Andreia Sofia Silva Eventos“Strata Cabinet”, de Rui Rasquinho, inaugurada na galeria Passevite em Lisboa [dropcap]F[/dropcap]oi inaugurada este sábado, na galeria Passevite, em Lisboa, a exposição “Strata Cabinet”, do artista plástico Rui Rasquinho, radicado em Macau. Os desenhos expostos, todos feitos em blocos de notas que se dispõem sobre a galeria, são o resultado de uma prática “diária e insistente” a que o próprio artista se obriga. “Ando sempre com um bloco de notas atrás, mas em geral isto é feito em casa, e é uma prática diária, de estar sempre a desenhar. Os desenhos hesitam entre a abstração e a figuração, há sempre ali uma tentativa de encontrar um meio termo mas sem um objectivo, o que interessa é a experiência dessa tentativa.” Para Rui Rasquinho, o que está desenhado nos blocos não tem propriamente uma finalidade enquanto objecto artístico, mas revela um exercício de fuga ao quotidiano. “Já se transformou num hábito (desenhar diariamente) e faz parte. Também é uma espécie de fuga em relação a outros trabalhos mais contextualizados que tenho. Aqui há uma liberdade total e é um processo. São esboços que não têm função nenhuma.” “A ideia é não intelectualizar muito, no sentido em que não estou a fazer estudos para um desenho final. Mas é esse processo de experimentação que interessa. Não pensar muito sobre a coisa e deixar, através do tempo, da insistência e de uma certa obsessão, deixar que o desenho tome o seu próprio caminho. Claro que há algum controlo”, acrescentou o artista plástico. Fora do tradicional A forte presença do bloco de notas na exposição é também representativa dessa liberdade de criar sem regras. “O bloco de notas é um veículo. Tem a ver com o formato, em vez de teres uma obra cristalizada tens um bloco de estudos em que todos os desenhos são equiparáveis e tens uma coisa serial.” Depois de ter participado em algumas mostras em Macau, Rui Rasquinho expõe em Lisboa, algo que não acontecia há algum tempo. Em relação à galeria Passevite, o também ilustrador destaca o facto de ser um projecto também ele livre no que diz respeito às mostras que organiza. “Não é uma galeria tradicional, é outro tipo de projecto, menos académico. Expõem tudo, de ilustração à fotografia. É um projecto mais aberto. São um grupo de amigos que fazem isto por puro gosto, porque não ganham muito dinheiro com isto.” Rui Rasquinho vive e trabalha entre Lisboa e Macau. Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e Cinema de Animação na Fundação Calouste Gulbenkian. Publica regularmente ilustração em livros, revistas e jornais, desenvolve e expõe também trabalhos em desenho, pintura e vídeo.
Sofia Margarida Mota EventosRui Rasquinho, artista plástico: “Não quero limitar esta exposição a uma teoria” “Tentative Notebook” é a exposição de Rui Rasquinho que será inaugurada no próximo sábado na Art for All Society (AFA). Trata-se de um conjunto de trabalhos realizados durante o último ano, em livros de esboços, e que explora o próprio processo de desenhar De que trata “Tentative Notebook”? Esta exposição é uma espécie de representação do processo de desenhar. Comecei por desenhar em cadernos de esboços, os chamados “sketchbook”, uma prática sem objectivo e de alguma forma obsessiva. Pensava mais no processo que envolvia o que estava a fazer e não pensava em objectivos. Esta é a origem da exposição. A ideia geral é esta: em vez de estar a fazer estudos para produzir uma obra final, uma conclusão, este trabalho fala do caminho, do processo que pode levar a um resultado. Aliás, não há sequer obra final, nem nunca haverá. Cheguei à conclusão de que seria mais interessante expor esta perspectiva. Comecei com desenhos nos livros de esboços e depois passei a utilizar os cadernos desdobráveis. Uma outra coisa interessante quando se desenha todos os dias compulsivamente é o facto de não existir um objectivo final. O que existe é provocar o destino. Uma das condições para o fazer, apesar de difícil concretização, é a não racionalização e deixar que as coisas aconteçam. Passado um tempo, o desenho começa a ter uma vida quase própria. A mão, de uma forma quase inconsciente, começa a ir para sítios a que não estou a prestar atenção. Esse acidente e esse acto de provocar a prática dá resultados. Depois de meses de desenho compulsivo, de repente pego numa folha de papel e as coisas saem de uma forma inacreditável. O hábito faz o monge. Surpreendo-me. Mas não é uma coisa pensada. É o saber e descobrir onde é que esta obsessão vai e fazer as coisas de uma forma intuitiva. Limpar as coisas e, depois, a prática transforma-se em destreza. É daquelas coisas que se deixar de fazer também desaparece. A exposição vai integrar vários livros de esboços, os desdobráveis e desenhos em vários tipos de folhas. No entanto, em vez de ter as coisas geometricamente ordenadas nas paredes para facilitar a leitura do público, trata-se mais de uma