Anabela Canas Cartografias h | Artes, Letras e IdeiasOutubro Estas coisas da memória. Fios finos, que rasgam a luminosidade dos dias, voltando a inscrever o que nunca se arreda para mais longe do que um segundo plano de sensações sedosas e quase ténues. Como um sopro. Um bater de asa. Passou um anjo. Mas que logo se acendem com toda a significação. Cores outonais, em avermelhados oxidados da queda. Uma certa natureza a perder a folha para reiniciar a renovação. Mas lembro o esverdeado daqueles olhos com uma profundeza que pouco se exprimia e era esperança. Outubro, cinco, logo no início é desde sempre a memória de um aniversário de quem sempre gostou de o celebrar, com toda a família e o contentamento de uma criança, mas tão sóbrio. Desse avô de olhos transparentes esverdeados e sonhadores que, em qualquer lugar novo, encontrava sempre um sítio um pouco à distância e à sombra, onde se sentar a fumar um dos seus cigarros, antes Sagres e depois Definitivos. E a sonhar as memórias e as dádivas. Esse avô que veneramos e foi um pilar forte no meio de tantas ausências e instabilidades familiares. Ficou a lancheira, o chapéu, tantos objectos e escritos esparsos, peças de mobiliário amorosamente aplainado, amaciado e envernizado. A caixa do dominó feito por ele e que jogávamos à tarde a seguir o número de pintas pretas. Mesmo pequenina desconfiava que o jogo não era assim tão simples. Talvez seguir, sem saber estratégias mais complexas, seja o ideal de caminhar. E sim, era sobretudo disso que os seus momentos de longitude se alimentavam, porque de ambições nunca. Grandes ambições para si, nunca se lhe conheceu. E nisso, a vida descreveu-o com rigor. Marceneiro até á reforma e por paixão depois, dentro de casa a produzir mobiliário para atender ao crescimento da vida. Como seria se não existisse como foi? Em pequenina ia comprar-lhe cigarros e caixinhas de fósforos que colecionei com fotografias de caravelas e, as mais amadas, de gatinhos. E logo de manhã em casa, o jornal. E visitava-o na marcenaria a pedir uma coisa qualquer para os trabalhos da escola. Ou ficava a vê-lo em casa a produzir rolinhos de madeira aromática e lisa, enquanto me explicava o futuro do móvel. As pessoas têm que ser alguma coisa. Que o reconhecer, que o assumir. Fazer parte. Ele, o meu avô A., era do Sporting e do Lusitano de Évora, republicano convicto talvez ao ponto de se estabelecer como data sua de nascimento o dia cinco de Outubro, num tempo em que as datas de nascimento na família, tinham um não sei o quê de deliberado e pouco rigoroso, por ausência de memória nítida registada ou por fuga à obrigação de registo em determinado período. Ou coincidência feliz. E comunista de alma, coração e memória, mesmo das torturas na prisão “política”, que não conseguiram arredá-lo dessa fé. Quando a grande questão não é a validade do paradigma mas a força da fé. Os dentes quase todos perdidos sob tortura, com filhos pequenos, a minha avó trazida a Lisboa para estar por perto naqueles meses sombrios, nómada em quartos da família e os filhos distribuídos por madrinhas e tias, entretanto. Para não falhar uma única visita. À espera, com outras, por vezes somente de um aceno à janela. Uns iam sabendo dos outros. Excepto em dias de “solitária”. Aquelas pequeníssimas celas de isolamento total. Para reflexão e para castigo. Ou vice-versa. Quando o Forte de Caxias se transformou em estabelecimento prisional, começou por encerrar soldados insubordinados, ladrões de mercearias e grevistas, para ser, com a implantação do estado novo, uma prisão política. Dos crimes de pensamento e expressão. E aquelas noites medonhas de visitas inesperadas, denúncias, às vezes, rusgas e buscas a meio da noite. Provas, panfletos ou livros suspeitos de veicular ideias subversivas. Vezes sucessivas em que o primo A., jornalista e assim alvo particularmente apreciado desses divertimentos, era levado. O avô gostava de contar histórias, mais para o fim dos jantares em que se juntava a família. Mas da prisão lembro sempre as batatas. Eles, encerrados e comedores de batatas como os de Van Gogh. Ele dizia que quando estavam alentejanos na cozinha não iam as batatas podres para a comida. Que mais teriam que comer, pergunto. E parcialidade sua, talvez mas de que sobrava a questão positiva de, no possível, respeitar a dignidade daqueles homens. Ou definição de limites, quando mais poder não se tem do que sobre as batatas, para definir que nem ultrapassados todos os limites da violência sobre o ser humano, alguém com nobreza pode admitir ultrapassar algum, quando se trata dos seus semelhantes. As pessoas têm que ter nas mágoas incontornáveis o registo subliminar dos sonhos que elas contrariaram. As pessoas têm que se definir, mesmo não definindo mas percorrendo um caminho de afectos e fé e convicções, que vistos de fora preenchem um determinado retrato. As pessoas são o que afirmam e o que fazem mas também o que sonham. Quando tudo se conjuga coerente, as pessoas são. Isso. Mesmo vistas de fora. E é sempre tão bom, conseguir identificar os que são bons, mesmo sabendo onde também eles ou os seus sonhos falharam.
