PERSPECTIVAS |A vida sem violência é um direito humano fundamental

[drocap style=’circle’]A[/dropcap] ONU define a violência contra as mulheres como qualquer acto de violência de género que resulte, ou possa ter como resultado um dano físico, sexual ou psicológico para a mulher, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação arbitrária da liberdade, ocorrida em público ou em privado. A violência familiar refere-se ao comportamento do parceiro ou ex-parceiro íntimo, que causa dano físico, sexual ou psicológico, incluídas a agressão física, coacção sexual, abuso psicológico e os comportamentos de controlo.
A violência sexual é qualquer acto sexual, a tentativa de consumar um acto sexual, ou outro acto dirigido contra a sexualidade de uma pessoa por meio de coacção de outra pessoa, independente da sua relação com a vítima. A violência contra as mulheres é um problema grave de saúde pública, bem como uma violação flagrante dos direitos humanos da mulher. A nível mundial, uma em cada três mulheres, em todo o mundo, foram vítimas de violência física e/ou sexual do seu companheiro, ou violência sexual por pessoas diferentes do seu parceiro íntimo, em algum momento da sua vida.
Ainda que, as mulheres possam ser expostas a muitas outras formas de violência, consta-se que uma elevada percentagem da população feminina mundial, senão na sua maior parte é vítima de violência doméstica. A maioria dos casos é violência infligida pelo seu parceiro íntimo. É de considerar que, em todo o mundo, quase um terço de todas as mulheres que tiveram um relacionamento de casal, referem ter sido vítimas de violência física e/ou sexual por parte do seu companheiro, e em algumas regiões, este valor pode ser muito superior.
A nível mundial, cerca de 40 por cento do número total de homicídios femininos são cometidos pelo seu parceiro íntimo, o que mostra ser um cenário alarmante. As mulheres que têm sido vítimas de abuso físico ou sexual pelos seus parceiros íntimos, correm um maior risco de sofrer uma série de graves problemas de saúde. Assim, por exemplo, têm mais 16 por cento de probabilidades de dar à luz crianças com baixo peso, e mais do dobro de sofrer um aborto, ou quase o dobro de padecer uma depressão e, em algumas regiões, são uma vez e meia mais propensas a contrair o vírus do HIV, por comparação com as mulheres que não tenham sido vítimas de violência doméstica.
A nível mundial, 7 por cento das mulheres foram agredidas sexualmente, por uma pessoa distinta do seu parceiro íntimo. Ainda que, exista menos informação sobre os efeitos da violência sexual não conjugal na saúde, da informação existente depreende-se que as mulheres que sofreram esta forma de violência, são 2,3 vezes mais propícias a desenvolver distúrbios relacionados com o consumo de álcool, e 2,6 vezes mais inclinadas, a sofrer de depressões ou ansiedade. Assim, existe a necessidade de redobrar os esforços em várias áreas, de forma a prevenir esta forma de violência, e oferecer os serviços necessários às mulheres que sofrem.
A mudança assinalada na prevalência da violência dentro das comunidades, países e regiões, ou entre estes, põe em evidência que a violência não é inevitável, e que pode ser prevenida. Existem programas de prevenção promissores, que terão de ser testados e alargados, e há cada vez mais informação sobre os factores que explicam a modificação observada em todo o mundo. Tal informação, mostra a necessidade de abordar os factores económicos e socioculturais, que fomentam uma cultura de violência contra a mulher, incluindo a importância de interrogar as normas sociais que reforçam a autoridade, e a dominação do homem sobre a mulher, e aprovam ou toleram a violência contra as mulheres.
É necessário reduzir o grau de exposição à violência na infância, reformar o direito da família, promover os direitos económicos, sociais e culturais da mulher, e acabar com as desigualdades de género no acesso ao emprego na economia formal e ao ensino secundário. É necessário também, prestar serviços às vítimas de violência. O sector da saúde deve desempenhar um papel mais importante, quando tenha de dar resposta à violência por parceiro íntimo e sexual contra a mulher. As novas directrizes clínicas e normativas sobre a resposta do sector da saúde à violência contra a mulher, revelam a necessidade urgente de integrar estas questões na educação clínica.
É importante que todos os prestadores de cuidados saúde entendam que a exposição à violência e má saúde das mulheres estão intimamente relacionadas, e que podem dar respostas adequadas, sendo um aspecto fundamental, o de encontrar oportunidades para oferecer apoio e encaminhar as mulheres a outros serviços que carecem, como por exemplo, quando as mulheres procuram acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, como o cuidado pré-natal, planeamento familiar, pós-aborto, serviços de rastreio do vírus HIV, saúde mental ou de urgência.
A disponibilidade de serviços complementares de cuidado às vítimas de violações, deve ser assegurado, e o acesso aos mesmos numa escala maior que a existente na maior parte dos países. A violência contra a mulher, especialmente a exercida pelo seu parceiro íntimo e a violência sexual, são um grave problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos das mulheres. É de notar que o baixo nível de instrução, abuso infantil, exposição a cenas de violência na família, uso nocivo do álcool, atitudes de aceitação da violência e as desigualdades de género, são factores associados a um maior risco de serem cometidos actos violentos.