representação do estúdio onde tudo acontece. Não se trata de uma representação literal, não estou colocar o meu estúdio ali, é uma alegoriazinha, uma encenação da coisa. Vai também incluir vários objectos. Trata-se de uma instalação? Sim, mas queria evitar essa palavra. No entanto, e infelizmente, a nomenclatura é essa. Mas não se trata de uma instalação, é uma exposição de desenhos. A instalação acaba por acontecer por acaso. A ideia-chave é que esta exposição seja uma encenação não literal do processo de estúdio e de ensaio. A prática inicial para este trabalho começou no ano passado, numa altura em que comecei a desenhar compulsivamente. Outro aspecto importante é a existência de uma certa compulsão na prática do desenho, um resultado que deriva um pouco da escrita automática e tem um ponto de catarse que também não queria que fosse muito empolgado. A exposição também integra um vídeo. É só uma peça, mas tem duas imagens que têm que ver com o próprio tema, a paisagem. São imagens abstractas que evocam paisagens. Por outro lado, neste trabalho há sempre uma hesitação entre a figuração e o abstracto. É uma acção propositada porque o abstracto em si é ininteligível e o que interessa no processo é perceber o que lhe está nos interstícios. É como se imaginássemos uma ideia em que se quer atingir a abstracção em que se sabe que isso também é impossível. Por isso, continuamos a fazer tentativas. O vídeo incorpora também essa ideia em imagens. No que respeita a suportes, utilizo o papel e o vídeo. Carvão, tinta e grafite são os materiais. Existe ainda outra palavra de que não gosto, que é a interacção, mas que também existe na “Tentative Notebook”. As pessoas vão ter, de alguma forma, de explorar e navegar naquele espaço. Estamos a falar de um trabalho acerca da paisagem. O tema em si é muito abstracto e está ligado à ideia de paisagem. Apesar de usar alguns materiais chineses, não é uma “cena” chinesa de maneira alguma. Este tema da paisagem, obviamente, não se refere só à paisagem física, é uma temática que tenho vindo a desenvolver. Na última exposição o tema era idêntico e dirigido as paisagens físicas e não físicas. Desenvolver um trabalho acerca deste tema foi uma grande surpresa, mesmo para mim. Quanto estudava na universidade a paisagem era considerada a coisa mais afastada, menos interessante. Na altura tínhamos coisas que achávamos muito mais interessantes como a arte conceptual, por exemplo. A paisagem aparecia muito como uma coisa do séc. XVIII e os pintores de séc. XX que a faziam eram considerados os pintores de domingo. Mas é um tema muito interessante e que abrange muitos aspectos. Há também várias tradições. Há uma tradição mais ocidental que é a realista, ou pelo menos que tenta imitar a natureza, e há a oriental que é mais interior em que é pintado um estado de espírito, mais do que propriamente a paisagem em si. Pintam a paisagem com o filtro do espírito. Como é que apareceu o interesse pela temática? Nunca pensei nisso. Foi acontecendo de forma gradual, talvez, e pode ter tido que ver com a busca da abstracção. Não é busca da abstracção, mas sim do resultado que a busca da abstracção pode trazer. Explicar este tipo de coisas, penso, é desnecessário. Não gosto de as explicar. Há dois tipos de linguagem. O meu trabalho é num deles e depois não faz sentido explicar numa outra. Há uma certa qualidade misteriosa que as coisas têm de conter, sobretudo nestas práticas, e que não podem ser completamente explicadas. O que falo e que tem que ver com os meus desenhos em geral é a busca e o importante é o espaço de leitura das pessoas. As pessoas vêm o que querem consoante as suas referências e essa liberdade para mim é fundamental. Tem de existir um espaço de interpretação e de mistério. É esse espaço de incompreensão que, às vezes, partilho e que, às vezes, não quero dissecar. Não quero limitar esta exposição a uma teoria. Tenho desenvolvido este tema nas minhas duas últimas exposições. É um trabalho entre o figurativo e o abstracto. É uma espécie de investigação que vai acontecendo. Já utilizei vídeo, fotografia e desenho. São investigações à volta da paisagem e acho que vou continuar por aqui. É um tema que precisa de, pelo menos, mais uma investida, porque não está ainda totalmente resolvido. Precisa de ser apurado. Tem um trajecto marcado entre a produção de trabalhos diferentes que vão desde projectos pessoais a ilustrações. Onde se sente melhor? É como se fosse bipolar. São duas coisas diferentes. Obviamente que não são estanques. Numa delas tenho um pré-texto que é um texto que serve de base ao meu trabalho e que considero ser também interessante. Nos meus projectos pessoais não tenho nada. Sou eu que invento tudo. São também duas linguagens diferentes. Numa delas tenho de ter em atenção o outro porque são ilustrações editoriais. Nos meus projectos tenho liberdade total. Gosto e preciso de ambas as áreas.