Espaço | China vai apostar em “modelo aberto de cooperação”, diz académico

O académico Diogo Cardoso acredita que a política espacial chinesa irá apostar num “modelo aberto de cooperação”, fomentando um rápido desenvolvimento tecnológico. Num artigo académico, o doutorando da Universidade de Lisboa traça um olhar sobre a história da exploração espacial chinesa

 

A agenda de exploração espacial é uma área de interesse do Governo chinês há décadas. Dos votos de intenção, falta de recursos e intenções militares da era de Mao Tsé-tung até à aposta actual durante a presidência de Xi Jinping, muitos passos foram dados em direcção ao espaço.

Diogo Cardoso, doutorando do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa (UL), analisou o tema vertido num artigo académico publicado na última edição da revista Daxiyangguo – Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos, publicação deste instituto.

O artigo intitulado “As políticas do Espaço e de Segurança chinesas de Mao Zedong a Xi Jinping: Em busca do ‘Chinese Dream’ [Sonho Chinês]” e conclui que “nos próximos cinco anos a China deverá fortalecer a capacitação básica da sua indústria aeroespacial”, bem como “avançar na implementação de pesquisas de ponta e implementar grandes projectos científicos e tecnológicos”.

Incluem-se ainda, nesta estratégia, a aposta em “projectos prioritários em áreas-chave, como os voos espaciais tripulados, a exploração lunar, o sistema de observação da Terra de alta resolução, o seu sistema de navegação BeiDou-3, e ainda a nova geração de foguetões de lançamento espacial”.

Desta forma, o país vai continuar a melhorar, “de forma abrangente, a infraestrutura espacial, promover o desenvolvimento da indústria de satélites, conduzir pesquisas científicas em profundidade e aprimorar o desenvolvimento abrangente, coordenado e sustentável da indústria aeroespacial”.

Na ascensão do poder chinês em matéria de política espacial, Diogo Cardoso entende que estão em causa “preocupações gerais com as mudanças na distribuição do poder económico e militar” bem como “preocupações específicas de como esses recursos são alocados e se isso pode levar a um conflito”.

“Resta saber se a mudança nos objectivos espaciais da China, conforme articulado pelos seus cientistas e formuladores de políticas espaciais, para adquirir recursos baseados no espaço, bem como a montagem de uma estação espacial permanente, levarão ao nacionalismo de recursos, territorialismo e expansionismo”, lê-se ainda no artigo académico.

Um modelo aberto

Ao HM, Diogo Cardoso declarou ainda que a China, nos próximos anos, vai “propor um modelo de cooperação aberta no que concerne ao espaço, utilizando inclusive os seus activos espaciais para possibilitar a países em desenvolvimento que tenham acesso a serviços de rede de telecomunicações, navegação por satélite através do serviço BeiDou, agora com alcance global, e até utilização de satélites meteorológicos”.

Para o académico, “todos estes serviços têm um grande impacto no desenvolvimento político, económico e social dos países em desenvolvimento”.

Por outro lado, “a China continuará a apostar no desenvolvimento e expansão da estação espacial chinesa, que já se encontra totalmente funcional, na promoção do seu programa de exploração lunar e de Marte, bem como num grande conjunto de projetos espaciais com possíveis resultados extremamente importantes para a humanidade”.

Importa ainda referir a ligação da política espacial com o projecto “Uma faixa, uma rota”, através da “Rota da Seda Espacial”, com a qual a China “tem promovido uma posição de cooperação internacional, colocando a sua estação espacial Tiangong ao serviço da ciência e da comunidade internacional”.

Pelo contrário, o académico considera que os Estados Unidos “irão adoptar uma estação espacial privada no futuro, o que poderá colocar em causa os princípios de cooperação científica internacional para o espaço, uma vez que a maioria dos países não dispõem de avultados fundos para financiarem viagens espaciais”, aponta Diogo Cardoso.

O doutorando do ISCSP entende que “o Programa Espacial Chinês destaca-se facilmente como uma das joias da coroa chinesa”, sendo que as suas origens remontam a 1955, quando o pioneiro dos foguetes e mísseis Quian Xuesen regressou dos Estados Unidos para a China.

Esta foi a época em que “após um período de consolidação, os líderes da China olhavam para uma agenda em prol do desenvolvimento com papéis-chave desempenhados pela ciência e tecnologia”. Desde então, e ao longo das diversas presidências, a China “é agora um actor importante na arena espacial global.

Um conflito espacial?

Questionado sobre a tensão geopolítica entre a China e os EUA pode chegar ao espaço, Diogo Cardoso relembra que “a guerra comercial [entre os dois países] é, em grande parte, uma guerra tecnológica pela luta pelo domínio [nesta área], bem como nos padrões e normas internacionais”.

“Em relação a um possível conflito espacial, e apesar de existirem armas anti satélite e outro tipo de armas a serem testadas, considero que um possível conflito, a acontecer, seria do tipo não convencional, com o uso de munições e tiros, mas através de tecnologias cibernéticas, que podem colocar em causa a actividade dos satélites de outro país.”

O académico acredita que os EUA “vão adoptar uma postura ainda mais defensiva em relação ao espaço, uma vez que outros países já dispõem de tecnologias espaciais extremamente avançadas, pelo que a sua posição de dominação está ameaçada e, para isso, os EUA tentarão proteger a sua posição”.

As bases fundacionais para o programa espacial chinês surgiram em 1956 com a criação da Comissão da Indústria de Aviação da China e da Quinta Academia do Ministério da Defesa. O artigo aponta que “o primeiro local de lançamento foi estabelecido em 1958 e o primeiro satélite foi lançado em 1970”.

