Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeAdvocacia | Ordem quer reactivar Protocolo com AAM no início do próximo ano A Ordem dos Advogados assegura que o Protocolo com a Associação dos Advogados de Macau poderá ser retomado no início do próximo ano, ultrapassado o impasse causado pela pandemia da covid-19. O Bastonário, Luís Menezes Leitão, assegura que “a principal questão” nas negociações prende-se “com a exigência de formação complementar para exercer a advocacia” Pode estar para breve a reactivação do Protocolo entre a Ordem dos Advogados (OA) em Portugal e a Associação dos Advogados de Macau (AAM). Depois de meses de negociações, a OA aponta como prazo para a entrada em vigor o início do próximo ano. “Desde o início que manifestamos concordância com a recuperação do Protocolo, havendo apenas que ultimar as questões que se colocam para efeitos de reciprocidade. A pandemia prejudicou, no entanto, o decorrer das negociações. Temos esperança que, estando tudo resolvido, no início do próximo ano o mesmo possa ser reactivado”, confirmou ao HM Luís Menezes Leitão, Bastonário da OA. A exigência de formação complementar além da licenciatura em advocacia é, para já, o tema que continua a ser discutido. Esta formação é exigida para exercer a profissão no território e ter “o conhecimento da lei local, que é cada vez mais diferente em Portugal e Macau”. “Teremos que acertar em condições de reciprocidade qual a formação exigida para o exercício da advocacia em cada uma das jurisdições”, adiantou o Bastonário. Esta formação prende-se com a necessidade de aprendizagem do Direito de Macau. Um ano de negociações As negociações para que este Protocolo seja reactivado duram há cerca de um ano. Numa entrevista ao HM, Luís Menezes Leitão falou da importância do documento para a OA. “É uma forma de mantermos a nossa ligação em termos jurídicos com Macau onde neste momento existe ainda um grande património jurídico comum. Achamos que ambas as advocacias podem trabalhar em conjunto.” Jorge Neto Valente, presidente da AAM, referiu recentemente que o número de advogados portugueses que vêm para Macau trabalhar é cada vez menor. Em 1999 “havia 87 advogados de pleno direito e 13 estagiários, e a esmagadora maioria, seguramente 70 por cento, eram de língua materna portuguesa”, recordou. “Neste momento, eu diria que 70 por cento [dos inscritos] são de língua materna chinesa”, num universo de “436 advogados e 127 estagiários”, apontou o presidente da AAM em declarações à Lusa. “Há muito poucos [causídicos], porque, além da questão da pandemia, os advogados de Portugal não podem chegar aqui, bater à porta e dizer ‘estou cá’”, disse. Antes de poderem exercer no território, têm de obter autorização de residência e de trabalho, “o que não é fácil”, e “fazer um curso de adaptação ao Direito de Macau”. “Ou então têm de começar pelo estágio, e a maior parte dos advogados não quer ter de fazer estágio outra vez”, explicou Jorge Neto Valente.
Andreia Sofia Silva EntrevistaLuís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal: “Acordo de Extradição deveria ser revisto” Bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal até 2022, Luís Menezes Leitão diz que é certo o regresso do protocolo com a Associação dos Advogados de Macau, cujos detalhes estão a ser ultimados. Relativamente ao Acordo de Extradição assinado com Macau, o bastonário defende uma revisão e diz que as respostas do Ministério da Justiça português “não são minimamente convincentes” [dropcap]O[/dropcap] Acordo de Extradição assinado entre Portugal e Macau está parado, mas não suspenso, segundo notícias recentes. A actual direcção da Ordem dos Advogados (OA) mantém a mesma posição contra o documento, tal como a anterior direcção? Esse Acordo sempre nos suscitou bastantes preocupações e devemos dizer que a resposta que o Ministério da Justiça deu relativamente às preocupações que foram expressas pelo meu antecessor [Guilherme de Figueiredo] não pareceram minimamente convincentes. Alegaram a Convenção de Extradição anterior sem fazer referência expressa a que estamos perante um Acordo posterior, ou seja, relativamente a todas estas questões. Por outro lado, verifica-se que nada foi alterado relativamente aos problemas que existiam, isto porque, de facto, o Acordo poderá envolver uma extradição relativamente a factos que não estavam previstos na lei quando foram praticados. O Acordo admite a possibilidade de existirem pedidos de extradição relativamente a factos que não são crime em Portugal e também o facto de ocorrerem situações em que está expressamente prevista a extradição para outras regiões da China. Não nos esqueçamos da polémica que suscitou relativamente