Carlos Morais José EditorialAs lições do passado [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]untar “comunidade portuguesas” ao dia de Portugal e de Camões (bem como tirar-lhe a Raça) foi uma excelente decisão. Afinal, o nosso vate também foi um exilado, um homem basicamente expulso do país, um território onde para ele não havia lugar e onde haveria, no regresso, de definhar à míngua, mesmo depois de reconhecida a sua genialidade. Portugal de modo nenhum se reduz ao pequeno rectângulo. É muito maior, muito mais vasto e mais onírico do que isso. Os portugueses não pertencem a uma etnia, fazem parte de um povo que inclui todo o tipo de gente, com as mais diversas origens étnicas. Tal teve a ver com o facto de termos saído, mas também com a realidade geográfica do país. Sendo o último da Europa para Oeste, foi durante vários séculos uma espécie de fim do mundo, onde vinha parar todo o tipo de gente. Dali não podiam passar, a não ser em sonhos. E talvez tenham sido esses sonhos que nos lançaram numa das aventuras mais ousadas que Humanidade experimentou. Os portugueses foram os autores da primeira globalização, quando mostraram que era possível o contacto entre todos os povos do planeta. A segunda globalização veio tornar esse contacto imediato. Bem sabemos da importância das novas tecnologias, mas alguém se lembra da importância de mudar os hábitos alimentares de toda a gente com o transporte de plantas alimentícias como fizeram os nossos navegadores? Pouco importa o passado, dizem-nos. Glórias de antanho não nos resolvem os problemas que hoje defrontamos, afirmam. Será que não? Será que não existem lições a tirar da História que sejam úteis na interpretação do presente? Parece-nos que sim. Parece-nos, aliás, que existem tantas lições que nós hoje temos medo de olhar para elas e corar no confronto com a audácia e a inteligência dos nossos antepassados.
Carlos Morais José EditorialHá uma noite sobre nós [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á uma noite que se abateu sobre Portugal. Um tempo escuro, baço e sem sombras, do género que limita os homens e faz temer as mulheres. As avenidas prolongam-se e parecem sem saída. Ao longe, ao que parece na Grécia, ruge uma inclemente tempestade. Nem sempre a noite é alcova de visões. Por vezes, não passa de uma sucessão de pesadelos, de cavalgadas infernais e não se vislumbra uma saída, um oásis, um mero repouso que não sejam as mentiras dos políticos. Antes a noite dos que ousam proclamar, imprecar, invectivar as iniquidades, a noite dos que no negro profundo das noites ainda sonham sonhar um país sem pátrias, uma sociedade sem amos, um planeta sem deuses nem os seus ciúmes. [quote_box_left]Nem sempre a noite é alcova de visões. Por vezes, não passa de uma sucessão de pesadelos, de cavalgadas infernais e não se vislumbra uma saída, um oásis, um mero repouso que não sejam as mentiras dos políticos.[/quote_box_left] É fácil sonhar Portugal, atribuir-lhe características, destinos, trejeitos, salvações. E é fácil porque ele já não passa de uma ideia, de um belo constructo, de um “ir” aéreo, veloz, fazedor. Há partir e há sair. Há fugir, também. Como há rir e refulgir e todos acabam em “ir”. Porque há que ir, há que ser ar e por vezes vento, o elemento veloz, global, o da presença total, a levar sementes e pólenes vários pelas várias esferas. Ser português é ser da ideia, a que dizem ser plebeia: a de Camões, de um povo não de um herói. Povo repartido por partidas pregadas pelo mundo. Viemos de livre vontade? Eu nunca fui cobarde e não soçobrarei — assim se manifesta a grei. Há uma noite sobre nós. É espessa e difícil de enxotar. Somos filhos de uma alcateia expulsa daquela serra. Houve por lá um incêndio. Ainda arde. Os sinos repicam mas acolhem o chamamento. Repara-se agora não haver ninguém realmente capaz de o apagar.