Adam Johnson, autor de “The Orphan Master’s Son” e vencedor de um Pullitzer

Venceu em 2012 o Pullitzer para Ficção com uma obra sobre a Coreia do Norte. A mistura de ficção com realidade é algo a que Adam Johnson se entrega de corpo e alma, num caminho onde as emoções e o ser humano são a sua maior inspiração. Em Macau pela primeira vez para o Rota das Letras, só “viu casinos” e a Universidade de Macau, da qual “gostou muito”

[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]enceu um Pullitzer para Ficção em 2012, com o livro “Orphan Master’s Son”. Alguma vez pensou conseguir este prémio?
Entre os milhares de livros publicados nos EUA, apenas um é escolhido e seríamos uns tontos em pensar ganhar algo como um Pullitzer. Escrevi este livro ao longo de muitos anos e nunca conheci ninguém que estivesse a escrever ficção sobre a Coreia do Norte… todas as pessoas com quem falava sobre o livro olhavam para mim como se fosse maluco, mas eu sentia-me profundamente apaixonado pelo livro. Contudo, só queria que fosse publicado e esperar que, talvez, as pessoas ficassem tão ‘infectadas’ e curiosas face ao livro quanto eu.

adam johsonFoi arriscado e difícil escrever um livro de ficção sobre a Coreia do Norte?
É um lugar sobre o qual sabemos muito, mas não podemos provar nada. Mas acho que é mais desafiante para jornalistas escrever sobre a Coreia do Norte, porque eles ouvem os rumores e as histórias, mas não conseguem confirmar nada. Nada pode ser verificado, mesmo que milhares de pessoas tenham saído da Coreia do Norte. Essas pessoas contam a sua história e, como um novelista, essas histórias, esses pesadelos, esses mitos e rumores são valiosos para mim. Mas um jornalista não pode usá-los, por isso acho que, neste caso, a ficção consegue preencher um vazio que a ‘não-ficção’ não pode.


Esteve no país seis dias, além de ter feito investigações aprofundadas. A realidade lá é mesmo como as pessoas descrevem?

Tive lá, sim, mas numa viagem muito controlada. Estava já a meio do livro e o que queria mesmo saber eram coisas que poderia ganhar com a minha visita lá: eram as ruas pavimentadas com asfalto ou pedra? Qual era o cheiro nas ruas? Que sapatos é que as pessoas usavam? Havia cortinas nas janelas ou cortinas que isolavam as casas do mundo como eu tinha lido? Perguntei onde é que estavam as caixas de correio, as estações de bombeiros… Como é que tudo funcionava. Mas o único sítio no mundo onde não se pode falar com um norte-coreano é na Coreia do Norte – é ilegal para um cidadão falar com um estrangeiro. Então soube que só iria aprender a verdade sobre o que estava à superfície naquele lugar, o que estava à vista. Mas também houve coisas que só fiquei a saber porque fui lá.

E as pessoas, vivem mesmo assustadas? Não contactam? Vestem-se todas da mesma maneira?
Sim. Eles têm uma variação de uniforme, mas nada com marcas. As únicas mensagens permitidas são as mensagens políticas [do líder da Coreia do Norte], nunca seria permitido qualquer tipo de slogan numa t-shirt ou mesmo uma marca. Não pude falar com ninguém… se ao menos tivesse podido falar com uma mulher, ir a casa dela, beber chá com ela e ver como vivia, todas as minhas perguntas teriam tido resposta. Mas não foi o caso. Sou uma pessoa grande, tenho 1.90m – mas, durante todo o tempo que andei nas ruas de Pyongyang tinha ‘minders’ [pessoas a controlar] comigo e eles tinham uns pins especiais no casaco, que avisavam toda a gente que estas pessoas não eram para ser incomodadas. Descíamos a rua e as multidões dispersavam.

Exactamente o oposto do que pretendia…
Exacto. Americanos grandes não passam lá todos os dias… mas uma coisa que reparei é que, mesmo assim, as pessoas não pareciam olhar para mim e desviar o olhar. Elas simplesmente não olhavam. Evitavam, como se tivessem sentido a sua curiosidade, afastando-a [depois]. Apanhei alguns a olhar para o meu reflexo nos espelhos e nas janelas – estavam curiosos, mas de alguma forma digeriram a censura do Governo, acho. Mas não posso ter a certeza, porque só se sabe quando se fala com as pessoas.

