Paulo José Miranda h | Artes, Letras e IdeiasA beleza do Rio [dropcap]R[/dropcap]ogério tinha 55 anos e era aposentado da companhia área Varig. Sem muitos luxos, mas vivia no bairro do Leblon a duas quadras da praia. Além de um bom papo acerca de samba e bossa nova, Rogério gostava da cidade do Rio e do time Fluminense, com a mesma paixão. Uma noite, um estrangeiro foi descuidado em dizer durante um jantar “Rogério, o Rio é lindo, mas para mim há outras cidades mais bonitas”. No dia seguinte, às 9 da manhã, Rogério estava à porta do hotel do cara, para fazer um tour privado pelo Rio, durante o dia todo. Não aceitava que alguém pudesse pensar que existisse outra cidade mais bela do que a da sua paixão. O passeio começou pela Vista Chinesa, na floresta da Tijuca, de onde se avista, do cimo, grande parte da cidade: o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Baía de Guanabara, as praias de Ipanema e do Leblon, a Lagoa e Niterói. É realmente uma vista de tirar o fôlego. O estrangeiro agradeceu a Rogério e reiterou a sua posição: “A cidade é muito bonita, mas gosto mais de outras cidades”. Pra Rogério aquilo era o fim. Pegou no cara e desceram até à Lagoa, até ao Leblon, Ipanema, Copacabana. Almoçaram no bar Veloso, onde Vinicius de Moraes escreveu “Garota de Ipanema” para João Gilberto tornar imortal com voz e violão, depois de verem passar a jovem Heloísa a caminho da praia. Rogério não desistia de tentar convencer o estrangeiro acerca da beleza ímpar do Rio e além de mostrar vários lugares emblemáticos e históricos da cidade, acabava-se em histórias sobre a cidade e suas personagens. O seu time acabava de ser campeão carioca, há poucos dias, derrotando na final o Volta Redonda, e ele comportava-se e conversava com os garçons e com os frequentadores do bar como se tivesse sido campeão da Copa dos Libertadores. Mas para Rogério era mais importante ser vencedor carioca do que de qualquer outra copa. E explicava: “Cara, aonde é que tu vai encontrar aqui no Rio um argentino ou um colombiano para tirar sarro dele, depois da vitória? Agora flamenguista, vascaíno, botafoguense é o que não falta!” E quando passava algum torcedor desses times, que ele conhecia, lá tirava ele sarro. Depois do almoço atravessaram o túnel Zuzu Angel em direcção a São Conrado. No final do túnel, junto à entrada da Rocinha, dois bandidos com pistolas mandam-nos parar e sair do carro. Com algumas coronhadas e gritos, exigiram que entrassem no porta-malas. Rogério tremia e disse que não entrava, que lhe dessem um tiro, mas que não entrava, tinha a certeza de que se o fizesse acabaria por morrer com falta de ar. Um dos bandidos não hesitou e disparou à queima-roupa no peito de Rogério. O estrangeiro, mais atónito do que com medo, como se estivesse a assistir ao que estava a acontecer e não a participar dos acontecimentos, entrou no porta-malas do carro. Fechado no escuro e na improbabilidade dos acontecimentos, pois de onde vinha isto só podia ser um filme, ouvia Rogério dizer que o Rio era a cidade mais bela do mundo. Pouco depois, escutava tiros, que deviam estar a ser trocados entre os bandidos e a polícia militar. O carro balançava mais que uma pequena embarcação em alto mar e não demorou a capotar. O estrangeiro acabou por desmaiar e só acordou num hospital, com poucos ferimentos, mas em estado de choque. Fizeram-lhe várias perguntas a que não conseguiu responder, não se lembrava do que tinha acontecido, nem como foi ali parar. Perguntou pelo seu amigo brasileiro, que lhe estava a mostrar a beleza da cidade do Rio.
