João Luz Grande Plano MancheteDSSOPT | Maquetas de AL e Tribunais Superiores perdidas sem restituição ao autor As maquetas dos edifícios da Assembleia Legislativa e dos Tribunais Superiores, declaradas à guarda das Obras Públicas desde 2001, desapareceram do armazém de depósito na Areia Preta. O caso, que se estende há mais de duas décadas, motivou uma denúncia ao Comissariado contra a Corrupção contra Li Canfeng e Chan Pou Ha Em 2001, depois de construídos os edifícios da Assembleia Legislativa e dos Tribunais Superiores, o arquitecto responsável pelos projectos pediu à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), à altura liderada por Jaime Roberto Carion, a devolução das maquetas dos edifícios. Um pedido legitimado pela lei de direito de autor que estabelece que “logo que se mostrem desnecessários, devem ser restituídos ao autor os objectos que serviram de modelo e qualquer outro elemento que tenha servido de base à reprodução”. Porém, Jaime Carion respondeu negativamente à pretensão do arquitecto Mário Duarte Duque argumentando que “por interesse da Administração as maquetas permanecerão à guarda da entidade Adjudicante”, ou seja, a DSSOPT. As maquetas em questão estiveram inclusive expostas no Pavilhão de Macau na Expo 98 em Lisboa, mas voltaram ao território no fim do evento. Volvidos vários anos, em 2017, sem verificar que as maquetas eram usadas para uma finalidade concreta ou útil como, por exemplo, integradas num acervo documental organizado, o arquitecto voltou a solicitar a devolução ao novo director das Obras Públicas Li Canfeng, que actualmente está detido por suspeitas dos crimes de abuso de poder, corrupção passiva, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. A resposta foi dada pelo chefe do departamento de edificações públicas. “Do nosso arquivo, não se encontra as referidas maquetas dos dois projectos.” Importa referir que a execução custou, à altura, 35 mil patacas, por cada maqueta. Ao preço de hoje, ambas têm um valor estimado que se aproxima das 300 mil patacas. Ainda assim, o autor não pede para ser ressarcido, mas antes que os serviços repliquem as maquetas e as restituam “devido ao inegável valor que possuem”. “A DSSOPT não está autorizada a delas se descartar, muito menos quando as declara à sua guarda. Antes as deve conservar, e não as guardar a monte, como efectivamente faz, mesmo depois de avisada de que deve guardar todo o seu arquivo com carácter de permanência, tendo em vista a gestão administrativa, a salvaguarda de situações jurídicas, bem como contribuir para o progresso dos conhecimentos científicos, históricos e culturais”, afirmou Mário Duarte Duque ao HM. Kafka e os processos Após nova recusa a um pedido para busca ao armazém da Areia Preta, inclusive com o arquitecto a disponibilizar-se para ajudar no processo, o passo seguinte foi levar o caso para a justiça. Assim sendo, em Julho de 2017, Mário Duarte Duque apresentou queixa ao Ministério Público (MP) pelos crimes de “furto qualificado, crime de abuso de confiança e crime de destruição de objectos colocados sob o poder público”. O MP reconheceu que, de facto, as maquetas se perderam enquanto se encontravam sob a guarda da DSSOPT. “No entanto, tendo em conta que os factos ocorreram há muito tempo e que a Direcção apenas iniciou o registo dos objectos depositados nos armazéns, a partir do ano 2015, não é possível apurar quando é que desapareceram as referidas duas miniaturas e a sua causa, bem como se existem ou não elementos criminais nos factos.” Estes foram os fundamentos invocados pelo MP para justificar o despacho de arquivamento. O caso levou ainda à denúncia ao Comissariado contra a Corrupção (CCAC) contra dois ex-dirigentes da DSSOPT, Li Canfeng e Chan Pou Ha, por “negligência no exercício das funções, que os responsáveis dos serviços do Governo deveriam assumir”, assim como a dois quadros do departamento jurídico por “reporte falso do que efectivamente se encontra plasmado na doutrina jurídica, que serviu de suporte às decisões daqueles dirigentes. Nesta queixa, Mário Duarte Duque pretende que seja “averiguada a responsabilidade pelo extravio de elementos de arquivo que se encontravam à guarda da DSSOPT, bem como o zelo e interesse por parte dos funcionários no que se prende com o acervo documental que a DSSOPT reúne”. Zelo que descende do exemplo que vem de cima, infere o arquitecto. “Efectivamente, a DSSOPT não tem tido dirigentes capazes de assegurar e reforçar a cultura administrativa que importa à especialidade funcional daquele órgão”, afirmou ao HM Mário Duarte Duque. A doutrina diverge A denúncia ao CCAC inclui um volte-face argumentativo da Administração, através do departamento jurídico da DSSOPT, que, face à embrulhada, argumentou que as maquetas eram propriedade da RAEM e que, como tal, os serviços teriam todo o direito a desfazerem-se delas. Argumento que o queixoso considera violar o regime legal dos direitos autorais. Além disso, Mário Duarte Duque imputa má-fé à DSSOPT por entender que o departamento jurídico se suportou em “reporte falseado” de doutrina “que se encontra disseminada em acórdãos judiciais da República Portuguesa”. O argumento é que as maquetas não estão abrangidas pelos direitos de autor por serem meros objectos de suporte da “coisa incorpórea”, que no fundo constitui o projecto. “É fundamental a distinção, que neste artigo se estabelece, entre a obra em si e o respectivo suporte ou corpus mechanicum. A propriedade deste não confere quaisquer direitos sobre aquela, nem a autoria da obra os confere sobre as coisas materiais – maquetas – que lhe servem de suporte e veículo de comunicação”, justificou o departamento jurídico da DSSOPT, citando o livro “Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos”, do jurista Luiz Francisco Rebello. Porém, o arquitecto consultou o mesmo livro e verificou que onde a DSSOPT escreveu “maquetas”, Luiz Francisco Rebello escrevera “o livro, o disco, o filme”. Acto que Mário Duque Duarte considera não apenas de imperícia, como entende consubstanciar um comportamento de manifesta má-fé. “Nessa cultura administrativa, se o recurso à disciplina jurídica em actos administrativos serve menos para mitigar actos de governação e mais para resguardo dos agentes, as questões hão-de sempre laborar em territórios de fácil ignição”, comentou. A respeito do valor ou do interesse documental da maquetas em causa que determinasse a sua reconstrução nenhuma consideração foi emanada pela DSSOPT.