a Hong Kong com as leis de extradição e que estão a gerar todas estas questões. Estamos também perante uma situação estranha ao dizer que o Acordo está parado mas não está suspenso. O que verificamos é que ainda não se avançou neste âmbito, mas compreendemos que nesta situação de pandemia não há tempo para discutir tudo e o Parlamento [Assembleia da República] tem estado ocupado com inúmeras matérias. A nosso ver esse Acordo suscita-nos reservas, não ficamos esclarecidos com a resposta do Ministério e queremos sensibilizar os grupos parlamentares para essa questão. Portugal tem uma longa tradição relativamente a situações de garantias de defesa e esperamos que continue a mantê-la neste quadro relativamente a esta situação. A OA tem de manter essa posição sobre este Acordo. Foram feitos novos pedidos de esclarecimento junto do Ministério da Justiça? Que eu saiba não houve qualquer alteração da posição do Ministério, bem pelo contrário. Em todas as declarações públicas o Ministério tem mantido a sua posição e parece-me que também o MNE tem colocado a mesma posição. Mas não é o Governo que terá a última palavra sobre este assunto, também haverá uma palavra do Parlamento e do Presidente da República. É algo sobre o qual nos vamos bater para que os princípios que defendemos fiquem aqui consagrados. Como explica este compasso de espera para a promulgação deste Acordo de mais de um ano, e que coincide agora com a entrada em vigor da lei da segurança nacional de Hong Kong? O Governo português pode revelar aqui alguma falta de estratégia na conclusão deste dossier de forma atempada? Não sei, tem de perguntar ao Governo. Mas a situação de Hong Kong tem evoluído de forma muito rápida e talvez de uma forma que não se previa. Uma série de Estados estão a pôr em causa os acordos assinados com Hong Kong e esse é um factor que tem dias. Não tenho a certeza de que possa haver uma ligação entre as duas situações. De qualquer das formas, acho que a situação de Hong Kong tem de fazer ponderar tudo o que existe hoje e que leva a que a OA se tenha pronunciado como se pronunciou. Isso é algo que tem de ser verificado porque o que se está a passar em Hong Kong suscita de facto alguma preocupação no quadro dos diversos países europeus e nos EUA. O Governo português deveria suspender o Acordo? O Acordo deveria, pelo menos, ser revisto de forma a esclarecer as coisas mais preocupantes. Apesar de ter havido uma assinatura, tem de haver uma ratificação, e por isso neste quadro a situação deveria ser revista. Não vou ao ponto de defender uma total suspensão, mas seria preferível que houvesse de facto um acautelamento das preocupações que existem e que foram expressas pela OA. Acho que ambas as partes, quer Portugal e RAEM, teriam a ganhar com essa situação até devido ao afastamento da comparação com Hong Kong, que não me parece que seja minimamente desejável. O Governo de Macau já referiu que há aspectos da lei da segurança nacional que necessitam de ser revistos ou reforçados. Teme esta revisão da lei? Esperamos que Macau, que tem tido uma relação com Portugal bastante grande neste âmbito, também acautele os padrões que nós temos e que pensamos serem comuns em termos de justiça e segurança. Quero crer que todas as posições que venham a ser tomadas em Macau estejam em conformidade com o património que partilhamos neste âmbito em termos de tutela das garantias e de defesa e protecção das pessoas. Não antecipamos nada em sentido contrário. Olhando para a situação de Hong Kong está em causa uma progressiva perda de autonomia e uma eventual violação da Declaração Conjunta? Não vou ao ponto de fazer essa avaliação. Mas o que temos visto é algo que, na perspectiva de existir uma jurisdição autónoma, de acordo com o quadro “um país, dois sistemas” que se manteve nas diversas declarações, estamos a ver uma aproximação muito grande a uma jurisdição que se está a afastar relativamente ao que era em termos de autonomia. Isso, a nível internacional, está a ser avaliado pelos diversos países e estas questões estão a ser colocadas relativamente aos acordos de extradição. Parece-me que seria preferível que se mantivesse essa autonomia, o que é uma garantia em relação a Hong Kong, a nível internacional e também para a própria posição da República Popular da China. Ter-se colocado a perspectiva de haver um período de transição de 50 anos, que começou em 1997, e que terminará em 2047, [significa que] ainda faltam 27 anos para haver uma aproximação grande como está a ocorrer já no âmbito deste sistema. Seria preferível, e até para o papel da China no mundo, que essas duas jurisdições mantivessem o período de transição que está previsto e que deveria ser