Paulo José Miranda h | Artes, Letras e IdeiasTroco um sonho pela realidade [dropcap]C[/dropcap]onheci Renato no Rio, no quintal de um amigo comum, numa roda de samba. Renato tinha 23 anos, cursava engenharia informática e estava disposto a dar um ano da sua vida pela oportunidade de fazer parte da bateria da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, a famosa verde e rosa. “Engenharia é realidade, meu sonho é o samba!” E tocar tamborim na Mangueira, um Carnaval que fosse, fazia parte desse sonho. Trancou a matrícula na faculdade. Disse aos pais que carioca não nasceu pra paulista. E a mim, nessa noite, disse-me que “foi assim que Jamelão começou, a tocar tamborim na Mangueira”. Nessa altura, eu ainda não conhecia esse famoso sambista. Nascido e criado no Rio, Renato sabia tudo de samba. Sabia, tocava e cantava. Não havia explicação que me desse que não fosse musical. Eu falava de uma canção e ele imediatamente cantava. Se estivesse sem instrumento, era uma colher e um copo, ou uma caixa de fósforo, que serviam para acompanhar a sua voz. Para ele, o samba não era música, era religião, sentido de vida. “Pode-se viver sem quase tudo, mas não se pode viver sem samba.” O samba de que me falava e cantava era o samba-canção. Gostava de Carnaval por causa da bateria, mas a paixão era aquele samba fora da estação: o Jamelão, o Cartola, o Nelson Cavaquinho, o Noel Rosa. “Se gosta de Chico, tem de ouvir Noel Rosa, cara! Muito do Chico vem do Noel.” De imediato pediu o violão e tocou “Conversa de Botequim”. Foi ali, naquele quintal, que ouvi pela primeira vez Noel Rosa. E, claro, sorri, não só pela beleza da música, da interpretação, mas porque me lembrei de imediato da música do Chico “Meu Caro amigo”. Uma noite, num botequim em Botafogo, fomos ver um grupo de moças a tocarem chorinho. A namorada do Renato, a Flávia, tocava flauta transversal. A meio do show, chamaram Renato para se juntar a elas. Tal como nos comentários à volta, o cara arrasou no cavaquinho. Tocou um brasileirinho pra nenhum Waldir Azevedo botar defeito. Não sabia que o chorinho era outra das suas paixões. Acabara de chegar no Rio e ainda julgava que samba e chorinho podiam ser parentes afastados. Saímos dali e fomos para a Praia Vermelha, junto ao Círculo Militar, para uma das rodas de samba mais famosas do Rio. Renato puxou-me pra junto dele, apontou para o negão que comandava a roda, e disse-me “aquele ali, com mais anos do que se podem contar, vive na Rocinha e tocou com Cartola”. Não tardou para Renato ser convidado a juntar-se a eles, no meio de todos aqueles veteranos do samba. Durante a noite iam chegando músicos, tocando junto e todo mundo dançando. A mulher do negão que tocou com Cartola, comandava uma venda de cachaça, caipirinhas, cerveja e pastéis. O mundo se acabava naquela praia, entre samba, bebida e o corpo a corpo. Saí mais algumas noites com eles, pela Lapa, Botafogo, Praia Vermelha. As noites eram música, cachaça e cerveja. Aprendi mais sobre samba nessas noites do que no resto da minha vida. Meses depois deixei o Rio. Os anos passaram por mim e as cidades também. Poucos meses antes de voltar para Portugal, em Curitiba, encontrei Flávia num show de chorinho. Fui falar com ela, animado, emocionado. Não se lembrava de mim, até que falei no Renato. Aí, sim, lembrou-se das nossas noites no Rio. Perguntei por ele, pelo Renato. Disse-me que acabaram a relação logo depois. “O Renato? Soube que foi para os States trabalhar numa multi-nacional.” Eu sorri triste e escapou-se-me da boca a expressão da derrota máxima “tornou-se paulista”.
