Blinken classifica China como “maior desafio geopolítico” dos EUA no século XXI

O novo chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, classificou a China como “o maior desafio geopolítico do século XXI” para os Estados Unidos e para os seus aliados.

“Vários países representam desafios significativos para nós, incluindo Rússia, Irão ou Coreia do Norte”, disse Blinken, no seu primeiro grande discurso sobre política externa desde que chegou ao Departamento de Estado, há um mês.

“O desafio da China é diferente. A China é o único país com poder económico, diplomático, militar e tecnológico que pode minar seriamente um sistema internacional estável e aberto. Pode minar todas as regras, valores e relações”, acrescentou Blinken.

O secretário de Estado norte-americano prometeu que as relações com Pequim seriam um misto de “competição, quando for saudável”, “colaboração, quando for possível” e “antagonismo, quando for necessário”.

O confronto entre as duas principais potências económicas mundiais subiu de tom sob a Presidência de Donald Trump.

Inicialmente delimitado a uma guerra comercial, o conflito entre os dois países tornou-se um braço de ferro em todas as frentes: dos direitos humanos à competição tecnológica, passando pela responsabilização mútua na disseminação da pandemia de covid-19, até ao expansionismo militar no mar do Sul da China.

Sob a liderança do ex-secretário de Estado Mike Pompeo, as relações atingiram o seu ponto mais baixo desde seu estabelecimento oficial na década de 1970, culminando numa crise sem precedentes, semelhante a uma nova Guerra Fria.

Antony Blinken prometeu agora “dialogar com a China numa posição de força”, acusando o Governo de Trump de nunca ter sido capaz de se afirmar frente a Pequim, apesar das ameaças que fazia.

“A verdadeira força não é ostentação e golpes no queixo. Não se baseia apenas no poderio militar”, disse Antony Blinken, numa referência à diplomacia trumpista. “A força real é liderar com os nossos valores (…) mas também trabalhar com os nossos aliados e parceiros sem denegri-los. Porque nosso peso combinado torna muito mais difícil para a China”, concluiu Blinken.

4 Mar 2021

Joshua Eisenman, analista: EUA sem estratégia para África além da rivalidade com a China

Entrevista de João Pimenta, da agência Lusa

 

O analista político Joshua Eisenman considera que a nova administração dos Estados Unidos vai continuar a secundarizar África na política externa norte-americana e a reduzir o continente a uma componente da crescente rivalidade com a China.

“Não existe uma política para África bem elaborada e independente, mas antes uma abordagem que é uma extensão da nossa política para a China”, disse o professor associado na Faculdade de Assuntos Globais Keough, na Universidade de Notre Dame, situada no estado norte-americano de Indiana. Em entrevista à agência Lusa, Eisenman previu que África vai continuar a ser “secundária” na diplomacia norte-americana, e isto numa altura em que a política externa não é uma prioridade para Washington.

“Neste período incrivelmente difícil em que estamos a lidar com [a pandemia do novo] coronavírus, interferências nas nossas eleições, a grande campanha de desinformação de Donald Trump e uma China cada vez mais agressiva, existirá alguma vontade de priorizar África na política externa dos EUA”, questiona.

Já a China põe “muito ênfase” na relação política com o continente africano, lembra Eisenman. Há mais de duas décadas que o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês começa sempre o ano com uma viagem ao continente africano. Os líderes chineses recebem também regularmente os homólogos africanos em Pequim. “Quando foi a última vez que os EUA enviaram funcionários de alto nível a África por dois anos consecutivos, quanto mais durante 20 anos”, aponta Joshua Eisenman.

O analista acrescenta que Pequim prioriza a “construção de relacionamentos”. “A prioridade é construir relacionamentos que possam ser usados para servir os interesses do Partido [Comunista Chinês]. A China está a construir um reservatório de simpatia em África”, diz.

O crescente desequilíbrio na balança comercial entre o país asiático e o continente africano poderá gerar, no entanto, desafios políticos para Pequim.

A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial de África, mas vários países africanos registam um crescente défice com o país asiático, que tende a acentuar-se, à medida que este procura novos fornecedores de petróleo ou minérios. Em 2008, a China importava quase um terço do petróleo de três países africanos – Angola, República do Congo e Sudão. Mas o interesse pelos fornecedores africanos tem caído. Só em Angola, as importações chinesas caíram 18% ao longo da última década.

Nos últimos anos, a China transferiu grande parte das suas compras de crude para a Arábia Saudita. As importações chinesas de petróleo bruto daquele país aumentaram quase 47%, em 2019, face ao ano anterior. O projecto de infra-estruturas internacional “uma faixa, uma rota”, lançado em 2013 pela China, permitiu também construir novos gasodutos e oleodutos para o Turquemenistão, Rússia e outros países geograficamente próximos da China.

“Pequim precisa ter muito cuidado: se continuar a registar défices comerciais com os países africanos, isso vai acabar por gerar problemas políticos”, considera Joshua Eisenman. “Se és um cidadão comum em Angola, podes ver que os teus mercados estão cheios de produtos e comerciantes chineses”, diz. “É algo muito tangível para as populações locais”.

O comércio entre China e África cresceu 2,2%, em 2019, para 208,7 mil milhões de dólares, segundo dados oficiais da Administração Geral de Alfândegas da China. As importações da China de África caíram 3,8%, para 95,5 mil milhões de dólares, enquanto as exportações aumentaram 7,9%, para 113,2 mil milhões de dólares.

8 Fev 2021