Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTecnologia | Trabalho remoto mantém-se em algumas empresas locais Num mercado laboral dominado pelo jogo, imobiliário e funcionalismo público, que lugar tem o teletrabalho em Macau no período pós-pandemia? O HM tentou apurar até que ponto um regime de trabalho mais flexível se adequa às características da economia local Durante a pandemia, em que os contactos próximos tinham de ser evitados ao máximo, o teletrabalho foi a salvação para muitas empresas e trabalhadores. Se no mundo cada vez mais empresas se vêm obrigadas a incluir o teletrabalho ou regimes híbridos para poderem contratar, no período pós-pandemia, como é o caso em Macau, com um mercado laboral dominado, essencialmente, por actividades que não podem ser exercidas remotamente, como o jogo e o turismo? O HM foi conhecer o caso de algumas empresas do sector privado, de várias áreas, que mantém o teletrabalho mesmo depois do regresso à normalidade. Bruno Simões, director da SmallWorldExperience, empresa ligada à produção de eventos e conferências, adiantou que, durante a pandemia, o teletrabalho foi adoptado “desde o início” e que agora a flexibilidade é a regra. “Actualmente, temos um sistema híbrido, mas não temos um horário fixo. Todos os trabalhadores podem agora trabalhar em casa sempre que necessitem. Tal acontece muitas vezes sempre que há mau tempo, muito trânsito, ou quando estamos a preparar eventos”, acrescentou. Suzanne Watkinson, directora-geral da agência imobiliária Ambiente Properties, também manteve a sua empresa a funcionar em teletrabalho durante a pandemia, “à excepção de algumas semanas quando o Governo decretou o encerramento dos escritórios”. “Até certo ponto, o facto de estarmos no negócio do imobiliário faz com que os nossos dias e horas sejam ajustadas às necessidades dos clientes. Então, quando tudo estava mais parado, focámo-nos nas questões administrativas, como a criação do nosso website e questões dessa natureza. Assim, em termos gerais, continuámos a ir ao escritório algumas vezes”, frisou. Actualmente, a empresa optou por trabalhar com um sistema híbrido. “Alguns membros da Ambiente Properties trabalham num horário flexível, o que significa que o trabalho é feito em casa durante uma parte do dia e, depois, no escritório. Contudo, na nossa empresa continuamos a defender a importância da interacção presencial e as conversações casuais na equipa são a ‘cola’ que precisamos para nos mantermos unidos”, disse. Suzanne Watkinson acredita que continua a ser fundamental ter reuniões presenciais e partilhar conhecimentos e dados sobre o mercado imobiliário de uma forma mais próxima. No caso da empresa de comunicação social Project Asia Corp., que detém o portal Macau News Agency e a revista Macau Business, entre outras publicações, o teletrabalho é também usado de forma flexível. “Durante a pandemia a nossa empresa continuou sempre em actividade e com o escritório aberto, sendo que a equipa trabalhou a partir de casa nos períodos de confinamento. Adoptámos também em determinados períodos – seguindo o que as autoridades indicavam – um sistema rotativo, em que metade da equipa trabalhava no escritório e a outra metade a partir de casa. Durante a maior parte desses três anos, tivemos toda a equipa – os que estão em regime de tempo inteiro – a trabalhar presencialmente no escritório, seguindo normas de higiene e cuidados. Além disso, ao longo desses três anos, os trabalhadores que estivessem com sintomas costumavam trabalhar a partir de casa. Hoje em dia trabalhamos essencialmente em modo presencial, sendo que – tal como já acontecia antes da pandemia – colaboradores em regime de part-time, que executam tarefas que não requerem presença no escritório (cujo trabalho pode ser executado e acompanhado on-line) podem fazê-lo a partir de casa.” Um mercado conservador O debate a nível mundial sobre a permanência do teletrabalho no mercado laboral após a pandemia tem sido constante. Um dos exemplos mais falados foi o de Elon Musk, patrão da Tesla que defendeu, no ano passado, que “o trabalho remoto já não é aceitável”, tendo alertado os seus trabalhadores que “quem quiser trabalhar à distância deve estar no escritório por um mínimo de 40 horas por semana ou sair da Tesla”. “Isto é menos do que pedimos aos trabalhadores da fábrica”, terá acrescentado, segundo a Bloomberg. Suzanne Watkinson recorda que “empresas como a JP Morgan, Amazon, Apple ou Disney, que foram grandes defensores de um regime híbrido e do trabalho a partir de casa nos últimos anos, estão agora a exigir aos seus trabalhadores para regressarem aos escritórios, acreditando que a produtividade aumenta quando a equipa está junta “, adiantou. Importa olhar para as especificidades do mercado laboral local, ainda dominado pelo jogo e pela indústria turística e de serviços, ou seja, trabalhos que