IV – Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau – Do teletransporte

(continuação de dia 15 de Agosto)

Mário Duarte Duque, Arquitecto

 

A solução mais extravagante do Plano em consulta, prende-se com a proposta de ligação da península de Macau à Zona A dos Novos Aterros Urbanos por teleférico urbano, i.e. uma espécie de eléctrico onde a cabine não circula sobre carris ao nível do solo, mas suspensa por cabos.

A modalidade remonta aos primórdios dos transportes mecânicos onde se desenvolveram soluções engenhosamente adaptadas às condições locais, nomeadamente geográficas.

No caso dos teleféricos urbanos as soluções tiveram principalmente em vista a ligação de dois pontos altos separados por um vale, onde o tráfego não justificava um fluxo contínuo, ou a construção de uma ponte não era viável.

Mas também serviram zonas baixas junto a rios, cujo atravessamento permanente iria colidir com o tráfego fluvial, que também não justificava um fluxo contínuo, ou a construção de uma ponte móvel também não era viável. Mais fácil foi construir uma grua na forma de um pórtico elevado, através do qual passavam os navios, e ao longo do qual se transportava uma cabine suspensa por cabos que circulava entre margens.

Uma das principais razões por que este transporte não sobreviveu prende-se exactamente pela pouca ou nenhuma capacidade de acomodar aumentos de tráfego que resultam da contínua e inevitável intensificação urbana.

Os teleféricos urbanos que perduram foram complementados por alternativas, a sua persistência deve-se a memórias nostálgicas e, em muitos casos, constituem hoje atracções turísticas. É efectivamente na vertente do lazer ou da atracção turística onde mais se retrata o actual potencial desse meio de transporte.

A esse respeito talvez importe ter presente que o conceito de “animações” teve origem no lazer e no divertimento, primeiro privado, depois público, e remonta ao desenho dos Jardins onde proliferaram “animações”, a que se chamaram “folies”.

A ideia não é obsoleta nem é estranha aos dias de hoje, nomeadamente nos destinos turísticos, e sequer alheia aos equipamentos da RAEM.

Todos os complexos das concessionárias do jogo incluem em pontos dos seus percursos ou em recintos próprios, “animações” com características muito semelhantes às “folies” de um jardim histórico, apenas tendencialmente mais intensas, porque necessitam de competir mais recorrentemente com outras que vão surgindo.

Mas também mais efémeras, pois logo que a novidade se extingue, logo são substituídas por outras que reponham a mesma, ou outra maior capacidade de atrair e animar visitantes.

Não sendo de todo por estas modalidades de operação que se pautam os bens públicos, serviços e equipamentos, o que é certo é que crescentemente os municípios desta região vêm funcionando nesse mesmo registo, para com isso assegurar mais visibilidade.

Atento ao alcance por que se deve pautar uma infra-estrutura pública, só pode ser importante que, uma vez esgotada a sua novidade, a mesma não vire obsoleta, continuando a assegurar o seu propósito infra-estruturante.

O anterior período eufórico de turismo desenfreado que a RAEM experimentou não facilitou a distinção do que efectivamente infra-estruturou o território, e onde efectivamente se suporta funcionalmente, mesmo quando se alteram os fluxos do turismo.

Os habitantes da RAEM passaram a ter disso melhor percepção aquando da abrupta queda recente dos fluxos do turismo, ou seja, a distinção entre o que é permanentemente essencial, o que é sazonal, ou que constitui mera oportunidade, e que logo que a oportunidade se extingue, pouco permanece de utilidade.

Bom exemplo disso foram a maior parte das Exposições Mundiais que se realizaram e de onde nada restou. Bom exemplo do contrário disso foi exactamente a exposição de Lisboa em 1998, onde a cidade ficou equipada, depois de extinta a exposição.

De volta à ideia do teleférico urbano, importa que a mesma seja escrutinada no sentido de uma efectiva infra-estrutura, independentemente de a mesma poder vir constituir uma “folie” que chame a atenção dos visitantes.

Efectivamente, no local em vista para o teleférico não existem pontos altos a ligar entre si.
Todavia, enquanto se mantiver no mesmo local o Terminal Marítimo do Porto Exterior, aí o tráfego fluvial não poderá ser interrompido por outro atravessamento ao mesmo nível. Só por isso, um teleférico afigurar-se-ia pertinente.

Mas também isso não é razão, uma vez que, no mesmo local, para o mesmo trajecto, está prevista a construção de uma nova ligação rodoviária, o que retira ao teleférico sentido de infra-estrutura.

A questão, mesmo parecendo acessória, coloca-se perante o novo paradigma por que o desenvolvimento urbano da RAEM enveredou. O de um arquipélago densificado, onde o estuário se converteu em canais, mas sem que o Plano Director tenha feito disso lema, gerado em torno disso uma estrutura de interpretação, nem por causa disso tenha definido um conjunto de axiomas que servem, definem e suportam essa nova realidade, nomeadamente a respeito de acessibilidades.

Efectivamente o plano em consulta respeita a transportes terrestres da RAEM, onde a referências a transportes fluviais são apenas na vertente inter-regional. Não menciona moldes de navegabilidade para os canais que resultam da nova realidade, sequer para o seu atravessamento, para além do transito geral rodoviário e ferroviário.

Não menciona se isso será objecto de detalhe subsequente, ou de um plano próprio, todavia uma viabilidade para novas carreiras, nomeadamente carreiras que não precisam de extinguir as que já existem, como foi constrangimento já invocado.

(com continuação)

21 Ago 2022