João Luz VozesA mediocridade [dropcap]I[/dropcap]sto é uma carta de amor duro, implacável, sem pudor nos adjectivos, liberta de amarras, ébria de paixão violenta. A coincidência temporal entre o tema desta crónica e a apresentação das LAG não é obra do acaso. Ainda assim, não se esgota no vazio político que marca a actualidade, nem na ineptidão das mais altas esferas decisórias em responder com gestão eficaz aos mais banais desafios de administração. A mediocridade é o prato do dia nesta cidade. Esqueçam o minchi e os pseudo-pastéis de nata. E não pensem que me excluo dela, ou que me coloco num pedestal que paira acima da mediania. Não. Faço parte dela, como todos nós, atolados até ao pescoço. Este débil manifesto vai além da falta de tesão política de um sistema que se encerra na fraqueza, na total ausência de autoridade para decidir, além das hienas autocráticas que tudo querem controlar para agradar ao poder superior. Só os monstros que encaram o homem livre como uma ideia insuportável se elevam neste lamaçal. Raros são os lótus que florescem neste lodo, facilmente pisados por homens sem espinha dorsal, que venderiam a mãe em troca de um afago de uma mão carregada de anéis. A subserviência anda de mãos dadas com a mediocridade. A falsa modéstia é o reverso da medalha. Macau tem uma concentração record de autoproclamados génios per capita, um rácio sobrenatural. Isto numa cidade onde pessoas com educação superior não sabem muito bem quem foi Hitler, Elvis, Beethoven (Ludwig van, na designação predilecta de Alex DeLarge). Que nunca ouviram falar no Massacre de Tiananmen, no Cartel de Medellin, na decadência moderna de Baudelaire, do Império Romano. Que têm uma vaga ideia sonhada em propaganda acerca do grande salto, mas não fazem ideia o que foi a grande fome. Tudo informação que está à distância de um click. Em Macau temos Google. Portanto, estas LAG são perfeitas para Macau. Mão e luva. Como é óbvio, não haverá Lei Sindical, porque o socialismo de características chinesas é irmão siamês do capitalismo mais selvagem, que devora operários como se fossem cerejas. Uma espécie de bicefalia ideológica. Mais depressa se defende a despudorada especulação imobiliária e grupos de crime organizado, que trabalhadores que deviam ser a prioridade absoluta de um sistema socialista. Tudo é permitido porque não há qualquer noção do que é o socialismo. Como tentar explicar o que é a cor vermelha a um cego? Esta falta de apego a conceitos, nomeadamente políticos, faz com que um Governo possa limitar-se a dizer que vai fazer coisas boas, jogar uma mão cheia de patacas para cima da mesa e o dia prossegue como se nada fosse. Assim se compra complacência e paz, porque tudo tem um preço. É por isso que faz sentido que Kenny G cá venha, que Celine Dion seja herdeira natural ao trono insuflável do Cotai. É natural que a cidade se desdobre em mil artistas, cada um mais sensível que o outro, que nunca vão conseguir passar dos limites acolhedores dos 30 quilómetros quadrados. Mesmo que passem das Portas do Cerco, essa migração será feita graças ao alcance longo do cordão umbilical que os prende à morna placenta de Macau. Não é de estranhar que os justiceiros sociais e críticos do surrealismo político se escondam atrás de teclados e trocadilhos, jogos de palavras com meios entendidos, por temerem repercussões profissionais. Toda a gente trabalha para o Governo, ou depende do Governo para trabalhar. Como tal, a coragem de quem denuncia e não tem papas na língua fica-se pela cobardia de meias palavras ditas em surdina em caixas de comentários de redes sociais. Estas LAG também são para vocês. Volto a frisar que esta carta é de amor, escrita com o intuito de trazer à tona o que de melhor se faz em Macau e os autênticos tesouros humanos que cá vivem. Mas temos de aprender a encarar espelho e ver as nossas fraquezas com coragem. Aprender com elas para as podermos superar. Aprender com elas para podermos exigir mais e melhor a quem nos governa.