Andreia Sofia Silva EventosLiteratura | Lançado “Caril-Diabo”, livro de crónicas do padre Manuel Teixeira “Caril-Diabo” era um manuscrito inédito do padre Manuel Teixeira que estava à guarda de Jorge Morbey, historiador, e que foi parar às mãos de Jorge Bruxo, antigo docente universitário. Daí até à edição por parte da Lema D’Origem, em Portugal, foi um passo. Eis o novo livro de crónicas do famoso pároco português que viveu quase toda a vida em Macau A referência à comida macaense serve de título ao novo livro póstumo do padre Manuel Teixeira, natural de Freixo de Espada à Cinta, mas que fez de Macau a sua casa. Cronista e autor, sobretudo focado nos temas da história de Macau, Monsenhor Manuel Teixeira deixou nas mãos de Jorge Morbey, historiador e residente do território, um manuscrito com crónicas intitulado “Caril-diabo”. A obra, lançada este ano pela editora portuguesa Lema D’Origem, constitui, assim, um relembrar dos escritos do padre Teixeira que viveu os principais acontecimentos de Macau no século XX. António Lopes, editor da Lema D’Origem, contou que teve acesso ao manuscrito graças a Jorge Bruxo, antigo professor universitário em Macau. Trata-se de uma compilação de crónicas publicadas por Teixeira nos jornais locais. “O padre Manuel Teixeira é oriundo de uma vila muito próxima da minha e, tendo a Lema d’Origem uma costela transmontana, não podia deixar de os publicar.” Para o editor, “é evidente que os textos do Padre Manuel Teixeira são um importante contributo para a compreensão da presença portuguesa no Oriente ao longo dos séculos”. “Talvez os textos não narrem a história oficial, mas narram, de certeza, os encontros e desencontros da nossa gente nesse longínquo Oriente. O título é do próprio Padre Manuel Teixeira, que o explica logo no primeiro texto. [Caril-diabo] é um prato tipicamente macaense, muito picante, que quando se come apetece praguejar”, explicou ainda. Palavras acutilantes As crónicas, segundo Jorge Bruxo, são 355, publicadas ao longo dos anos no Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau. Trata-se de textos “de natureza histórica e um pouco críticas”. “É a pequena história de Macau contada praticamente a partir da fundação de Macau até ao século XX”, descreve o intermediário do livro. “São crónicas acutilantes, estórias que a história não conta, o outro reverso da medalha”, destacou. Jorge Bruxo adiante que “Caril-Diabo” esteve quase para ser editado nos anos 80, mas acabou por nunca ver a luz do dia. “O livro esteve pronto para ser publicado no tempo do Governador Almeida e Costa, chegou a estar na Imprensa Oficial para uma primeira revisão, mas foi retirado das provas e nunca mais nenhuma entidade pública ou privada se interessou por esta obra. O padre Manuel Teixeira partiu lamentando-se que algumas das suas obras estavam por publicar”, disse Jorge Bruxo. Falecido em 2006, o pároco Manuel Teixeira foi uma personagem lendária de Macau que, ao longo dos anos em que viveu no território, estabeleceu contactos próximos com as comunidades portuguesa, chinesa e macaense. Falecido em Portugal, passou 76 anos no Oriente, entre Singapura e Macau, para onde viajou com apenas 12 anos para estudar no seminário. Recebeu várias condecorações, nomeadamente a de Oficial da Ordem do Império, Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem Militar de Santiago e Espada.
