PolíticaO Mal da Aldeia Fernando Eloy - 1 Set 2015 [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]credito ser um caso vulgar no mundo a existência, aqui e acolá, daquilo que normalmente se designa por “leis não escritas”, ou seja, práticas correntes que não obedecem a nenhum princípio legal subjacente mas cumpridas religiosamente e com um apego tal como se fossem, de facto, leis. Macau, claro, não é excepção. Muito pelo contrário. Uma das mais famosas dessas “leis”, agora julgo que em desuso ao ponto de muitos recém-chegados nunca terem ouvido falar nela, é a pitoresca “20/24”, ou seja: “Tens 20 quilos e 24 horas para te pores a andar daqui para fora!” Assim mesmo, com exclamação e tudo. Não me parece que esta “lei” tenha alguma vez sido aplicada por qualquer tribunal de Macau mas, como os espanhóis com as bruxas, que terá sido aplicada terá, e que serviu durante muito tempo de aviso ou ameaça velada também. Mas se a “20/24” será coisa de um passado quase cinematográfico existe outra bem presente a qual, como é típico destas práticas correntes, diz muito do sentir e do agir de uma comunidade. Para ser prático vou chamar-lhe “Mal da Aldeia”, naturalmente imbuída do espírito do velho aforismo “Dividir o Mal Pelas Aldeias”. A aldeia aqui é um termo importante porque define o espírito desta “lei” da terra na sua curteza de vistas e na sua incapacidade de perceber que existe um mundo para além destes 25 km2, apesar da muralha ter caído há muito. Mas, ao contrário de outras leis, esta é especialmente dedicada às gentes locais; enquanto a “20/24” tinha um espírito mais universalista pois podia ser aplicada a um qualquer cidadão, residente ou não, de uma qualquer parte do mundo, a “Mal da Aldeia” é especialmente aplicada aos residentes. Ou seja, em Macau quando se trata de distribuir subsídios ou apoios a profissionais independentes; leiam-se artistas, pilotos de automóveis, produtores… a regra é dar um bocadinho a todos em vez de apostar seriamente nos mais qualificados. Resultado: uma dispersão completa de recursos e nenhum dos beneficiados (?) a conseguir sequer imaginar objectivos ambiciosos. Nos automóveis, quem não terminar o Grande Prémio local vê-se sem subsidio da Fundação Macau mesmo que ganhe provas realmente importantes lá fora; e não terminar uma prova acontece aos melhores. Logo não se arrisca, porque ninguém é parvo ao ponto de comprometer uma época por causa de uma prova que, em boa verdade, pouco ou nada conta em termos desportivos mas muito em termos de carreira por causa desta distorção absurda. Perdem os pilotos, perde o público, perde o Grande Prémio – uma “lose-lose situation”. Nos filmes dá-se cem mil aqui, trezentas ali, duzentas acolá para depois poderem dizer que Macau tem muita gente a fazer filmes, ou seja, muitos realizadores mas nem sequer assistentes de produção tem porque os exíguos orçamentos atribuídos pela “Mal da Aldeia” não permitem formar nem manter equipas. Além disso, todos os que fazemos filmes sabemos que produções a sério capazes de ambicionarem para além do circuito “TDM – Centro Cultural – festas de amigos”, não custam nem cem, nem duzentos nem sequer um milhão e meio como o Instituto Cultural nos quer fazer acreditar. No entanto, se o proponente vier de fora (com as credenciais certas) a “Mal da Aldeia” já não é aplicada. Este tipo de “jurisprudência” nasce de mentalidades pequena, do medo de errar, do receio de decidir, do pânico do que os vizinhos vão dizer e não de um qualquer senso de justiça. A “Mal da Aldeia” é mesmo isso, perniciosa, e não se coaduna com uma cidade que se pretende afirmar no mundo e, para não irmos tão longe porque as viagens não cabem nos orçamentos, até no contexto da China. Mentalidade de aldeia, conceito anacrónico que em nada contribui para o bem comum pois ao “dividir o mal pelas aldeias” apenas se obtém uma série de ejaculações precoces e nunca uma relação satisfatória. Macau tem de aprender a pensar grande para além do fogo de artificio. Macau tem de saber arrojar sob pena do futuro ser uma condenação ao inferno das boas intenções e ao limbo do esquecimento. Continuar a dar apoios a todos e mais alguns apenas porque ostentam um BIR e para ficar bem na foto de grupo, em vez de concentrar meios naqueles que realmente têm valor é uma asneira inqualificável. Viver na quimera de que uma cidade de meio milhão de habitantes possa ter meio milhão de talentos é uma ingenuidade imperdoável. MÚSICA DA SEMANA Dos idos de 1997… “Open your Mind” – Usura