Carlos Morais José A outra face VozesOs muros improváveis [dropcap]C[/dropcap]onstroem-se muros por aí, um pouco por toda a parte, depois da época em que se deitavam abaixo e se proclamava o seu fim. O planeta comunica em barda, nunca se viajou tanto, mas as fronteiras aguçam os espinhos e não são rosas que esperam quem as pretende ignorar. Houve um tempo em que se sonhou o desaparecimento das paredes. Durante esse tempo fomos, no entanto, coleccionando tijolos e construindo muros improváveis entre nós. Cada tijolo, geralmente, porta um nome e sai do forno das pequenas frustrações que nos habituámos a não suportar. E também das grandes que derivam da falta de esperança e da desistência. Cada tijolo, singularmente, carrega um ódio, um travo amargo, uma cólera refreada. E fazemos esses muros entre nós sem dar por isso, nem perceber que os muros são a razão de nos doer a cabeça pois neles marramos continuamente, imbuídos de um prazer estranho, como se essas marradas construíssem a estrutura da nossa identidade, apesar de nos deixarem marcas e motivarem enxaquecas. Nos anos 70, saiu um álbum dos Pink Floyd sobre o muro que é construído à nossa volta pela sociedade, pela família, pela escola, pelas relações amorosas, etc.. No final, o indivíduo em questão acaba por se libertar e derrubar essa parede, inferindo que existe uma possibilidade de libertação/comunicação. Por campos de rosas e margaridas, enfrentando o sol nascente e o ciano insuportável do céu, parecia existir a possibilidade de voltar a respirar, ao modo do primeiro homem, e acreditar, ao modo da mulher primeva. Era, obviamente, mentira. Uma mentira piedosa. Hoje o muro constrói-se de dentro para fora e existe entre o que sou e o que tenho de ser, entre o que projecto e o que realmente edifico. E cada tijolo nesse muro porta um nome e carrega um inimigo que sou eu mesmo. É um muro feito de espelhos, onde deformado me contemplo e neles invento também quem me persegue e quem se levanta no meu caminho. Sou eu, contudo, que me revejo nas imperfeições dos outros. Como lhes poderia perdoar? Como não desfrutar desse alimento pútrido, como não chafurdar no chavascal de outras vidas? Depois, lá para finais dos anos 80, caiu o muro que dividia o mundo, que ficou uno e nós sem sabermos quem odiar. Foi coisa de pouco tempo pois os humanos demonstram uma capacidade assombrosa para a construção de muros. Erguem-nos numa noite como se os tivessem desmontados num recanto da casa, prontos a servir, capazes de suster as enxurradas. E, caso falte algum tijolo, há sempre alguns à mão por aí que servem muito bem. Pouco importa, no entanto, a sua verdadeira função. A mera existência é o que realmente interessa. O meu muro é mais bonito que o teu, mais glorioso e flamejante. Olha para ele. Sente-lhe a superfície rugosa, a solidez destes tijolos inchados de convicções, cimentados por uma sincera teimosia, uma calma aleivosia. Contempla, aí de baixo, a sua extrema altura, o modo olímpico como quase toca o tal ciano do céu. Aquilata-lhe a grossura das paredes e imagina o quanto seria preciso para o derrubar. Agora encosta o ouvido e escuta atentamente. Ouves os gritos, os gemidos, os suspiros, os soluços? É a banda sonora deste muro. Sim, dá-se, de quando em vez, por um silêncio, um vazio e diz-se que por esses espaços circulam outros sons, mas ninguém tem a certeza de nada. São, com certeza, um risco para a permanência do muro. Eventualmente, diluirão a sua consistência e dele farão uma ruína. Quantos muros deixámos para trás nas nossas vidas? É curiosa esta incessante actividade de construção de muros. Aparentemente, não podemos passar sem eles. Sendo uma espécie profundamente gregária, parece que não sobrevivemos sem excluir, sem negar ou emparedar. Seja aos outros ou a nós próprios. Karel Capek falava de um bicho cuja habilidade suprema consistia em construir muros, barreiras, paredes. Ao que parece não se referia às salamandras.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteGrafiti | Macau ainda tem muito caminho para andar Reabilitar edifícios devolutos com cores e imagens. Dar voz aos artistas que usam o grafiti para transformar Macau numa região mais actual, mais interventiva e mais bonita. Deixar que a arte urbana invada a RAEM e assim acompanhar tendências internacionais na diversificação cultural. Estas são as premissas que poderiam fazer da Macau uma casa para o grafiti, uma solução para as paredes abandonadas e um chamariz para o turismo [dropcap style=’circle’]E[/dropcap] se Macau fosse uma galeria a céu aberto à semelhança de projectos que já se fazem um pouco por todo o mundo? O grafiti tem sido o rei na lavagem de cara de muitos espaços públicos e privados um pouco por todo o lado. A arte