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasOutubro Ô temps! Suspends ton vol, et vous heures propices! Suspendez votre cours Lamartine [dropcap]N[/dropcap]unca é igual o tempo nas suas nuances nem o retorno dos seus ciclos, todavia, temos sempre mais tempo para cada Estação que vai sendo descontada na marcha, pois que se os anos em nós são Primaveras, ninguém festeja os Outonos celebrados. Os hemisférios “Outubram-se” de forma contrária, mas este nosso que suspende por momentos o voo é aquele de que gostamos pelo instante da suspensão, ficando no centro de uma natureza igual, cálida, precisa, como um doce interregno, e sob a seu fleuma não raro se levantam as grandes marés e tempestades colossais a fazer lembrar da repentina fúria dos calmos. Outubro lembra-nos assim do factor da imprevisibilidade em pleno estado de paz e acalenta a nossa liberdade associativa . Aquelas sombras tão pausadas, aquele equilíbrio entre os dias e as noites dão os vinhos que enchem os copos de rubra fraternidade que bem pode ser esse «Lago» do poeta romântico antes de se fechar o postigo e entrar na gruta. Já não há Revoluções, mas aconteceram quase todas entre Abril e Outubro, pois que o Inverno inibe a marcha da rebelião – que de interiores mantido – não gera no seio das colectividades cargas transformáveis, o ciclo delas fechava-se aqui, com Outubro a garantir a legalidade e a cultura dos movimentos como as suas mais altas exigências. A boa conduta do Outono vai engalanar os cabecilhas daquelas com estímulos muito civilizados, os regicidas já cumpriram a sua missão, e as consequências advertem-nos que a História não deve em caso algum andar para trás. Os nossos outrora Outubros foram mais cingidos ao ciclo biológico, nele se iniciavam as aulas quase esquecidas nos longos Verões, se reencontravam os amigos, e a vida voltava às suas rotinas com o formalismo de quem cumpria o primeiro dever básico de uma sociedade, aprender, seria assim o mês mais civilizado enquanto processo criador, pois que as nossas também outrora aprendizagens foram de muitas maneiras também outras que não somente as dos bancos de escola. Vínhamos de Verões selvagens e imensos onde aprendíamos os arrojos, as dores das quedas, as insolências e as aventuras que nos dariam amargas crises de desobediência, formas de aprender a lidar com o todo na cauda de cada Estação que dominávamos. Hoje, é certo, que de quando em vez o próprio amor não dura mais que uma Estação, em muitas delas nem nunca o vimos envelhecer, e destas Outonais folhas, nem já uma lembrança, e neste calor de Outubro apenas um peso de sombras paradas. Passamos assim no esquecimento do que em nós foi o ciclo novo, o tempo que nos dava de beber cedo finda a sua festa, e para que não esqueçamos devemos guardar as suas pétalas secas, deitá-las em nosso leito para quando vier o amanhecer sabermos que estamos nele, e que a sua maior dádiva será a imagem de uma outra qualquer coisa que se foi. Parados, amor e morte, podem assim começar a dar as mãos, que delas nos caem as flores pulverizadas das chamas do ainda tempo próximo do escaldante viver. No calendário romano era o mês oito, e a sua subdivisão vai dar-lhe as características de César, Vergílio canta-o – as festas a Baco principiam – e os judeus têm nele a sua festa mais sagrada, nela se pede perdão, aquele tempo que leva a ser pessoa e a restituir-lhe a natureza do seu reflexo humano. Embora o vinho esteja correndo há uma lucidez que não deve ser perturbada enquanto em suspensão esse tempo se mantiver. Dão-se os Nobéis, o resultado meritório de vidas de trabalho, que se começa a trabalhar em épocas mais combativas e se guardam os louros para a celebração das vindimas. Separam-se