Aumento do tecto da dívida americana

A semana passada, a actualidade internacional foi marcada pela discussão do tecto da dívida nacional americana. O Governo prevê que será difícil que o Congresso chegue a um consenso sobre o novo tecto da dívida antes de 1 de Junho, e por isso volta a enfrentar uma crise no que respeita a esta matéria.

O Governo salientou que o Partido Democrata e o Partido Republicano não conseguiram chegar a um acordo atempadamente, que permitisse que o país continuasse a contrair empréstimos. A partir de 1 de Junho, o Governo pode já não vir a ter capacidade de pagar os juros dos empréstimos anteriores o que vai provocar uma reacção em cadeia. As agências de notação de crédito baixarão o valor da dívida nacional americana, o que levará a um aumento dos custos dos empréstimos futuros e afectará mesmo o estatuto do dólar americano como moeda internacional.

Além disso, o Governo fica impossibilitado de pagar os prémios anuais dos seguros de saúde, as pensões, os salários dos funcionários públicos, e assim por diante. A falta de dinheiro para fazer face a várias despesas afecta todos os sectores da sociedade. Para citar a Secretária do Tesouro, Janet Yellen, “o desastre económico e financeiro será da nossa inteira responsabilidade”.

O tecto da dívida nacional é uma questão com uma longa história nos Estados Unidos. Actualmente está fixado nos 31.4 mil biliões de dólares. Em 1917, o Congresso estabeleceu um limite agregado, ou “tecto”, para o montante total de novos títulos que poderiam ser emitidos. Quando o Governo emite títulos, o Congresso não tem de os aprovar a todos. Quando deflagrou a Segunda Guerra Mundial, o Congresso criou o primeiro tecto da dívida nacional da História americana. Antes de 1953, o Congresso não debatia o aumento do tecto da dívida nacional. Em 1953, o Senado discutiu aprofundadamente a questão, o que deu início ao debate bipartidário que então foi instituído. Em 2011, ocorreu um impasse semelhante, o que levou a uma descida da notação de crédito do país. Embora o Congresso tenha chegado a um acordo para aumentar o tecto da dívida nacional, o Governo viu-se forçado a cortar nos gastos domésticos e militares na década seguinte.

Existem algumas discussões na Internet sobre este assunto. Nestas discussões, houve alguém que disse que a situação é semelhante à de um alcoólico que se vê confrontado com um limite da quantidade que pode beber. Quando o limite é atingido, tem direito a pedir que possa ser prorrogado. Se o pedido for aceite, pode continuar a beber sem parar. Assim sendo, que sentido faz a imposição de limites?

Também foi dito que o Governo pode invocar o Artigo 14 da Constituição para abolir o tecto da dívida. O Artigo 14 da Constituição afirma que a validade da dívida pública dos EUA “não deve ser questionada”. Como não pode ser questionada, significa que, por maior que seja, os Estados Unidos continuam a poder endividar-se. Nesse caso, fixar o tecto da dívida nacional não faz sentido, e o Congresso não precisa de o aprovar.

Naturalmente, trata-se apenas de considerar o limite máximo da dívida nacional do ponto de vista jurídico. Partindo do princípio de que o Governo americano ganhasse este processo, o Congresso não iria precisar de aprovar nunca mais o tecto da dívida nacional, mas ainda iria precisar de tomar em linha de conta as respostas dos mercados e outras questões. Não seria definitivamente um método eficaz de governação partir do princípio de que os problemas se resolvem quando se ganha um processo judicial.

Os Democratas e os Republicanos devem entender que se não chegarem a um acordo provocam um impacto tremendo nos EUA e nos mercados internacionais. Como disse Janet Yellen, serão certamente os Estados Unidos a sofrer as consequências mais graves. Por conseguinte, a probabilidade deste acordo não ser alcançado é muito baixa. Quando o acordo sobre o novo tecto da dívida for atingido, os Estados Unidos vão continuar a poder contrair dívidas e a aumentar o seu endividamento, o que nos traz de novo à ideia aquela analogia dos alcoólicos e do limite de álcool que podem ingerir. Esta política não gera segurança a longo prazo. Se os EUA não conseguirem aumentar as receitas e simultaneamente reduzir as despesas, vão deparar-se com o problema do tecto da dívida vezes sem conta. Quando os Estados Unidos chegarem à conclusão de que não podem pagar o enorme montante da sua dívida nacional, o mundo inteiro vai assistir a uma nova crise.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
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15 Mai 2023