Os factores associados ao aumento da possibilidade de ser uma vítima do parceiro íntimo ou de violência sexual, incluem um baixo nível de educação, a exposição a cenas de violência entre os pais, abuso durante a infância, atitudes de aceitação da violência e desigualdades de género, e em famílias de altos rendimentos, existe informação que permite mostrar que os programas escolares de prevenção da violência por parceiro íntimo, ou violência na fase de namoro entre os jovens podem ser eficazes. As estratégias de prevenção primária nas famílias de baixos rendimentos, parecem ser prometedoras, como sejam, o microfinanciamento conjuntamente, com a formação em igualdade de género e as iniciativas comunitárias direccionadas contra a desigualdade de género, ou inclinadas a melhorar a comunicação e aptidões para as relações interpessoais.
As situações de conflito, pós-conflito e deslocamento podem agravar a violência, como a violência por parte do parceiro íntimo, e originar formas adicionais de violência contra as mulheres. A violência do parceiro íntimo e a violência sexual são cometidas na sua maioria por homens, contra mulheres e crianças do sexo feminino, ainda que o oposto tenha vindo a aumentar.
O abuso sexual infantil afecta crianças do sexo feminino e masculino. Os estudos realizados demonstram que aproximadamente 20 por cento das mulheres e 5 a 10 por cento dos homens, referem ter sido vítimas de violência sexual na infância. A violência entre os jovens, que inclui também a violência doméstica é outro sério problema. As crianças que crescem em famílias, em que existe violência, podem sofrer diversos transtornos de comportamento e emocionais. Estes transtornos, podem associar-se também, à acção ou ao sofrimento de actos de violência, em fases posteriores da sua vida.
A violência doméstica também está associada a maiores taxas de mortalidade e morbilidade em menores de cinco anos. Os custos sociais e económicos deste problema são enormes, e repercutem-se por toda a sociedade. As mulheres podem ficar numa situação de isolamento e impossibilitadas de trabalhar, perder o seu emprego ou salário, deixar de participar nas actividades diárias, e ver diminuídas as suas forças físicas e anímicas para cuidar de si e dos seus filhos. Existem poucas intervenções actualmente, em muitos países, cuja eficácia tenha sido demonstrada por meio de estudos bem delineados e revelados à sociedade.
É necessidade urgente a existência de mais recursos para reforçar a prevenção da violência pelo parceiro íntimo e a violência sexual, sobretudo no campo da prevenção primária, para impedir que se produza o primeiro episódio. Quanto à prevenção primária, existe alguma informação correspondente a países de altos rendimentos, que sugerem que os programas escolares de prevenção da violência nas relações de namoro são eficazes. Todavia, não foi avaliado a sua possível eficácia em meios de recursos escassos. A fim de propiciar mudanças duradouras, é importante que se façam leis e se formulem políticas que protejam a mulher, combatam a discriminação da mulher, fomentem a igualdade de género e ajudem a adoptar normas culturais mais pacíficas.
A resposta adequada do sector da saúde pode ser de grande ajuda para a prevenção da violência contra a mulher. A sensibilização e a formação dos prestadores de serviços de saúde e de assistência social constituem outra estratégia importante. Abordar de forma integral as consequências da violência e as necessidades das vítimas supervenientes requer uma resposta multissectorial. Estas considerações são defendidas com maior veemência no relatório da Organização Mundial de Saúde “Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence” de 2013.
O relatório apresenta a primeira revisão sistemática e resumo de todas as informações científicas sobre o predomínio de duas formas de violência contra as mulheres, nomeadamente a violência pelo parceiro íntimo ou violência doméstica e a violência sexual infligida por outra pessoa, que não seja o parceiro íntimo, e denominada por violência sexual não conjugal. As previsões agregadas a nível mundial e regionais do predomínio destas formas de violência, obtidas a partir de informações demográficas mundiais recolhidas de forma sistemática foram apresentadas no relatório, pela primeira vez.
As conclusões do relatório são impressionantes e devem ser tidas em conta na feitura das leis sobre a matéria. O relatório salienta que a violência contra a mulher é um fenómeno omnipresente em todo o mundo e transmite a forte mensagem que não se trata de um pequeno problema que afecta apenas alguns sectores da sociedade, mas também, de um problema de saúde pública mundial de proporções epidémicas, que requer a adopção de medidas urgentes.
A “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, denominada de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher”, foi adoptada pela ONU, a 18 de Dezembro de 1979, e entrou em vigor 3 de Setembro de 1981, sendo seguida da “Declaração Sobre A Eliminação Da Violência Contra As Mulheres” da ONU, de 20 de Dezembro de 1993.
A “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica” foi adoptada, em Istambul, a 11 de Maio de 2011, e entrou em vigor a 1 de Agosto de 2014. O seu principal objectivo é o de prevenir e averiguar os actos de violência sobre as mulheres em geral, e a violência doméstica, em particular. É de realçar que a “Lei da Violência Doméstica” da China, entrou em vigor, a 1 de Março de 2016.
É necessária uma intervenção a nível mundial, pois uma vida sem violência é um direito humano fundamental inerente a todos os homens, mulheres e crianças.

Jorge Rodrigues Simão

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