não podem ser feitos a partir de casa e com recurso a um computador. “Olhemos para o mercado local: dos 363 mil trabalhadores no sector do jogo, qual é a percentagem dos que ocupam posições nas linhas da frente [com contacto com jogadores, como os croupiers]. Estes trabalhos não podem ser feitos à distância. No imobiliário, e até certo ponto, este cenário já acontece devido ao abrandamento do mercado e a natureza do trabalho. O trabalho no Governo pode ser feito remotamente, a não ser nos serviços que não o permitam. Restam algumas pequenas e médias empresas. Desta forma, não sei se o teletrabalho é, de facto, uma questão em Macau.” Bruno Simões, por sua vez, entende que “Macau é bastante conservador em termos laborais”, onde “o relógio de ponto é ainda a norma e o teletrabalho é uma excepção”. “As reuniões virtuais são mais aceites”, apontou. Para o economista José Sales Marques, “os regimes híbridos são mais aceitáveis, excepto para certas profissões muito específicas”. “Em termos gerais, o mercado de trabalho em Macau oferece empregos na área de serviços, onde existe necessidade de trabalho presencial e contacto intenso com clientes, como quase tudo o que está relacionado com a hotelaria, a restauração, o jogo e o turismo”, acrescentou. O lado bom e mau “Working from Home Around the Globe” é o nome do relatório, lançado em Junho deste ano, sobre o panorama do teletrabalho em todo o mundo, da autoria de Cevat Giray Aksoy, Jose Maria Barrero, Nicholas Bloom, Steven J. Davis, Mathias Dolls e Pablo Zarate. Uma das conclusões do documento prende-se com o facto de os trabalhadores com um trabalho a tempo inteiro terem estado, entre os meses de Abril e Maio deste ano, a trabalhar a partir de casa 0,9 dias por semana, em média. Diz o relatório que “os níveis de trabalho a partir de casa são mais elevados nos países de língua inglesa” e que “os trabalhadores a tempo inteiro trabalharam em média 1,4 dias completos pagos por semana a partir de casa na Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e EUA”. Em comparação, “os níveis médios de trabalho a partir de casa foram de apenas 0,7 dias por semana em sete países asiáticos, 0,8 nos países europeus e 0,9 em quatro países da América Latina e na África do Sul”. Além disso, “67 por cento dos empregados a tempo inteiro trabalham [actualmente] cinco dias por semana nas instalações da empresa”, enquanto 26 por cento têm um regime híbrido. Apenas “oito por cento dos empregados a tempo inteiro trabalham inteiramente a partir de casa”, descreve o relatório. Alvo de muitas desconfianças, o teletrabalho continua a não ser adoptado totalmente em muitos países. Bruno Simões acredita que “um dos aspectos mais positivos da pandemia foi tornar o teletrabalho uma realidade”, pois “até então as reuniões virtuais e o trabalho a partir de casa não eram aceites”. Trabalhar a partir de casa pode ajudar a poupar tempo e dinheiro gastos nas deslocações, mas, para Bruno Simões, há o problema “da falta de formação dos jovens”. “Aprende-se muito mais quando estamos fisicamente no mesmo local”, disse. Para Suzanne Watkinson, os aspectos positivos do teletrabalho prendem-se com a poupança de tempo e dinheiro, enquanto, no que diz respeito aos pontos negativos, exige “um grande nível de confiança entre gestores e empregados para ser um sucesso”, pois “a produtividade pode ser mais baixa se os empregados tirarem vantagens de trabalharem em casa”. Podem ainda ocorrer problemas na comunicação por telefone ou email. “Nada bate a comunicação cara a cara para que as coisas sejam feitas”, frisou. Se Elon Musk acredita que, em casa, os seus funcionários podem tornar-se mais preguiçosos, a verdade é que trabalhar em casa pode significar precisamente o contrário: dias de trabalho mais longos e menos pausas. Um estudo desenvolvido pelo centro de investigação norte-americano National Bureau of Economic Research em plena pandemia, em 2020, concluiu, segundo o jornal Público, que os dias de trabalho estavam, à data, mais longos, segundo informações disponibilizadas por 3,1 mil trabalhadores. Em média, o dia de trabalho passou a ter mais 48,5 minutos logo nas semanas a seguir aos primeiros confinamentos, enquanto o número de reuniões aumentou 13 por cento.
