Filmes do IFFAM integram iniciativa “WeAreOne – A Global Film Festival”

Até ao dia 7 de Junho acontece no YouTube o festival “WeAreOne – A Global Film Festival”, com um cartaz composto por 100 filmes escolhidos por directores de festivais de cinema de todo o mundo. Macau participa com seis películas escolhidas por Mike Goodridge, director do Festival Internacional de Cinema de Macau, tal como “Sisterhood”, de Tracy Choi, “Lonely Encounter”, “Dirty Laundry”, “Wrath of Silence” e “A City Called Macao”

 

[dropcap]A[/dropcap] pandemia da covid-19 obrigou a novas formas de produzir e assistir a entretenimento e a sétima arte não foi excepção. Com produção e organização da Tribeca Productions e do YouTube, arrancou na sexta-feira o festival de cinema online “WeAreOne – A Global Film Festival”, que conta com seis filmes escolhidos pelo director do Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), Mike Goodridge. O festival dura até domingo, 7 de Junho.

O premiado “Sisterhood”, da realizadora de Macau Tracy Choi, é uma das produções escolhidas, sendo exibido a 2 de Junho às 20h, hora de Macau. Em 2016, na primeira edição do IFFAM, este filme venceu o prémio do público. “Lonely Encounter”, uma produção conjunta de Macau e Hong Kong, da autoria de Jenny Wan, será exibido dia 3 de Junho às 19h30. Este filme venceu o prémio de melhor curta-metragem da Competição de Curtas do IFFAM o ano passado.

“Dirty Laundry”, curta-metragem de Maxim Bessmertny, é outro dos títulos escolhidos para ser exibido no “WeAreOne” a 4 de Junho às 19h. Esta curta fez parte da série “Years of Macao”, apresentada na secção de Apresentações Especiais para o 20.° Aniversário da RAEM do IFFAM de 2019.

“Wrath of Silence”, filme de suspense negro do realizador Xin Yukun, será exibido a 4 de Junho às 19h30. Filmado no norte da China, o filme venceu o prémio do júri e de melhor actor na secção de competição do IFFAM de 2017.

Segue-se “A City Called Macau”, uma produção da China da autoria da “grande realizadora da quinta geração do cinema chinês”, Li Shaohong. Esta película integrou a secção de apresentações especiais do IFFAM de 2019 e será exibida no YouTube a 6 de Junho, 19h.

Cinema global

Citado por um comunicado oficial, Mike Goodridge, director artístico do IFFAM, disse que toda a equipa está satisfeita por “fazer parte deste incrível evento global que mostra bom cinema de todo mundo”.

“A nossa selecção inclui alguns dos nossos filmes favoritos da região dos primeiros quatro anos do nosso festival e estamos encantados por mostrar diferentes facetas de Macau em quatro das nossas produções. Tiro o chapéu ao Tribeca e ao YouTube por juntarem este grupo de festivais neste ano de grandes desafios e lembrarem-nos por que é que o cinema de todo o mundo interessa”, adiantou Mike Goodridge.

O “WeAreOne” conta com programação escolhida pelos responsáveis de 21 festivais de cinema de todo o mundo, num total de 100 longas e curtas-metragens, documentários, desenhos animados, a par com conversas com grandes nomes da indústria cinematográfica, entre outros, exibidos em YouTube.com/WeAreOne. Este festival tem como objectivo “juntar artistas, criadores e curadores em torno de um evento internacional para celebrar arte requintada e contar histórias”.

Além disso, “o evento pretende trazer não só consolo e entretenimento ao público numa altura em que este mais precisa, mas também oportunidades para poderem contribuir com donativos para a Organização Mundial de Saúde, a UNICEF, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Save the Children, Médicos Sem Fronteiras, Leket Israel, GO Foundation e Give2Asia, entre outras”.