Hoje Macau EventosA desconhecida “Aldeia Portuguesa” em Jacarta, Indonésia Fotos e artigo – Ritchie Lek Chi, Chan A Indonésia sempre passou uma imagem de que está cheia de histórias sobre a era do domínio ultramarino chinês e holandês, dominado por holandeses ou indonésios a lutar pela independência. Muitas pessoas não sabem, que o primeiro país europeu a contactar a Indonésia foi Portugal, e que tinha uma boa relação com a dinastia Sudanesa da época. Os portugueses deixaram muitos vestígios culturais depois de passarem pela Indonésia, o que prova que os portugueses chegaram ao Sudeste Asiático durante a Idade Média e utilizaram-no como base para explorar e expandir as suas rotas marítimas até à costa da China e ao Leste Asiático. Essas histórias sempre despertaram o interesse de estudiosos, media e exploradores estrangeiros, que fazem o possível para descobrir preciosos materiais históricos nesta área. A partir da “Descoberta Geográfica” Este artigo apresenta a “Aldeia Portuguesa” localizada no norte de Jacarta, perto do maior porto de carga da Indonésia – Tanjung Priok. Esta pequena aldeia reflete o envolvimento dos portugueses no Sudeste Asiático e os feitos históricos dos dois impérios marítimos de Portugal e da Holanda a competir por colónias no Sudeste Asiático. A Aldeia Portuguesa tem uma história de mais de 360 anos e foi incluída na Lista do Património Mundial da UNESCO em 1999. Os residentes locais chamam a aldeia de Kampong Tugu, “kampong” significa “aldeia”, “tugu” significa “estela de pedra”. O nome chinês mais simples é “Aldeia Tugu”. Durante a “Grande Descoberta Geográfica” da Idade Média, a Indonésia foi um importante ponto de trânsito entre a Europa e o Extremo Oriente e também um dos principais campos de batalha das potências europeias para competir pela fonte de especiarias. Siga a rota dos portugueses de Goa a Malaca, depois à Indonésia e finalmente a rota ao norte. Podemos constatar que a história da “Aldeia Tugu” está intimamente relacionada com a Aldeia Portuguesa em Malaca e a Macaense em Macau. Este é um tema fascinante. Explorar três etnias mistas que vivem em lugares diferentes, mas com a mesma origem, o que também fornece um importante material histórico para o estudo dos portugueses medievais que vieram para o Sudeste Asiático e áreas costeiras da China. Entrada como não conquistador Em 1963, o historiador de Macau, Padre Manuel Teixeira publicou “MACAU E A SUA DIOCESE” em Lisboa. Neste artigo, muitas páginas são usadas para descrever em detalhe a sociedade “macaense” em Batávia (Jacarta). No início do artigo podemos ler que “Os portugueses nunca se instalaram na Batávia. Era é uma colónia holandesa conhecida como a ‘Rainha do Oriente’. Se os portugueses nunca entraram na Batávia como conquistadores então são prisioneiros de guerra e mercadores (Nota 1)”. Por outras palavras, os portugueses vieram para Jacarta e estabeleceram apenas como prisioneiros de guerra e mercadores, não como os holandeses que viveram na Batávia como conquistadores. No início do século XV, depois do navegador chinês Zheng He fazer sete viagens para o Ocidente, a carreira de navegação da China foi interrompida devido à Dinastia Ming que fechou ao mundo, sem contactos com países estrangeiros. Após oitenta anos, por volta do final do século XV, foi substituído pelo surgimento das “Grandes Descobertas Geográficas” europeias. Portugal, como pioneiro desta tendência entusiástica, abriu as portas ao mistério do Extremo Oriente com fortes veleiros, duras crenças religiosas e uma grande procura de especiarias e ouro. O navio de três mastros de Portugal contornou o perigoso Cabo da Boa Esperança na África do Sul, romperam as ondas do Oceano Índico e alcançaram Goa, na Índia e outros pequenos países da Indochina. Depois chegaram a Malaca, na Malásia, e viajaram ao longo do estreito de Sunda até às ilhas pontilhadas da Indonésia. A populosa Ilha de Java era uma paragem obrigatória. Especiarias, negócios e missão De 1511 a 1526, os portugueses só vinham esporadicamente às áreas costeiras da China para realizar comércio marítimo com mercadores chineses (Nota 2). Nesta época, os chineses ainda não tinham imigrado para este “país das dez mil ilhas” em grande número (Nota 3). A frota portuguesa partiu de Malaca para explorar e aterrar em algumas ilhas e portos indonésios ao longo da rota oriental, de forma a compreender melhor o transporte marítimo nesta área, obter mais recursos de especiarias e ao mesmo tempo promover a fé católica pelo caminho. O Padre Manuel Teixeira publicou um artigo “A Diocese Portuguesa de Malaca” no Boletim eclesiástico da Diocese de Macau em 1957, no capítulo XVIII, “Os Jesuítas nas Molucas”, pode-se compreender que os jesuítas seguiram a rota dos portugueses, o seu poder em expansão e atividades missionárias em algumas ilhas. Além disso, de destacar também “Jesuítas na Ásia” (Nota 4), escrita pelo falecido