Albergue SCM | “Raízes”, de Giulio Acconci, inaugurada na quarta-feira

O Albergue SCM acolhe a partir de quarta-feira “Raízes”, uma mostra individual de Giulio Acconci que regressa às exposições ao fim de um longo período a desenvolver outros projectos. A mostra reúne pinturas e esculturas que reflectem o percurso pessoal e as influências familiares do artista

 

Afastado de exposições em nome individual há algum tempo, a arte de Giulio Acconci pode voltar a ser vista em Macau numa nova exposição que abre portas a partir da próxima quarta-feira, 8, às 18h30. “Raízes – Exposição de Arte Individual de Giulio Acconci” é uma mostra, que reúne pintura e escultura, que integra o cartaz das comemorações do 10 de Junho – Dia de Camões, Portugal e das Comunidades Portuguesas, que traz vários eventos culturais à cidade.

A colecção de obras conta a história de um homem que nasceu em Macau e que sempre contactou com diversas comunidades que fazem parte do território, mas que recebeu ao longo da vida influências do Myanmar da parte da mãe e italianas da parte do pai. O arquitecto Carlos Marreiros, presidente do Albergue SCM, desafiou Giulio Acconci a olhar para si próprio e a revelar-se através da arte.

“O conceito principal desta exposição tem a ver com as minhas raízes que são muito diversas. O meu pai nasceu em Itália e a minha mãe pertence a um grupo étnico do Myanmar. Mas o facto de ter nascido em Macau e de ter amigos chineses, por exemplo, também contribui para essa diversidade. Em criança sempre falei inglês e cantonês, e também estudei português. Sempre tive a capacidade de aprender e absorver mais sobre outras culturas e idiomas”, contou ao HM.

Giulio Acconci confessou ter-se embrenhado de forma emotiva no processo de criação e preparação da mostra. Os trabalhos são um reflexo disso mesmo. “Comecei por fazer alguns trabalhos com tinta da china, mas senti que, apostar no abstracto seria o mais indicado para expressar todos os sentimentos e contar uma história”, disse. “Raízes” é, portanto, uma mescla de materiais e técnicas artísticas.

“Embrenhei-me no abstracto e misturei muitas técnicas, além de ter usado também muitos materiais. Recorri também à escultura, pois o meu pai era escultor e então, de certa forma, entrei nesse passado. Passei meses a reflectir sobre a forma como iria expressar as minhas raízes e, eventualmente, quando surgiu a hora de criar, simplesmente misturei estilos e técnicas”, frisou.

O homem e o todo

“Raízes” é o somatório de quadros de Giulio Acconci que remete para as memórias de infância na casa da família. Mas, para o artista, a obra mais significativa é aquela que dá o nome à exposição, por representar o homem com tudo aquilo que foi e é.

“Há uma pintura figurativa intitulada ‘Raízes’ que, para mim, é muito expressiva, pois representa uma pessoa que está conectada com tudo. É a ideia de alguém que não se consegue desligar das memórias, da comida e das línguas”, descreveu o artista.

Não é a primeira vez que Giulio Acconci olha para si mesmo e explora o seu passado, mas é a primeira vez que o faz do ponto de vista da interconexão. “Explorei as minhas raízes e antecedentes nas primeiras exposições, sobretudo a influência que o meu pai teve sobre mim. Mas desta vez faço um cruzamento de todas as minhas raízes familiares, sobre a minha mãe, e, por exemplo, sobre o que as mulheres usam na região do Myanmar de onde ela é.”

No tempo em que não expôs a título individual Giulio Acconci tem ensinado outros, feito trabalhos por comissão ou desenvolvido workshops. Sobre esta exposição, espera que, pelo menos, o público possa percepcionar mais coisas sobre si.

“Os meus amigos e pessoas que conheço parecem-me muito entusiasmadas com esta exposição. Vou ver como reagem ao meu trabalho, esperando que retirem algo das peças que vão ver, ou que, neste processo, conheçam um pouco mais sobre mim”, concluiu.

2 Jun 2022

Raízes e copas

Web, nenhures, 5 Janeiro

[dropcap]O[/dropcap] meloso natalício não muda grande coisa na folhagem das árvores despidas, menos ainda nos múltiplos brancos contidos na neve que nem tomba na cidade. Com a estação chegam os tiques próprios das ditas, como este de comprar a correr disquito ou livrito para oferecer, à falta de melhor.

Multiplicam-se as listas dos melhores do ano, fingindo que se lê por cá ou ao menos que se respeitam os livros. Enfim, a miséria habitual, que apesar de costumeira se amisera mais e sem piedade. Contudo, brilham excepções. A mais divertida, atenta e reveladora de extremo amor ao livro encontra-se no blogue do Henrique [Manuel Bento Fialho], «Antologia do Esquecimento»: http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2019/01/o-melhor-dos-livros-em-2018.html A melhor lista dos melhores contém mais de trinta itens confirmando que, para o seu autor, o livro é um mundo a ser abordado de todas as perspectivas, por menores que sejam. Não creio que inclua livros de cujo conteúdo não tenha gostado, mas pega-lhes pelas minúcias do contentor: capas e contracapas, primeira e segunda badana, cortes superior, dianteiro e inferior, lombada, guardas, sobrecapa e cinta, formato e impressão, folha de rosto e índice, cólofon e notas de rodapé, mas também título, texto de contracapa ou epígrafe ou dedicatória ou agradecimento, além de prefácio e posfácio. Isto além das mais tradicionais capas, ilustrações, fotografias, colecções, tradução ou… livro do ano, que no caso foram dois e de imagens. Um divertimento, que nem por isso deixa de desenhar panorama dos mais completos.