respeitado. Pelo menos a nível internacional a imagem que está a dar é que existe uma certa antecipação, o que não me parece que seja adequado. A situação política em Hong Kong e o possível impacto em Macau estão a causar algum receio aos advogados portugueses em Macau? Nota uma maior vontade de regresso a Portugal ou maior receio do exercício da profissão no território? Não tenho notado nada disso. Os colegas de Macau com quem tenho falado estão perfeitamente integrados e bastante satisfeitos com o exercício da advocacia em Macau. Não temos visto nada, até agora, em que se coloque algum problema em termos do exercício da advocacia em Macau. E devo dizer que a situação em Macau não se compara minimamente com Hong Kong. Não nos parece que o quadro da advocacia em Macau, com base no que tenho contactado, nomeadamente com o presidente da Associação dos Advogados de Macau, [tenha sofrido alterações]. [É um quadro] bastante satisfatório. Não temos tido queixas algumas. Há vozes críticas por parte de alguns advogados da crescente erosão da autonomia, mas também do Estado de Direito em Macau. Qual a sua posição sobre isso? Espero que a situação de Hong Kong não seja vista como um precedente. A situação de Macau sempre foi tratada de forma muito distinta face a Hong Kong e o processo de transição também ocorreu de forma completamente distinta e com uma melhor relação entre a China e Portugal do que a relação que a China teve com o Reino Unido. Compreendo que a situação de Hong Kong possa ser vista como um precedente para Macau, mas desejo que isso não venha a acontecer. Alguns receios que se têm colocado relativamente a este Acordo de entrega justificam o facto de esperarmos que o património jurídico existente em Macau se mantenha durante 50 anos. Não vemos que haja justificação para esses receios, mas por isso é que pequenas coisas que não são correctas devem ser logo alvo de aviso, como é o caso deste Acordo. Portugal deveria ter defendido melhor neste Acordo o que são os princípios jurídicos essenciais relativamente ao que é o Direito português e que faz parte do património que temos em comum com Macau. Relativamente ao protocolo com a Associação dos Advogados de Macau, vai ser retomado no seu mandato? A nossa intenção é essa. Já falámos com o dr. Jorge Neto Valente que manifestou o máximo interesse para que haja uma renovação do protocolo que já existia, mas que esteve interrompido durante um longo período. Discutimos isso no Conselho Geral e temos o máximo interesse. É também uma forma de mantermos a nossa ligação em termos jurídicos com Macau onde neste momento existe ainda um grande património jurídico comum. Achamos que ambas as advocacias podem trabalhar em conjunto. Já há uma data concreta para que esse protocolo entre em vigor? Temos tido alguma dificuldade de comunicação devido à pandemia. Já tivemos várias reuniões, já me encontrei com o dr. Jorge Neto Valente aqui em Portugal e temos estado em contacto. O nosso Conselho Geral está também a discutir o protocolo e esperamos que muito brevemente ele possa ser retomado. Penso que é útil para ambas as partes. Há pontos que têm de ser alterados ou melhorados? Não estávamos insatisfeitos com o protocolo anterior. Há sempre melhorias a fazer e temos um grupo de colegas que estão a trabalhar nisso. Contamos que terminem esse trabalho muito brevemente para que o protocolo possa ser assinado. A OA pondera fazer protocolos com outras jurisdições? Há espaço para protocolos com a China, por exemplo? É algo que possamos sempre equacionar. Esses protocolos onde existe uma língua completamente distinta, como é o caso da China, podem ser mais difíceis de fazer, mas neste momento temos em debate um protocolo com a Ordem dos Advogados da Ucrânia. Estamos sempre disponíveis e se houvesse interesse da parte da Ordem dos Advogados chinesa essa proposta seria examinada.
Andreia Sofia Silva EntrevistaGuilherme Figueiredo, bastonário da Ordem dos Advogados: “Acordo foi celebrado com secretismo” Um dia antes de conversar com o HM, o bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, Guilherme Figueiredo, reuniu com Jorge Neto Valente, que lhe revelou preocupações quanto ao acordo sobre entrega de infractores em fuga assinado entre o território e Portugal. O bastonário diz que o acordo tem destinatários específicos e fala de possíveis “pedidos concorrentes” por parte de Macau e China. Quanto ao protocolo com Macau é para retomar no próximo mandato O acordo de entrega de infractores em fuga entre Portugal e Macau foi assinado em Maio. A Ordem dos Advogados (OA) foi consultada pelo Governo português? [dropcap]O[/dropcap] Governo não nos questionou sobre isso. Mas, para nós, a questão