Começou a carreira literária com “Emporium”, uma colecção de curtas. Qual a principal diferença entre escrever histórias curtas e escrever um livro? Mistura sempre ficção com realidade nas suas obras?
Não é isso que a vida é? Uma mistura de ficção e realidade? Se ao menos pudéssemos distingui-las… (risos) Na nossa vida, escolhemos sempre histórias para contar aos outros. Não organizamos a grande confusão de experiências [a que estamos sujeitos] em capítulos estruturados e moldados da nossa vida? Para responder à questão: há um certo prazer em escrever histórias curtas, porque podemos ser um ditador e controlar todos os aspectos da história, aperfeiçoar cada bocadinho como se fosse uma jóia, para conseguir o efeito que queremos. Um romance é algo desorganizado, cheio de compromissos… o enredo quer uma coisa, as personagens querem outra. [A personagem] quer continuar de uma determinada forma, depois há as emoções que tenho que dar a uma cena… De certa forma, um romance é um acto político, perante o qual temos de fazer compromissos entre todos os seus pedaços estruturais. Não há “perfeição” num romance.

Deixa-o fluir, então?
Sim. Mas um romance pode dar muito trabalho.

As pessoas falam muito em inspiração para conseguir escrever um livro. Sendo escritor a full-time, acredita na inspiração ou tem de se obrigar a escrever?
Ao longo dos anos, aprendi a confiar nas minhas obsessões e reparei que começo a ouvir uma certa música e passo a vida a ouvi-la, ou leio determinadas coisas ou vejo vídeos no YouTube e não páro, como se fosse uma loucura. Foi assim com a Coreia do Norte: tornei-me curioso e, durante um ano, só lia coisas sobre o país, lia, lia, lia. Ou vou ao eBay à noite e dou por mim a comprar imensas coisas… sei que parece tonto, mas a verdade é que, se pegar nessas coisas pelas quais sou obcecado e as puser numa narrativa, isso vai retirar de mim o que quer que seja que está a fazer-me focar nisso. Qualquer que seja a emoção conectada a essa obsessão. E, na maioria das vezes, é um mistério o que me faz ficar maluco com algo, até que o ponha numa narrativa. Não sei se alguma vez penso “oh, hoje deveria começar a escrever uma história”, acho que é mais quando fico enamorado por algo que sei que a minha mente está [focada na escrita].

Mas há diferentes escritores.
Sim, acho que há. Vejo imensos escritores curiosos com um tópico que não tem nada a ver com eles próprios e que fazem muita pesquisa e martelam até ter o livro cá fora. E vejo muitos escritores que são mais pessoais e escrevem sobre emoções que conhecem e assuntos seus. Os primeiros conseguem escrever um livro por ano, porque não é sobre eles. Os outros, e estes são os que eu gosto, põem o seu coração no trabalho. Tem de se esperar até que as coisas surjam, não podemos controlar quando vem de dentro. São “vítimas” dessas emoções.

Então, o Adam é um escritor pessoal?
Comecei assim e estou a tentar fundir as duas formas de escrita, porque eu até gosto de fazer pesquisa. Comecei como jornalista, mas depois vi a luz (risos). Se tudo correr bem, também vai ver a luz. O jornalismo tem o seu lugar e é importante, mas o dia vai chegar… (risos)

Mas o jornalismo ajudou-o a escrever sobre a realidade? Alguma vez exerceu?
Não, licenciei-me em Jornalismo e escrevi para jornais, mas sabia que não era um grande jornalista. Lembro-me do meu professor de Jornalismo me dizer, às vezes, “tu inventaste esta citação não foi?”. Eu admitia que sim, mas que ninguém tinha dito a verdade e que a minha posição era dizer a verdade (risos). E isto era um debate que tínhamos ao longo dos anos: eu dizia que o meu dever era mostrar a verdade, ele dizia o meu dever era dar os factos e deixar o leitor decidir qual era a verdade. Também inventava detalhes… bem, estava já a escrever ficção. E a verdade é que nunca me importei se algo é factual ou não, desde que ressoe com a verdade da experiência humana. Para mim, algo que é verdadeiro é algo que é válido para todas as culturas, para todas as pessoas, em todas as épocas. Algo que todos nós já tenhamos experienciado. Por isso é que um poema de Li Po ou uma urna grega ainda nos emocionam. Porque eles viajaram através do tempo e dos lugares, além do que é essencial. E todos nós passamos por alguma coisa na vida. E é isso que é a literatura… esses momentos.

