Família | Aldeia estabelece limite para dotes de casamento

Uma aldeia no norte da China estabeleceu um limite para o dote de casamento, pré-requisito essencial para selar o matrimónio na China rural, ameaçando julgar os infractores por tráfico humano, informou a imprensa local

 

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]egundo o portal noticioso sixth tone, um aviso afixado pelas autoridades nas casas da aldeia de Da’anliu, província de Hebei, refere que dotes acima dos 20.000 yuan (cerca de 2.500 euros) serão considerados tráfico humano.
A falta de mulheres na aldeia levou a uma escalada do ‘preço’ a pagar para garantir uma esposa, descreve o portal. A ‘vantagem negocial’ das mulheres resulta de persistentes “tradições feudais” e três décadas da política de filho único, que geraram um excedente de 33 milhões de homens na China.
Segundo a tradição chinesa, são os pais que transmitem o nome da família à geração seguinte, enquanto o apelido das mães não passa para os filhos. Como resultado, a maioria dos abortos feitos no país – 336 milhões desde 1971, segundo dados oficiais chineses – ocorreram com fetos do sexo feminino.
O desequilíbrio causou ainda um “tráfico de esposas” do Vietname para a China. A dificuldade em encontrar noivas chinesas leva homens do interior da China a procurar mulheres no país vizinho, alimentando uma rede de tráfico humano. Em 2014, cem vietnamitas fugiram depois de se casarem com chineses da cidade de Quzhou, na província de Hebei, incluindo a mulher que tinha arranjado os casamentos, arrecadando assim centenas de milhares de yuan.

Copo de água

Outra das situações que as autoridades estão a tentar controlar são os banquetes de casamento, que não podem exceder em custos 260 yuan por pessoa, assim como estabelecer um tecto máximo para os preços de bebidas alcoólicas e tabaco, de acordo com informação veiculada pelo Hebei Youth Daily.
As autoridades locais entendem que a medida é urgente de forma a responder à crescente dívida das famílias.
“A maioria das pessoas sobrevivem graças ao trabalho em pomares de pêras. Devido aos elevados preços das noivas, há quem na comunidade gaste todas as suas economias e se endivide”, refere ao Hebei Youth Daily o secretário do PCC da aldeia de Da’anliu , Liang Huabing

9 Ago 2018

O Mal da Aldeia

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]credito ser um caso vulgar no mundo a existência, aqui e acolá, daquilo que normalmente se designa por “leis não escritas”, ou seja, práticas correntes que não obedecem a nenhum princípio legal subjacente mas cumpridas religiosamente e com um apego tal como se fossem, de facto, leis. Macau, claro, não é excepção. Muito pelo contrário. Uma das mais famosas dessas “leis”, agora julgo que em desuso ao ponto de muitos recém-chegados nunca terem ouvido falar nela, é a pitoresca “20/24”, ou seja: “Tens 20 quilos e 24 horas para te pores a andar daqui para fora!” Assim mesmo, com exclamação e tudo. Não me parece que esta “lei” tenha alguma vez sido aplicada por qualquer tribunal de Macau mas, como os espanhóis com as bruxas, que terá sido aplicada terá, e que serviu durante muito tempo de aviso ou ameaça velada também. Monsanto_interior_da_aldeia
Mas se a “20/24” será coisa de um passado quase cinematográfico existe outra bem presente a qual, como é típico destas práticas correntes, diz muito do sentir e do agir de uma comunidade. Para ser prático vou chamar-lhe “Mal da Aldeia”, naturalmente imbuída do espírito do velho aforismo “Dividir o Mal Pelas Aldeias”. A aldeia aqui é um termo importante porque define o espírito desta “lei” da terra na sua curteza de vistas e na sua incapacidade de perceber que existe um mundo para além destes 25 km2, apesar da muralha ter caído há muito. Mas, ao contrário de outras leis, esta é especialmente dedicada às gentes locais; enquanto a “20/24” tinha um espírito mais universalista pois podia ser aplicada a um qualquer cidadão, residente ou não, de uma qualquer parte do mundo, a “Mal da Aldeia” é especialmente aplicada aos residentes. Ou seja, em Macau quando se trata de distribuir subsídios ou apoios a profissionais independentes; leiam-se artistas, pilotos de automóveis, produtores… a regra é dar um bocadinho a todos em vez de apostar seriamente nos mais qualificados. Resultado: uma dispersão completa de recursos e nenhum dos beneficiados (?) a conseguir sequer imaginar objectivos ambiciosos. Nos automóveis, quem não terminar o Grande Prémio local vê-se sem subsidio da Fundação Macau mesmo que ganhe provas realmente importantes lá fora; e não terminar uma prova acontece aos melhores. Logo não se arrisca, porque ninguém é parvo ao ponto de comprometer uma época por causa de uma prova que, em boa verdade, pouco ou nada conta em termos desportivos mas muito em termos de carreira por causa desta distorção absurda. Perdem os pilotos, perde o público, perde o Grande Prémio – uma “lose-lose situation”. Nos filmes dá-se cem mil aqui, trezentas ali, duzentas acolá para depois poderem dizer que Macau tem muita gente a fazer filmes, ou seja, muitos realizadores mas nem sequer assistentes de produção tem porque os exíguos orçamentos atribuídos pela “Mal da Aldeia” não permitem formar nem manter equipas. Aldeia da Roupa Branca
Além disso, todos os que fazemos filmes sabemos que produções a sério capazes de ambicionarem para além do circuito “TDM – Centro Cultural – festas de amigos”, não custam nem cem, nem duzentos nem sequer um milhão e meio como o Instituto Cultural nos quer fazer acreditar. No entanto, se o proponente vier de fora (com as credenciais certas) a “Mal da Aldeia” já não é aplicada. Este tipo de “jurisprudência” nasce de mentalidades pequena, do medo de errar, do receio de decidir, do pânico do que os vizinhos vão dizer e não de um qualquer senso de justiça. A “Mal da Aldeia” é mesmo isso, perniciosa, e não se coaduna com uma cidade que se pretende afirmar no mundo e, para não irmos tão longe porque as viagens não cabem nos orçamentos, até no contexto da China. Mentalidade de aldeia, conceito anacrónico que em nada contribui para o bem comum pois ao “dividir o mal pelas aldeias” apenas se obtém uma série de ejaculações precoces e nunca uma relação satisfatória. Macau tem de aprender a pensar grande para além do fogo de artificio. Macau tem de saber arrojar sob pena do futuro ser uma condenação ao inferno das boas intenções e ao limbo do esquecimento. Continuar a dar apoios a todos e mais alguns apenas porque ostentam um BIR e para ficar bem na foto de grupo, em vez de concentrar meios naqueles que realmente têm valor é uma asneira inqualificável. Viver na quimera de que uma cidade de meio milhão de habitantes possa ter meio milhão de talentos é uma ingenuidade imperdoável.

MÚSICA DA SEMANA
Dos idos de 1997…
“Open your Mind” – Usura

1 Set 2015