central é o acordo em si mesmo pelas razões que colocamos publicamente. Há matéria de natureza constitucional que nos parece que não deveria ter sido subscrita pelo Governo português, mas que por ventura terá acontecido por razões que a razão desconhece (risos). Razões políticas? Com certeza. Sabe que os corredores da acção política têm uma parte iluminada e uma parte obscura, de bastidores. E, portanto, é provável que tenha sido isso, mas não temos informação suficiente sobre o contexto. Este acordo foi celebrado com todo o secretismo entre a RAEM e Portugal e é o primeiro acordo de entrega de infractores em fuga que a RAEM conseguiu celebrar, de entre os três acordos que há anos anda a negociar entre a própria China e Hong Kong. Ele não é genérico nem abstracto, tem destinatários certos e a sua falta de definições e amplas possibilidades de interpretação prendem-se com a necessidade que a RAEM tem de formular rapidamente alguns pedidos de entrega. Além disso, podem ocorrer pedidos concorrentes, pois a China celebrou um acordo com Portugal sobre extradição. A RPC pode formular um pedido de extradição concorrente com o pedido de entrega da RAEM para a mesma pessoa, e que o pedido da RPC seja recusado, mas seja aceite o da RAEM. Mas, para a OA, seja qual for a relação de natureza política (para o estabelecimento deste acordo) há limites a isso, que são de natureza constitucional e que se prendem com os direitos, liberdades e garantias de cada cidadão. Foi nesse sentido que tomamos uma posição, porque estávamos a tomar conhecimento (do acordo) através de colegas que trabalham em Macau e que nos foram dando conhecimento do que se estava a passar. A OA também se pronunciou sobre a possibilidade de entrega à China de cidadãos portugueses com recurso a um “processo de cooperação especial em duas fases”. Sim. Há essa possibilidade sem que haja garantia de análise conjunta dos seus pressupostos. Isto significa que algum deles pode falhar numa das fases. O que isto pode determinar é que os pressupostos fundamentais para que possa ser entregue uma pessoa com a confiança absoluta do cumprimento das regras que se impõem a Portugal, do ponto de vista constitucional e dos direitos e garantias, possam não ocorrer em nenhuma das fases. Parece-nos que isto deveria estar muito bem concretizado e delimitado. Neste momento, do ponto de vista de advocacia de Macau, há uma preocupação generalizada relativamente a este acordo e por isso acho que pode ter havido aqui alguma precipitação ou a confiança de que as coisas não correrão da pior forma. A verdade é que a possibilidade de um facto, que antes não era considerado crime, mas que à data do pedido de entrega já o é, poder fundamentar um pedido de entrega da pessoa reclamada, já é violadora da nossa Constituição. Até diria mais: esta questão, que está na Constituição portuguesa, relativa ao princípio de proibição da aplicação da retroactividade da lei penal, menos favorável, é um princípio fundamental de todos os Estados de Direito. Se um acordo não acautela um princípio fundamental que é congénito aos próprios Estados de Direito, como é possível existir esta falha? Temos muita dificuldade em compreender isto. Há falhas que são muito, muito graves do ponto de vista dos direitos que assistem aos cidadãos. E acho que abre uma porta que pode criar problemas graves para os direitos das pessoas. Não conseguimos encontrar nada que pudesse justificar isto, bem pelo contrário. Não há, então, uma explicação por parte da OA para que o Ministério da Justiça português tenha aceite estas condições. O que pode justificar isto é exactamente o contrário. Isto é: as circunstâncias especiais que podem haver nas relações institucionais, políticas e diplomáticas entre ambos os lados é que deveriam justificar uma maior cautela. Quando se fala da possibilidade de serem levadas a cabo detenções provisórias, isso surpreende-nos pela maneira como está escrito. O que aqui é colocado dá-nos uma apreensão muito grande. Há a ideia de que pode, inclusive, haver outra questão, e essa já não está no nosso comunicado. Que é… A possibilidade de existir uma entrega de infractores que chegam a Macau e, a seguir, serem levados para a RPC. Parece-nos que isso não pode acontecer, pois as legislações são muito diferenciadas e todos sabemos que é preciso que um Estado tenha o mínimo possível de convergência com o Estado para onde manda as pessoas, e não podemos de forma nenhuma aligeirar esta matéria. O que se passa em Hong Kong é conhecido, mas vale a pena ter presente que o âmbito de aplicação da lei chinesa é inacreditavelmente amplo e aplica-se a actos praticados fora do território chinês por um não chinês. No limite, um