sinólogo português José Maria Braga em Hong Kong. O conteúdo deste livro é mais detalhado, lista as ilhas e portos controlados pelos portugueses na Indonésia naquela época. A maioria das relíquias culturais na Indonésia De acordo com os dados recolhidos até agora, os locais onde os portugueses comercializavam e espalhavam as actividades religiosas na Indonésia são aproximadamente os seguintes: Aceh em Sumatra, Cirebon em Java, Banten e Sunda Kelapa em Jacarta, Ilhas Banda, Ilhas Flores, Solor, ilha principal das Molucas, Halmahera, a segunda maior cidade das ilhas Molucas, Ternate, Seram, Damer, Ambon, Papua Nova Guiné e Timor, que são familiares aos cidadãos de Macau (Timor) etc., Halmahera, a segunda maior cidade das ilhas canadianas, Ternate, Seram, Damer, Ambon, Papua Nova Guiné e Timor que os cidadãos de Macau conhecem bem. Notas : 1.《Macau e a sua Diocese》, P. Manuel Texeira, Agência Geral, Lisboa, 1963, P. 85; 2. “Uma breve discussão sobre as características das primeiras relações entre a China e Portugal 1513-1643”, Zhuang Guotu, “Revista de Cultura”, Vol. No. 18, p. 4-8; 3.Wikipedia, a enciclopédia livre “Indonésio Chinês”, 1. História: 1.4 período colonial holandês, 1.4.1 O primeiro favor dos holandeses; 4. Jesuítas na Ásia, 1998, publicado em conjunto pela Fundação Macau, Universidade de Macau e Instituto Politécnico de Macau, o autor José Maria Braga é um académico português nascido em Hong Kong; 5. Asia Oceania: Portuguese Heritage Around the World: Architecture and Urbanism》, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon, 2011. *Artigo publicado no Macau Daily Newspaper em 8 de Novembro de 2020
António Graça de Abreu h | Artes, Letras e IdeiasTrês amigos, Camilo Pessanha, Padre Manuel Teixeira e Armando Martins Janeira Com Camilo Pessanha, em São Miguel de Seide [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m São Miguel de Seide, rasgado pelo esplendor de um estranho ocaso, falo de Camilo, o outro, o grande Pessanha, “morto vivo” em Macau. Lá longe, as paredes da casa humedecidas pelo tédio, uma imensa “abulia, sem remédio”, as mulheres chinesas, o desamor, o descarinho, o ópio enegrecendo os dias, de mansinho. Aqui, o cintilar das rimas, no triste entristecer, lá fora, água cristalina nos lameiros, a luz insinuando-se pelos meandros do entardecer, o ondular da bruma nos outeiros. Apetece ajoelhar, reverenciar o deus da poesia, beber o sublime das palavras, do sentir, em tempo de extremado sofrer, de melancolia, os lábios numa prece. E depois partir. Com Monsenhor Manuel Teixeira, em Freixo de Espada à Cinta Sempre o conheci, de batina e barbas brancas ondulando na brisa, sobraçando livros e canhenhos, a História de Macau, os missionários, a gesta portuguesa pelo Extremo-Oriente, tudo na confusão e poeira dos arquivos, depois a baloiçar na ponta da sua pena. Alegre e afável na companhia das gentes, as senhoras bonitas para a fotografia, com os amigos bebericando o “chá da Escócia”, excelso whisky com uma pedra de gelo, garantia certa, dizia, “para afastar o calor.” Todos os dias, às sete da manhã, missa na capela de Santa Rosa de Lima, o padre falava com Deus, levava chinas ao Céu. Em Trás-os-Montes, na sua Freixo de Espada à Cinta, de onde saiu menino, venho ao seu encontro, na memória distante do Portugal que lhe corria no sangue. Por Macau, viu passar dezanove governadores, quase oito décadas de vida de mãos abertas para a cidadezinha na foz do rio das Pérolas que, para sua tristeza, passou de portuguesa a chinesa. Velho, aproximou-se de Deus e foi, depois do regresso à sua bravia terra transmontana, que, serenamente, fechou os olhos e partiu. Deixou escrito: “O homem é pó. A fama é fumo e o fim é cinza.” Com Armando Martins Janeiro, em Torre de Moncorvo Armando, meu amigo, nado e criado na singeleza assombrosa destas terras, sob a silhueta azul do céu e os verdes e castanhos esparramados pelos montes. Criança ainda, no alpendre da casa da avó, na aldeia de Felgueiras, crescia o sonho de conquistares o mundo. Quem diria, havia todo o Japão à tua espera, séculos de história luso-nipónica, Wenceslau, mais mil diplomacias, e gueishas perfumadas levitando no requebro dos dias! Chego a Torre de Moncorvo com o sol poente descendo pela crista da montanha. Entro na velha igreja onde foste baptizado, a pedra carcomida pela erosão dos anos, a voz silenciosa das colunas medievais, um altar barroco, anjos e querubins, a Senhora intercedendo por nós, diante de Deus. Em mim, uma prece, o joelho descendo para a laje fria do templo e saio com o repicar dos sinos. Sigo depois pela encosta da vila, ao encontro do teu busto de bronze, cinzelado tal e qual como te conheci, o Armando, excelente cepa transmontana, orgulhoso e humilde, inteligente e sagaz. Uma saudação, um afago na luz ténue do teu rosto, uma despedida e sigo viagem, pelos últimos raios do entardecer, entre montes dourados onde a noite nasce.