André Namora Ai Portugal VozesA treta do teletrabalho e do ensino à distância Em tempos de confinamento foi instituído o chamado teletrabalho, ou seja, os trabalhadores que normalmente trabalhavam a uma secretária com um computador na frente, passaram a ficar em casa e realizavam as tarefas laborais a partir da sua residência. Sobre este tipo de trabalho existem as mais inúmeras histórias, algumas muito vergonhosas. As empresas começaram a abusar dos seus trabalhadores querendo que efectuassem mais horas das que estavam estipuladas anteriormente quando exerciam a função na sede da companhia ou no escritório de uma sociedade. O confinamento foi terrível, os casais estavam em casa com os filhos e a maioria não conseguia concentrar-se no trabalho para tratar ou distrair os filhos. As reivindicações dos trabalhadores em teletrabalho começaram a suceder-se porque as empresas não pagavam as despesas inerentes a esse trabalho via computador. Não pagavam a electricidade, a internet, as refeições quando em alguns casos os funcionários tinham refeições na empresa. Trabalhar em casa é um desassossego. Para além da atenção que se tem de dispensar constantemente aos filhos menores, tocam à porta o carteiro, a vizinha, o funcionário da EDP, o da EPAL, o do Gás, é um corrupio de interrupções para quem está a trabalhar. As empresas começaram a queixar-se que os trabalhadores interrompiam muitas vezes o trabalho via net. Pudera, como é que se pode estar concentrado e continuamente a laborar se em casa não há descanso? O problema tem feito correr muita tinta e há quem já se tenha sujado, como por exemplo, alguns sindicatos que não mostram competência nem destreza para resolver o problema dos seus associados. Quem tem sofrido mais têm sido ax mulheres, que para além do que ficou referido, ainda têm de sair de casa muito cedo para comprar os mantimentos, voltar para iniciar o teletrabalho, cozinharem o almoço e às vezes o jantar para o marido e filhos e voltar para o computador e desligando o telemóvel, caso contrário, as chamadas não paravam. A pandemia instalou-se, o incentivo à vacinação teve início e quando se perdem horas e horas para se receber uma dose da vacina, como é que é possível estar em teletrabalho? O que tem deixado muita gente trabalhadora preocupada é o facto de muitas empresas pretenderem que o teletrabalho continue ad eternum, o que desagrada imenso a quem trabalha. O problema não tem tido solução e dificilmente as partes chegarão a um acordo. Já não chegava a preocupação de se apanhar a covid-19 – que ainda na semana passada matou algumas dezenas de pessoas – e ainda querem obrigar os trabalhadores a ficar em casa a exercerem a sua função. Não, assim, Portugal não progride em nada. Quase no mesmo sentido temos outro grave problema: o ensino à distância. Como sempre decreta-se em cima do joelho e o mexilhão é que paga. São os jovens estudantes mais pobres que estão a sofrer essa medida de obrigar os alunos a ficar em casa à frente do computador e o professor do outro lado à distância de uma fibra óptica. Não, isto não pode acontecer. Os alunos pobres nem têm computador e muitos pais nem sabem onde ir buscar dinheiro para pagar a internet. Concretizar o programa de investimento para a digitalização das escolas, elaborar um plano estratégico de substituição dos meios digitais, aperfeiçoar o sistema de gestão escolar, foram algumas das recomendações do Tribunal de Contas (TdC) ao Ministério da Educação na auditoria que fez ao ensino à distância, em substituição das actividades educativas e lectivas presenciais. O ensino à distância tem provocado um enorme esforço de alunos e professores, especialmente na implementação dos métodos para se ensinar. A auditoria do TdC acrescentou um pormenor de suma importância, quando salienta que a falta de meios digitais, o obstáculo mais significativo ao ensino à distância, beneficiou da solidariedade da sociedade em geral e da crescente adaptação e sofisticação dos procedimentos de suporte adoptados. Embora essa falta tenha sido mitigada por doações e empréstimos por parte das autarquias locais, associações e entidades privadas, não foi solucionada, substituindo um número não quantificado de alunos sem os meioss apropriados. E quando uma auditoria de uma instituição séria como o TdC afirma que a falta de meios para os alunos é uma realidade, estamos em que país? O Orçamento de Estado não fez previsões para que os alunos mais pobres fossem contemplados com um computador e um subsídio para pagar a internet? Um outro facto que está a perturbar o país é a constatação de que os jovens do ensino superior têm vindo a abandonar a escola e desistem de terminar os cursos superiores, o que tem provocado um aumento de desemprego entre a juventude. Quase 13 mil estudantes que se matricularam no ensino superior em 2018 já não estavam no sistema um ano depois, o que corresponde a mais de 11%. No total, 12.726 entre os cerca de 112 mil alunos que começaram a estudar no 1º ou no 2º ciclo do ensino superior em 2018 já não voltaram à universidade no ano seguinte e isto tem vindo a acontecer anualmente. A primeira consequência é que estes jovens dirigem-se ao departamento de desemprego e a este nível a plataforma mostra que no segundo semestre de 2020 o número de estudantes inscritos como desempregados aumentou de 3,3% para 4,6% no ensino público e de 3,9% para 5,7% no privado. Mais uma vez, temos de desabafar com a expressão que denomina a nossa crónica: Ai, Portugal, Portugal…