É essa a mensagem, se é que há uma, que quer passar com os seus livros? Quer que as pessoas vejam essa humanidade?
Diria que escrevo para descobrir. Nunca sei onde é que a história vai parar, ou o que vai acontecer. Há algumas coisas pelas quais são obcecado, como agora, o mais recente, é o Jiu-Jitsu brasileiro, e coloco isso na minha história, porque é algo que a minha família pratica e eu quero descobrir mais sobre isso. Mas, se souber o que a história vai ser, torna-se aborrecido. Sinto-me mais como um professor a dar uma palestra. Uma das grandes alegrias no mundo é conhecer outros seres humanos. Alguém que é um mistério e que, ao longo do tempo, faz-nos construir uma relação. A confiança ganha-se. As vulnerabilidades começam a aparecer, as pessoas começam a revelar camadas mais profundas e, aí, deparamo-nos com uma sensação de que conhecemos realmente a pessoa. E a razão por que isto acontece é porque não sabemos o que a outra pessoa está a pensar, nunca conseguimos saber o que está na cabeça de outra pessoa. E não é isso que a literatura faz? Dar-nos a perspectiva de outros? Mesmo que seja uma ilusão. Se soubermos tudo sobre o outro, não há nada para descobrir: e é isso que quero transmitir com as minhas personagens.

Fiquei a saber que é obsessivo com a linguagem que utiliza nos livros e que a aperfeiçoa até estar satisfeito…
Não é com a sua? Com o que se pode fazer com as palavras?

Há trabalhos seus que nunca viram a luz do dia porque nunca gostou de como ficaram? Quanto tempo demora a limar essas arestas?
Todos escrevem de forma diferente. A minha mulher [escritora], escreve um pouco daquele capítulo, daquela cena… eu gosto de aperfeiçoar uma frase, se ela é [oca] não gosto dela, tem que ser sólida. E isso é o que traz alegria quando lê o seu escritor favorito: conseguimos sentir quando um autor passou meia hora a aperfeiçoar uma frase, a encontrar a expressão certa para esta incerteza que é a vida. E às vezes lemos uma passagem inteira e sabemos que levou dias a ser escrita. Foi reescrita vinte, cem vezes. Essa é uma das minhas grandes alegrias ao ler: sentir que alguém exprimiu algo perfeitamente. Isso é uma das coisas que quero dar e receber.

Está na China agora, esteve na Coreia do Norte… regimes fechados no que à liberdade de escrita diz respeito. Alguma vez pensou não ter a liberdade de escrever/publicar o que quisesse?

Tomo a liberdade como garantida. Mesmo. Vivo num reino onde todos se expressam completamente à vontade – às vezes demasiado livremente. Tenho um compromisso com a universidade, o que significa que nada do que escrevo me pode custar o meu trabalho [lá] e já levo isso muito a sério. Mas venho aqui e leio nos jornais casos como o dos livreiros [de HK], que arriscaram a sua liberdade para vender livros para que as pessoas possam ter a oportunidade de os ler e eu não sabia disso. É lamentável. É difícil de acreditar que isso ainda exista no mundo.

Ensina Escrita Criativa na Universidade de Stanford e foi considerado “o professor mais influente e imaginativo” da universidade pela revista Playboy. O que pretende ensinar aos seus estudantes, aos novos escritores?
Alguém tinha de ser (risos). Evangelicamente, tendo em mente o poder da ficção sinto o dever de usar esse poder para dar significado às nossas vidas. O que é bom na escrita é que todos podem fazê-lo, todos temos essa capacidade, somos todos ‘experts’ em humanidade, de certa forma, ou pelo menos em nós próprios e não há barreiras na escrita: só precisamos da nossa criatividade, ao contrário de um filme que custa dinheiro. Claro, vai haver muitas coisas mal escritas por aí, mas todos os que entram neste reino conseguem melhorar até a sua história falar com outra pessoa.

“Fortune Smiles” e “George Orwell Was a Friend Of Mine” foram as umas últimas obras, lançadas em 2015. Para quando um trabalho novo? Macau pode servir de influência?
Estou a escrever um grande romance agora, não sei o que vai ser, não sei se vai falhar. É o que dá não sabermos o que estamos a fazer (risos). Seria interessante [pensar que Macau poderia inspirar-me]. O livro que estou a escrever agora veio de uma visita através de um festival literário como este [Rota das Letras] e, quando fui embora, comecei a ficar obcecado por coisas que tinha visto nessa visita e, por isso, nunca se sabe. Acho que vou primeiro ler obras de autores de Macau a falarem sobre este lugar, antes de começar a escrever algo sobre Macau.

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