordenados e regalias para suportarem famílias e proporcionarem opções de vida aos seus filhos; como aos outros. Além disso, por estarem sujeitos a intervirem na propagação de doenças devem estar obrigados a rigorosas medidas de sanidade, situação difícil de implementar num sector semi-ilegal; tal como um atleta é obrigado a fazer exames médicos antes de competir ou qualquer um de nós antes de entrar no mais vulgar emprego. Agora também temos de pagar os estudos dos filhos das putas?!… Alegoricamente, e no pior sentido, já o fazemos nalguns casos infelizes. Mas sim, se pretendermos um mundo melhor temos de dar oportunidades aos nossos cidadãos de criarem gerações melhores, mais instruídas, mais capazes. Mesmo, ou especialmente, aos filhos das putas. E dos putos. Vender o corpo é degradante. Nenhuma pessoa do mundo se deveria sujeitar a isso. Isso não é contra a moral, o bem comum e a dignidade das pessoas? Em primeiro lugar prostituição não é vender o corpo. É uma prestação de serviços e pode ser um acto voluntário. Tal como um massagista, ou um psicanalista prestam um serviço. O serviço prostituição normalmente termina quando o cliente se vem; penso que podem ser discutidos pacotes para clientes mais energéticos, mas o principio é esse. O serviço do massagista termina, normalmente, quando cliente se vai; o do psicanalista pode durar uma vida inteira. As grandes diferenças é que na prostituição e na massagem há uma intervenção física clara enquanto a do psicanalista se fica por um contacto mental mas não menos íntimo por isso. No serviço prostituição há trocas de líquidos entre paciente e terapeuta e partes do corpo de um podem penetrar, ou ser penetradas, pelas do outro. Na psicanálise, há trocas de pensamentos e partes das ideias de um podem penetrar, ou ser penetradas, pelas ideias do outro. Lugar comum: todos eles prestam serviços de bem estar físico e emocional. Não será a(o) prostituta(o) um terapeuta? E não se pode acabar com essa necessidade de sexo? (…) Mas afinal as pessoas precisam de sexo para quê? Preciso mesmo de responder a isto? (…) Por uma questão de bem estar físico e emocional. Porque o sexo, ou a actividade sexual, é essencial ao equilíbrio dos indivíduos. Uns precisam de mais, outros precisam de menos. Uns comem uma salada e ficam satisfeitos outros precisam de dois hambúrgueres. Uns preferem o gelado na taça, outros o gelado no pau…. mas todos, em maior ou menor grau, gostam de gelado. Uns têm sorte e encontram na sua relação tudo o que precisam. Outros não. Outros nem têm relação. Mas a grande maioria precisa de sexo. Será humano criminalizar um serviço que muitos precisam e não faz mal a ninguém, mas antes pelo contrário? Alternativa, uma sociedade de gente tensa, stressada e frustrada? Seguramente, uma sociedade hipócrita. Sexo é melhor com amor – impróprio discordar – mas não impossível sem este; não desnecessário sem este. Sexo é fabuloso com a pessoa (ou pessoas) da nossa vida, mas não é por não termos a pessoa (ou pessoas) da nossa vida que vamos deixar de ter sexo. Às vezes, a única forma de ter sexo é recorrendo a profissionais. Uma “queca profissional” soa a algo absolutamente tentador, ou não? Cada um é livre de escolher as suas opções, inclusive de não ter sexo. Mas não podemos confundir o bem comum com o bem de alguns. Eu quero poder ter sexo, seguro e se à prostituição tiver de recorrer, quero poder pensar que o prestador do serviço não está a ser violentamente explorado, que é alguém que pode educar os seus filhos e a ter uma vida tão digna como aquela que desejamos para nós e para as nossas famílias. Como a do nosso psicanalista, ou a do nosso massagista, ou de qualquer outro profissional. Legalizar é um movimento para cima e para a frente. Criminalizar é um regresso às catacumbas. Música da semana: Naturalmente… Marvin Gaye’s “Sexual Healing” “(…)And when I get that feeling I want sexual healing Sexual healing, oh baby Makes me feel so fine Helps to relieve my mind Sexual healing baby, is good for me Sexual healing is something that’s good for me. (…)”