português que, em Portugal, tenha usado de forma criativa a bandeira chinesa numa obra de arte, em termos considerados ofensivos ou desrespeitosos pela hierarquia chinesa, pode vir a ser acusado pela RPC de ter cometido um crime contra os símbolos nacionais. Coloca-se também a questão de este acordo não ter de ser aprovado pela Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República portuguesa. Há também a falta de definição rigorosa de certos termos e expressões para efeitos da aplicação do acordo. Já poderíamos ter tomado posição sobre isto, porque analisamos isto há muito tempo. O que sucedeu é que fomos recebendo informação dos colegas, e começámos a perceber que a situação estava a agravar-se. Recebeu avisos de colegas ou do próprio presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM)? De colegas. Da AAM apenas falei com o colega ontem (Jorge Neto Valente, presidente), porque ele veio cá falar comigo e mostrou-se também muito apreensivo sobre esta matéria. Congratulou-se com o comunicado da OA. Percebi que na sociedade de Macau há uma apreensão muito grande e que estavam à espera que sucedesse alguma coisa, que uma entidade tomasse uma posição sobre isto, na ausência de comunicado de outra entidade. Foi muito bem recebida a nossa comunicação. Que diligências estão a ser feitas para alterar ou suspender o acordo? No comunicado dizem que estão a contactar as autoridades. A OA não tem capacidade para mudar um acordo. Deveríamos ter, em algumas matérias, a possibilidade de levantar o problema da inconstitucionalidade, mas isso é algo que está a ser tratado por nós. O que está em causa é como podemos pressionar o Governo para que venha a rever isto, mas não sabemos quais são as possibilidades que o Governo tem para que isso aconteça. Este acordo tem diferenças face à proposta de lei da extradição de Hong Kong. Que comentário faz ao que se está a passar em Hong Kong? Teme consequências para Macau, a curto prazo? Aí entramos noutra área. É evidente que dentro do nosso enquadramento constitucional e do que entendemos que deve ser uma sociedade de Direito democrático não é complicado perceber o que o nosso entendimento determinaria. Claro que vemos com muita apreensão o que se está a passar, não só por causa de Macau, mas por causa de toda aquela região. Isto pode ter um efeito de dominó, mas, acima de tudo, preocupa-nos a acção que pode vir a ser feita contra aquilo que sucede, e aí preocupa-nos acções contra a liberdade de expressão, as garantias dos cidadãos. Estaremos atentos ao que se vai passando e tomaremos uma posição se for caso disso. O advogado Jorge Menezes publicou um artigo de opinião no Jornal Público onde defende que Portugal, através das suas entidades governamentais e não só, deveria dar mais atenção a Macau. Concorda? Claro que sim. Temos de estar mais atentos face a Macau e retomar uma ligação entre a OA e a AAM. Fala do protocolo na área da advocacia. Sim. Neste momento, há uma proposta da AAM dirigida a mim já há algum tempo, que visa adoptarmos um princípio de reciprocidade atípico. Em que sentido? O novo protocolo colocaria várias restrições, não seria aberto para ambos os lados, teria de haver aqui um princípio de proporcionalidade entre o número de advogados cá e lá. Para nós, isso não pode ser tratado isoladamente, terá de ser repensado ao nível dos países de língua portuguesa. As mesmas preocupações que Macau vem agora pedir para nós vermos justifica-se se, por ventura, se aplicassem num acordo entre Portugal e o Brasil, que é aberto e que nos tem trazido alguns problemas. Não podemos olhar apenas para Macau, mas sim num sentido mais vasto, dos países de língua portuguesa. Relativamente a Macau, há patamares que têm de ser bem pensados. Será que vamos andando assim, depois deixa de haver interesse e corta-se o protocolo? A OA quer, então, um acordo de longo prazo. Um acordo de longo prazo e o ideal seria que fosse homogéneo, pensado tendo em conta os países de língua portuguesa. No mundo haverá cinco milhões e meio de advogados, dos quais 1,5 milhões são portugueses. Não podemos esquecer a importância que isto tem e temos de reforçar os laços dos países de língua portuguesa no âmbito da advocacia. Macau tem hoje mais cursos de Direito, formam-se mais advogados bilingues. Continua a justificar-se a ida de advogados portugueses para o território? Há mercado para eles? Poderá haver um risco de saturação, não faço ideia, mas isso também existe em Portugal. Houve uma altura em que a AAM denunciou, unilateralmente, com efeitos imediatos, os protocolos sobre o direito de estabelecimento e os estágios, a inscrição e a transferência de advogados estagiários pela OA. Como é