2 Jun 2020

Sisterhood, de Tracy Choi, aplaudido no Indie Lisboa

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o catálogo do Festival o filme é apresentado desta forma : “Duas massagistas (Seiya e Kay), na Macau dos anos 1990, tornam-se melhores amigas e criam juntas o bebé de Kay, como uma família. Até que, no dia da entrega do território à China, as duas discutem violentamente e nunca mais se falam. Anos mais tarde, Seiya regressa a Macau, mas apenas encontra o filho da amiga, já adulto, e uma cidade completamente diferente: os casinos e as luzes de néon transformaram a pacata localidade na Las Vegas do Oriente. Sisterhood, da macaense Tracy Choi, é um filme que olha com saudade aquilo que Macau foi e já não é.”

O filme é isso, mas bastante mais.  O filme de 2017, realizado e montado por Tracy Choi com argumento Kin Yee Au, que resulta do primeiro concurso do programa de apoio às longas metragens do Instituto Cultural em 2013, é uma obra cinematográfica fluida, aberta, onde pulsa  a vida contemporânea.

O filme transporta-nos à centralidade do amor na vida das protagonistas,  dá a ver uma cartografia  da construção dos afectos e como, a vida banal dos quotidianos vividos, tem sempre qualquer coisa de heróico, de grandioso, quando o amor acontece.

Fala de outras possibilidades de famílias contemporâneas quando duas jovens mulheres decidem juntas, serem ambas mãe, de um filho que vai nascer da gravidez de uma delas que aconteceu em resultado de um modo de vida, a forma encontrada para pagar as contas, e não de desejo e afecto partilhado. É uma ousadia radical, uma manifestação de amor sem condicionamentos, sejam estes de género, sociais, ou económicos. Ambas sabem, na cidade do jogo e das massagens, as dificuldades da decisão, mas não as temem. Sabem que o corpo grávido se transforma e se afasta dos padrões do das profissionais da massagem, e facilmente uma barriga que cresce é uma condenação a ficar sem o local de trabalho.

E conhecem também o olhar estigmatizado do instituído. Uma coisa são duas jovens mulheres que partilham um apartamento, outra uma família monoparental de duas jovens mulheres e um bebé partilhado. A sabedoria do filme, resulta de, numa história vivida na contingência do quotidiano, a alegria e a espontaneidade dos afectos irromperam exactamente como na vida, sem aviso prévio. Resulta dos pequenos gestos visíveis, como quando um carro de bebé é empurrado pelas protagonistas em que as mãos felizes na partilha da acção se sobrepõem como num abraço, e tem de afastar-se por defesa, na ocultação da visibilidade da expressão afectiva em resultado da fobia social perante o não igual.

O tempo é outro elemento de trabalho na narrativa,  o tempo que muda a cidade, o tempo que muda as protagonistas. Metáfora e símbolo, é o momento da transição da soberania a 20 de Dezembro 1999, o momento de rotura na relação afectiva entre as duas mães do mesmo filho.

Uma fica, outra parte. Mas, para a protagonista, a dor da separação, apesar da saída do território ser sobre a protecção serena e dedicada de um homem rendido e amante, pode ser atenuada, mas não varrida da memória do corpo. O regresso ao território é uma inevitabilidade. O regresso à cidade de pertença onde a memória e também a materialidade do que a define e identifica permanece, bem como um filho, nascido do corpo de outra mulher, agora ele, em crise de adolescência.  Só o regresso a Macau permite o ponto final da dor da rotura pela separação. A cidade mudou, mas é nela que pode ser feliz.

Ficção, 2016, 97, DCP

Argumento: Kin Yee Au

Fotografia: Cheong Sin Mei

Música: Ellison Lau

Som: Nip Kei Wing

Montagem: Tracy Choi

Com: Gigi Leung, Fish Liew, Jennifer Yu

Produtor: Wai But Tang, Yuin Shan Ding, Jacqueline Liu

Produção: One Cool Film ProductIon

Países: República Popular da China/ Macao, Hong Kong

11 Mai 2017