Horta Seca, Lisboa, 6 Janeiro

Falho redondamente, como convém aos anafados, os desejos: descansar e planear. As urgências, ainda elas, muitas que resultam do incumprimento do planeado. Desprezando a electrónica, a minha arrumação assenta em papel, profusos papéis, que desenham do ano ao momento. O electrocardiograma dos meus dias sai em folhas A6, nas quais assinalo rugas, ideias, afazeres, telefonemas, pagamentos, nomes, projectos, gatafunhos. Não seria mais fácil em cadernos, que também frequento? Talvez, mas estes fragmentos são portáteis, podem tanto gritar-me o imediato como sussurrar o horizonte. Consigo juntá-los para harmonizar um mapa, uma hierarquia de prioridades. Embora resulte dissonância, alegre, mas dissonância. Ler os que foram sobrando relembra-me o óbvio. Afinal, não evitam o atropelo ou o esquecimento, menos ainda o acumular de irresolvidos. Pela simples razão de que não esticam o tempo. Quanto perdi com esta inutilidade?

Casa da Cultura, Setúbal, 11 Janeiro

Esta sessão da «Filosofia a pés juntos» tinha a Justiça por tema e logo a radical arqueologia do António [de Castro Caeiro] revelava uma surpresa. Para o grego, a injustiça resulta da humana ambição de querer ter mais, de fazer disso o seu horizonte. Até ao ponto ganancioso do meu tudo metamorfosear em nada o do outro. Injustiça continha, então e sobretudo, a ideia de denúncia. E pessoal. O processo visava que o injusto entendesse o erro e o confessasse publicamente. Dizê-lo era meio caminho para a resolução. O acento punha-se no trabalho interior do próprio, mais que em acusação externa. Daí a conclusão maior de que melhor seria sofrer uma injustiça do que cometê-la. A conversa expandiu-se, e muito, mas este pensamento-raiz ainda brilha que nem copa.

Acácio de Paiva, Lisboa, 12 Janeiro

Manhã de sábado em Alvalade, com uma luz de fazer esquecer o frio. Ambiente ideal para espreitar os trabalhos mais recentes do multi-talentoso Simão [Palmeirim]. Não falo agora nem da música, nem das investigações em torno da geometria ou sobre Almada [Negreiros], mas das pinturas. Vi-me em paisagens de tom negro onde o monumental não abafa a minúcia, o gesto, a composição. Entrei no miolo de máquinas, transmudadas do absoluto concreto para um abstracto contido. Cada pasta parecia mala devolvida de mundos por haver. Depois o papel rasgou-se janela, e surgiu um contínuo de umbrais feitos de cor e paciência. A repetição não tem que ser o igual multiplicado. Bebemos longo café e falámos ainda de Philip Glass. Vem aí exposição.

Povo, Lisboa, 14 Janeiro

Para sessão em torno da «Poesia do KWY», o Alex [Cortez] chamou-me ao microfone. Em ambiente aprimorado pelo Nuno [Miguel Guedes], e comentado propiciamente pelas cordas do [Vítor] Rua, que transliterou e pensou encontrar-se em Bukoswki, ouviram-se as vozes da Paula André enquadrando o relâmpago que foi projecto único, que dizia o portuguesinho Ká Wamos Yndo com letras que não havia, do tonitruante Manuel João [Vieira], brincando com anónimos e o episódico João Garcia de Medeiros, e do Miguel [Feraso Cabral] a evocar Manoel de Castro. Pensando nas contaminações (imagem, palavra, nomes) levei nos lábios para estragar o Helder [Macedo], capaz de descrever como ninguém o que foram aquelas lúcidas noites, o António José Forte, com sorrisos a doer-lhe nos lábios, e o José Manuel Simões: «Um quadro, como um poema, é demasiado pequeno para conter um coração. Por isso ele cresce, ilude os limites estreitos do caixilho, expande-se e fica a flutuar, qual cúpula, globo ou aquário, palpitante e rubro, exposto aos olhares clínicos e turísticos de quem se aproxima e contempla.»

Teatro da Rainha, Caldas da Rainha, 15 Janeiro

A noite aconteceu, enorme. E lúcida. Os que se afastem do convívio com os palcos (de teatro, que os de concerto são outra música) perdem, sem o saber, contacto com a realidade, com o oxigénio. Por isto. O Henrique [Manuel Bento Fialho] resolveu recomeçar o ciclo lunar do «Diga 33 – Poesia no Teatro» com os supermanos, António [de Castro Caeiro] e José [Anjos]. A singeleza da encenação (foto na página de Graça Ezequiel) potenciou a cumplicidade entre os dois, com leituras, comentários e música. O Henrique manuseou a curiosidade como ferramenta e pôs o António a explicar-nos que o destino se faz corda de ringue nas nossas mãos, sendo o boxe apenas uma das possibilidades, cada qual tendo na mão a escolha de modalidades, combates, até de adversários. Ilustrou depois os versos ditos do Anjos à viola, antes de o fazer com lanterna, no fecho: «um quadrado de terra na cidade/ um verão de amendoeira/ uma flor, uma pedra luminescente no peito/ da igreja/ a respiração ainda quente de uma boca derrotada/ um dia cruel/um gato de sombra que nasceu da invenção/ de uma escada/ e a sombra de um gato que morreu/ como a divisão de uma casa// a dor à volta da qual tudo se constrói.»

Horta Seca, Lisboa, 18 Janeiro

A Escola de Escritas do Luís [Carmelo] abriu «Crateras», colecção que recolhe textos dos que se vão cruzando aquela ideia. Começou com o «Tenham uma Boa Vida», do Francisco Resende, que evoca experiência do lugar, e a Ana Margarida de Carvalho, que em «Primeira Linha de Fogo», investiga o (sem) sentido das fronteiras em que nos entrincheiramos.

23 Jan 2019