A primeira nave espacial não tripulada, Shenzhou-1 (Navio Divino 1), foi lançada em 1999, e em 2003 o primeiro astronauta chinês foi ao espaço a bordo da Shenzou-5. Por outro lado, a exploração da Lua foi iniciada em 2003, com o lançamento do satélite Chang’e-1 (Deusa Chinesa da Lua 1) e o primeiro laboratório espacial Tiangong-1 (Palácio Espacial 1) em 2011, descreve o académico no seu trabalho.

Xi Jinping chegou ao poder em 2013 e desde então tem desenvolvido a ideia do “Sonho Chinês”, onde um dos objectivos é fazer com que o país disponha de um “exército forte” e poder espacial até 2030, daí observarem-se “esforços de modernização e fortalecimento do Exército de Libertação Popular (ELP) e das forças espaciais chinesas”. Os diversos Livros Brancos publicados por Pequim dão conta que “a exploração do espaço exterior é parte do desenvolvimento nacional geral”.

Durante a governação de Mao Tsé-tung, “o espaço era visto mais como um gesto político do que uma parte vital da arena militar ou económica”, sendo uma “prioridade inferior” do Governo Central.

Entre 1956 e 1976, a China teve “avanços muito limitados nas suas capacidades espaciais, devido à falta de recursos financeiros, tecnológicos e recursos humanos treinados, bem como às repetidas convulsões políticas que interromperam os esforços de pesquisa”. De frisar que a cooperação internacional em matéria espacial arrancou em 1970.

Deng Xiaoping, por sua vez, “inicialmente fez pouco para promover o desenvolvimento espacial para os sectores militar ou civil”, tendo-se concentrado no processo de abertura e reforma económica do país. Nos anos 90, “o programa espacial beneficiou do investimento e do apoio intensificado de alto nível”, tendo como exemplo a implementação de diversos satélites no período de Jiang Zemin, entre 1992 e 2002. Hu Jintao “manteve o apoio ao programa espacial chinês. Durante os seus dois mandatos” tendo sido implementados, durante o seu mandato, “uma variedade de novos sistemas de satélites”.

Hoje em dia, Xi Jinping olha para o programa espacial chinês “como um reforço do clima de inovação científica, especialmente no campo da robótica, inteligência artificial e aviação”, com um enquadramento na iniciativa “Made in China 2025”. Com o espaço, o Governo e o Partido Comunista Chinês esperam obter “enormes dividendos económicos”.

30 Ago 2023

Espaço | Lançado módulo principal da primeira estação chinesa permanente

A China lançou ontem o módulo principal da sua primeira estação espacial permanente, que visa hospedar astronautas a longo prazo, ilustrando a crescente ambição do programa espacial chinês

 

O módulo Tianhe, ou “Harmonia Celestial”, foi lançado para o espaço recorrendo ao foguete Longa Marcha 5B, a partir do Centro de Lançamento de Wenchang, na ilha de Hainan, extremo sul do país.
Trata-se do primeiro lançamento de 11 missões necessárias para construir e abastecer a estação e enviar uma tripulação de três pessoas até ao final do próximo ano.

O programa espacial da China também trouxe de volta as primeiras amostras lunares em mais de 40 anos e espera pousar uma sonda e um ‘rover’ na superfície de Marte no próximo mês.

A exploração espacial é fonte de grande orgulho nacional. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, junto com outros líderes civis e militares, assistiram ao lançamento a partir do centro de controlo, em Pequim.
O módulo central é a secção da estação onde os astronautas podem viver até um período de seis meses. Os outros 10 lançamentos vão enviar mais dois módulos, usados pelas futuras tripulações para realizar experiências, suprimentos de carga e quatro missões com tripulações. Pelo menos 12 astronautas estão a treinar para viver na estação, incluindo veteranos de missões anteriores. A primeira missão tripulada, a Shenzhou-12, está prevista para Junho.

Seis pessoas em 66 toneladas

Quando concluída, no final de 2022, a Estação Espacial Chinesa deverá pesar cerca de 66 toneladas, consideravelmente menor do que a Estação Espacial Internacional, que lançou o seu primeiro módulo em 1998 e pesará cerca de 450 toneladas.

Teoricamente, a Tianhe pode ser expandida para até seis módulos. A estação foi projectada para operar por pelo menos 10 anos. Tem aproximadamente o tamanho da estação espacial americana Skylab, da década de 1970, e da antiga Mir, da União Soviética, que operou por mais de 14 anos, após o lançamento, em 1986.

O módulo principal vai fornecer espaço para viverem até seis astronautas, durante as trocas de tripulação, enquanto os outros dois módulos, Wentian e Mengtian, vão fornecer espaço para realizar experiências científicas, inclusive das propriedades do ambiente no espaço sideral.

A China começou a projectar a estação espacial em 1992, quando as ambições espaciais do país estavam a ganhar forma concreta. A necessidade de operar sozinha tornou-se mais urgente, depois de ter sido excluída da Estação Espacial Internacional, em grande parte devido às objecções dos EUA sobre a natureza secreta e os laços militares do programa chinês.

A China colocou o seu primeiro astronauta no espaço em Outubro de 2003, tornando-se o terceiro país a fazê-lo de forma independente, depois da antiga União Soviética e dos Estados Unidos.

Junto com mais missões tripuladas, a China lançou um par de estações espaciais experimentais de módulo único. A tripulação Tiangong-2 permaneceu a bordo por 33 dias. Espera-se que as nações europeias e as Nações Unidas cooperem nas experiências a serem realizadas na estação chinesa.

O lançamento ocorre numa altura em que a China também está a avançar em missões sem tripulação, especialmente na exploração lunar. O país pousou já um ‘rover’ no lado oculto da Lua. A China planeia outra missão para 2024, visando recolher amostras lunares, e disse que quer levar pessoas e possivelmente construir uma base científica na Lua.

30 Abr 2021