urbana passou de marginal a acarinhada não só pelos seus criadores como por um público que cada vez mais a aprecia. Viajar para ir a estes novos “museus” já consta dos planos de muitos e alguns já fazem parte dos roteiros mais apreciados. Em Macau o aproveitamento de espaços antigos devolutos para a criação, nomeadamente para obras em grafiti, também é assunto que não passa despercebido. São interessados os criadores locais, a população e mesmo os deputados. Ainda esta semana o tema foi mote de interpelação por parte da Angela Leong. A deputada interpela o governo precisamente acerca da criação de uma zona para grafiti nos bairros antigos enquanto atracção turística e cultural. No que respeita ao património público o Instituto Para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) disse ao HM que terá tido um espaço dedicado a este género de arte na Rua dos Mercadores, num espaço alugado. No entanto e após a devolução ao respectivo proprietário o espaço estaria destinado a outros fins de foro privado e como tal não poderia interferir. É hoje um parque de estacionamento. Salientou ainda que sem autorização ninguém pode interferir no espaço público sob risco de ser acusado de vandalismo. O crime que representa a possível utilização de espaço para o grafiti é corroborado pela Polícia de Segurança Pública que confirma ao HM que o acto é classificado de Dano Qualificado, incorrendo a pena de multa ou prisão. Quanto ao aproveitamento artístico de espaços, o IACM afirma que não será da sua tutela, remetendo a responsabilidade para o Instituto Cultural (IC). O IC adianta que está empenhado na promoção das diferentes formas artísticas na RAEM salientando a recente criação de uma zona especial de exposições no lago Nam Van para a qual convidou a equipa de artistas locais GANTZ5 Crew para realizar um trabalho entre Maio e Junho integrado na iniciativa “Anim’Arte NAM VAN”. Não adianta, no entanto, qualquer outra informação sobre a reutilização de mais espaços para promoção do grafiti. Colectivo local A GANTZ5 Crew é o colectivo de artistas locais que se dedica ao grafiti na RAEM. Pat Lam que assina como PIBZ é um dos membros da Crew e começou a pintar paredes em 1999. Para o artista, é “como dar um presente à cidade”. O colectivo já tem trabalhos espalhados por Macau e para Pat, actualmente é mais fácil pintar grafiti, lembrando as detenções e os problemas com as autoridades por que já passou. Para o artista o grafiti traria a Macau uma atenção especial. Salienta ainda a sua importância no alerta para os edifícios mais antigos e em mau estado enquanto pensa na “reabilitação” artística, mesmo que temporária dos mesmos. Pat afirma ainda a falta de espaços para pintar e relembra o projecto que animou a Rua dos Mercadores e a sua importância, lamentando o fim do mesmo, sem continuidade ou alternativa. A utilização das zonas mais antigas de Macau é ainda considerada uma mais valia tanto cultural como promotora de mais visitantes à região. Fica a questão dee porque é que a RAEM não promove o grafiti enquanto cartão de visita turístico ao mesmo tempo que dá “outro ar” à “baixa” da cidade. Por esse mundo fora O grafiti tem vindo a sair dos subúrbios urbanos onde nasceu enquanto arte marginal, de intervenção e reflexão social, e tem vindo a ocupar o coração das grandes cidades. O fenómeno é visível um pouco por todo o mundo e os seus protagonistas cada vez mais destacados internacionalmente. Há cidades pelo mundo fora que são já são denominadas “amigas do grafiti”. Lisboa por exemplo, é uma delas tendo registado nos últimos anos um elevado aumento de turistas para visitar as suas paredes pintadas. Na Europa é já tida como a capital do grafiti. Também a Ásia tem vários exemplos entre os quais se destaca Kaosiung em Taiwan onde o governo tem vindo a expandir cada vez mais os espaços para que os artistas possam pintar legalmente. O governo local deu andamento à legalização do que chama de arte pública e com um espaço mais alargado de tela urbana, promove não só os artistas locais como cativa talentos de fora. Kaosiung é agora também um destino para uma vaga de visitantes que à semelhança de Lisboa procuram mais oferta no designado turismo cultural. A movimentada Shibuya em Tóquio ou o não menos conhecido Soho de Hong Kong não são excepção e já contam com espaços assinados por artistas internacionalmente reconhecidos como Space Invader, Titi Freak, ou do português Vhils. Alexandre Farto, também conhecido por Vhils foi um dos nomes do ano passado referido pela revista Forbes enquanto talento português e o já consagrado e ainda anónimo Banksy que chama tantos a conhecer as paredes que vai pintando, esteve nos nomeados às 100 pessoas mais influentes do mundo da Time em 2010.