os trigos, separam-se os joios num roteiro de parábola, e a natureza selectiva impõe-se como uma medida justa e nunca fraccionária. Um dia outro virá, em que por méritos possamos sair da Roda, ficando nele e não mais esperar que nos tragam de novo a Primavera. “Par délicatesse j´ai perdue ma vie”. Outubro de Rimbaud que o viu nascer e nos lembra como é raro perder assim. Os que ganham andam demasiado ocupados para se darem conta das capacidades dos vencidos, que mais que vencidos, são excluídos, até do fardo obsoleto das vitórias. Viver suspenso por cima da arbitrariedade dos que não têm tempo para delicadamente receber os dons de Outubro, que não é já um jovem Apolo nem um campeão das grandes maratonas, passar por ele como por um lago tão transparente que não o transformemos em espelho para a inércia de um desmedido amor próprio.
Diana do Mar Manchete PolíticaRegime que regula sector dos táxis terá nova versão em Outubro [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo espera apresentar “uma espécie de versão final” da proposta de lei relativa aos táxis em Outubro. A 3.ª comissão permanente da Assembleia Legislativa espera que o novo texto atenda às sugestões dos deputados e introduza clareza a algumas normas A proposta de lei relativa aos táxis deve conhecer “uma “espécie de versão final” em Outubro. Essa é pelo menos a expectativa do secretário para os Transportes e Obras Públicas. “Vamos rever todo o texto de acordo com as 12 reuniões que tivemos e esperamos ter na abertura da próxima sessão legislativa, em Outubro, uma espécie de versão final”, afirmou ontem Raimundo do Rosário, após uma reunião com a 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), que analisa o diploma em sede de especialidade. “Ao longo de dois meses de contacto com o Governo vimos não só aspectos técnicos, mas também trocamos opiniões, transmitindo as opiniões do sector. Esperamos que a nova versão venha a acolher essas sugestões que apresentámos”, afirmou o presidente da 3.ª comissão permanente da AL, Vong Hin Fai, indicando que os deputados entendem, porém, que há normas que carecem de maior clareza. É o caso das disposições transitórias, à luz das quais a proibição de transmissão, definitiva ou temporária, a título oneroso ou gratuito ou a oneração por qualquer forma – prevista no diploma – não é aplicável aos táxis actualmente em circulação. “Essa norma [da proibição] não se aplica aos táxis actuais que se dividem em dois tipos: 650 [com alvará] sem prazo limite e cerca de 900 com [licença] com um prazo de oito anos”, realçou o presidente da 3.ª comissão permanente da AL, defendendo ser preciso clarificar o termo transmissão temporária. Segundo explicou o deputado, “há diferentes interpretações entre serviços da administração” sobre se a transmissão temporária abrange o conceito de aluguer do táxi – algo que é uma realidade actualmente. Neste sentido, de modo a manter o actual modo de funcionamento do sector, a 3.ª comissão permanente da AL entende que deve ficar claro na letra da lei a figura do aluguer. “Na realidade, há táxis que estão a ser alugados, por isso, para que [o diploma] seja operacional, a redacção deve ser mais clara no sentido de indicar que o novo regime também vai incluir o aluguer”. Carteira por cartão Outra norma que a 3.ª comissão permanente da AL considera que tem de ficar mais clara tem de ver com a relativa à troca das actuais carteiras profissionais pelos futuros cartões de identificação de condutor de táxi que não terão que submeter-se a um novo exame profissional nem pagar taxas pela substituição. Contudo, como sinalizou Vong Hin Fai, falta definir um prazo para a realização da troca imposta pela proposta de lei