Hoje Macau EventosGoverno brasileiro cria medidas para gestão dos museus O Governo Federal brasileiro publicou hoje duas medidas provisórias para promover uma alteração no modelo de gestão dos museus e estabelecer uma parceria com a iniciativa privada para captação de recursos. O anúncio surge cerca de uma semana depois de um incêndio ter destruído grande parte do acervo do maior museu de História Natural e Antropologia da América Latina, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, fundado por D. João VI de Portugal, e que era o mais antigo e um dos mais importantes museus do Brasil. O Governo brasileiro pretende criar a ABRAM – Agência Brasileira de Museus, instituição sem fins lucrativos para gerir instituições museológicas e os seus acervos, e que vai ter sob a sua alçada a reconstrução daquele museu, devendo, para isso, constituir um fundo patrimonial para arrecadar receitas. Contudo, o Museu Nacional continua a ser parte da estrutura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo uma nota de imprensa, a ABRAM será constituída sob a forma de serviço social autónomo, integrando entidades que não estão vinculados à administração pública, mas que são colaboradoras do Estado. Entre as competências desta agência, está o desenvolvimento e execução de programas e ações que viabilizem a preservação, a promoção e a sustentabilidade do património museológico brasileiro, aumentando a sua capacidade de captação de recursos públicos e privados, através de parcerias com entidades nacionais e internacionais. Acresce a execução de ações de segurança e proteção de acervos, com medidas para conservação, reforma e reconstrução de instalações existentes. Sob a alçada da administração da ABRAM estão já instituições como o Museu da Abolição, o Museu Imperial, o Museu da Inconfidência e o Museu Nacional de Belas Artes. Quanto a recursos financeiros, esta agência conta, além de recursos públicos, com receitas decorrentes de parcerias com entidades nacionais e internacionais, doações, legados e rendas decorrentes da prestação de serviços. A segunda medida provisória publicada estabelece um marco regulatório para a captação de recursos privados, para apoiar instituições ligadas à educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente, assistência social e desporto, diz a nota. O Museu Nacional do Rio de Janeiro foi destruído pelas chamas na noite de 02 de setembro. O edifício tinha sido residência da família real portuguesa e da família imperial brasileira. Entre as peças do acervo estavam a coleção egípcia, que começou a ser adquirida pelo imperador Pedro I, e o mais antigo fóssil humano encontrado no país, batizado de “Luzia”, com cerca de 11.000 anos.
Hoje Macau China / ÁsiaAccionista da TAP adquire 51% do operador do Aeroporto do Rio de Janeiro [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] grupo chinês HNA, accionista da TAP através do consórcio Atlantic Gateway e da companhia brasileira Azul, adquiriu a maioria do operador do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, informou ontem o portal de informação económica Caixin. O negócio, avaliado em 108 milhões de yuans foi realizado entre a Hainan HNA Infrastructure Investment Group, subsidiária do conglomerado chinês, e o grupo brasileiro de engenharia Odebrecht. A HNA passa assim a deter 51% dos direitos de controlo do aeroporto, enquanto que a restante participação é detida pelo grupo de Singapura Changi Airport. O grupo chinês compromete-se também a investir 2.160 milhões de yuans, para pagar os direitos de licença da infra-estrutura. Ambas as operações necessitam da aprovação de organismos sectoriais e das autoridades anti-monopólio da China e do Brasil. Nos últimos três anos, o grupo HNA investiu mais de 40.000 milhões de dólares em aquisições e investimentos além-fronteiras, convertendo-se num dos maiores investidores internacionais da China. O grupo tem ainda importantes participações em firmas como Hilton Hotels, Swissport ou Deutsche Bank. A empresa detém indirectamente cerca de 20% do capital da TAP, através de uma participação de 13% na Azul (companhia do brasileiro David Neelman que integra a Atlantic Gateway) e uma participação de 7% na Atlantic Gateway. Uma das suas subsidiárias, a Capital Airlines, inaugura este mês o primeiro voo direito entre a China e Portugal. O aeroporto internacional do Rio de Janeiro é o segundo mais movimentado do Brasil, com 17 milhões de passageiros no ano passado.