evidente, nessa altura havia vários advogados que estavam a ir para Macau. As circunstâncias do ponto de vista da história vão-se alterando, e este movimento agora parece ser ao contrário, em que os advogados querem vir para Portugal, e a AAM quer estabelecer outro acordo no sentido de abertura. Temos de ter cuidado com isto. Tenho uma convicção: vamos fazer o protocolo. Ainda dentro do seu mandato? Espero que seja dentro do meu mandato seguinte, se for eleito (as eleições são em Novembro). Mas o que espero mesmo é estabelecer um projecto de regulação do princípio da reciprocidade relativamente a todos os países de língua portuguesa. Temos de regular os estágios, o acesso à profissão, os advogados que já o são no seu país de origem e que depois vêm para cá. Vamos ver se faz sentido, por exemplo, chegarem e começar logo a advogar. A ideia não é exactamente essa, pois a experiência que temos com o Brasil não é boa. Temos de encontrar um grande consenso em vários níveis temporais. Portugal não deve ser encarado como uma porta aberta para a Europa, tem de haver reciprocidade. A Comissão Europeia lançou no passado dia 24 um relatório sobre branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e é referido o facto de alguns escritórios de advogados poderem, de certa forma, participar nestas actividades. A OA está preocupada com isto? Sim, e estamos tão preocupados que foi preparado um documento, que esteve para ir a votação na última assembleia-geral mas que só será votado na próxima, em Setembro. É um regulamento que prevê os pressupostos de trabalhos sobre a matéria dos procedimentos a adoptar quando os advogados participam (em processos) ao abrigo da directiva, sobre o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Temos acompanhado isso, fizemos negociações com várias entidades.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeFugitivos | Ordem dos Advogados defende que acordo com Macau é inconstitucional O acordo entre Macau e Portugal para a entrega de infractores em fuga viola princípios fundamentais da Constituição da República, segundo a Ordem dos Advogados portuguesa. A entidade defende que o documento não pode abrir a possibilidade de entrega de fugitivos à China [dropcap]A[/dropcap] Ordem dos Advogados portuguesa tem “fundadas e preocupantes reservas” sobre o acordo para a entrega de infractores em fuga assinado entre Portugal e Macau a 15 de Maio em Lisboa. A ideia foi deixada em comunicado na página electrónica do organismo na passada sexta feira. “Esse acordo suscita à Ordem dos Advogados fundadas e preocupantes reservas, por violar princípios fundamentais e estruturantes do nosso Direito Constitucional e Penal”, lê-se. Para a associação que representa os advogados portugueses, o acordo de extradição põe em causa o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal menos favorável previsto na Constituição da República Portuguesa. Desta forma o acordo assinado entre Macau e Portugal, permite que crimes que há data anterior ao pedido não eram ainda considerados, mas que o passaram a ser à data do pedido, passem a ser puníveis. Por outro lado, podem ainda ser entregues infractores em fuga “mesmo quando o crime relativamente ao qual a cooperação judiciária é pedida não contiver os mesmos elementos típicos dos quais depende a punição em Portugal”, refere a Ordem dos Advogados. A entidade presidida por Guilherme Figueiredo acrescenta ainda que esta possibilidade permite que a entrega seja efectuada por razões de investigação ou de processos pendentes no Estado Requerente mesmo que “tenham por objecto factos que não sejam crime em Portugal”. Para organismo de regulação profissional o acordo representa uma violação do princípio da legalidade criminal previsto também na Constituição da República. Retorno à pátria Para os profissionais de Portugal, levanta-se ainda a questão de a possibilidade dos fugitivos entregues a Macau poderem ser, posteriormente, entregues à China “através de um processo de cooperação especial em duas fases, e sem garantia de análise conjunta dos seus pressupostos”. Para sustentar este ponto a Ordem dos Advogados refere que o perigo reside na norma que prevê que as disposições do documento assinado entre Portugal e Macau “não prejudicarão os arranjos de entrega de infractores em fuga entre a RAEM e outras jurisdições da RPC”. Por estas razões, a Ordem dos Advogados reitera que “o acordo viola princípios constitucionais basilares ao nível da aplicação das leis penais e da restrição de direitos, liberdades e garantias”, garantindo que vai manter contacto com autoridades políticas e judiciárias, para que sejam tomadas as medidas para que a conformidade constitucional seja respeitada.