Casa Garden | Exposição atravessa meio milénio de cartografia de Macau

A exposição “Mapamorphosis: 500 Anos de Cartografia” abre amanhã portas ao público na Casa Garden. A mostra que partiu do conceito de Marco Rizzolio, com curadoria de Pedro Luz documenta a transformação e expansão da cidade através de um conjunto de mapas e elementos multimédia. A inauguração da exposição será acompanhada por um seminário

 

Se cinco anos fazem diferente, imagina-se o impacto de cinco séculos na evolução do tecido urbano de uma cidade de confluências de culturas como Macau? Esta metamorfose está na génese da exposição “Mapamorphosis: 500 Anos de Cartografia e Desenvolvimento Económico de Macau”, que é inaugurada amanhã, às 18h30, na Casa Garden.

A mostra, organizada pela Associação Cultural 10 Marias e a Fundação Oriente, partiu da ideia de Marco Rizzolio e conta com a curadoria e direcção multimédia de Pedro Luz.

A exposição assinala a transformação geográfica de Macau ao longo dos séculos através de uma colecção de mapas de diversas fontes, permitindo-nos simultaneamente visualizar o crescimento urbano e o desenvolvimento socioeconómico de Macau.

“Na era pré-colonial, a área de Macau estava reduzida a uns meros três quilómetros quadrados, o seu processo de expansão deu-se, a partir do século XVI, com o estabelecimento dos portugueses e a ‘conquista’ de território. Durante a segunda metade do século XX, a área terrestre de Macau aumentou aceleradamente, passando de 15 quilómetros quadrados em 1972 para 21 em 1994. Hoje, a área terrestre é aproximadamente de 32 quilómetros quadrados com uma população de cerca de 680 mil habitantes, fazendo com que Macau seja uma das cidades do mundo com maior densidade populacional”, é destacado pela organização.

 

Imagens e ideias

A organização do evento indica que a mostra terá como base o “importante acervo cartográfico de Macau com manifesto interesse pedagógico e didáctico, com o uso das novas tecnologias”.

Nesse sentido, a evolução geográfica da cidade e a sua consequente expansão territorial pode ser testemunhada através dos vários mapas que vão estar expostos na Casa Garden, mas também através de um vídeo da autoria de Pedro Luz que será projectado no espaço da exposição. A “projecção videográfica, com base em cartografias, mapas e imagens satélites promove o conhecimento da geografia de Macau e divulga o seu desenvolvimento histórico e económico, de forma interativa e informativa”, acrescenta a nota da Associação Cultural 10 Marias.

Além dos elementos visuais, a inauguração da mostra será acompanhada de um seminário sobre desenvolvimento económico e urbanístico de Macau, amanhã às 18h30 na Casa Garden, que terá como convidados Priscilla Roberts, Nuno Soares, Marco Caboara e José Sales Marques.

“Mapamorphosis: 500 Anos de Cartografia e Desenvolvimento Económico de Macau” estará patente ao público até 17 de Março e a entrada é livre.

5 Fev 2024

Todos os mapas vão dar ao destino

Metro, Lisboa, 13 Novembro

 

[dropcap]A[/dropcap]li por alturas do Rossio tudo me desapareceu menos as lágrimas não devia ter sido em dia treze para brutos que nem nós desacreditando nas superstições rindo ainda que conservando pedra de desconfiança no sapato que las hay las hay nosotros que enfrentamos mistérios saltando sobre eles com o pára-quedas da inteligência e da desconfiança mesmo deixando aberta a janela tem um canivete e o bombeiro perguntava com calma tão parva quanto a pergunta e de súbito a porta ao lado a de velho serviços neonizou-se qual entrada veloz de cabaré a porta desfeita chão ruído e vermelhos equipados e brancos e até azuis-celeste por que raio deve a polícia vestir o céu dançando de rompante mano o chão feito planície fria e infinda o eco do mano a brilhar nos teus olhos a procurar outro território menos frio respondendo à graça deslocada com sporting dentro fagulha de entendimento sem ninguém aceitar que se sentia o sopro daquela que deles se alimenta fugia-te o dia da semana mas não o nome sempre completo e fardado todos os dias fugiam debaixo dos nossos pés o chão mano e olhas com a mão esquerda procurando a que te desobedecia e as perguntas e o exército inteiro a sugerir isto e aquilo e hospitais nosotros agarrados à alegria de respirares chovia a dos tolos tantos carros e luzes e sons por ti provocados quando querias discrição silêncios feitos tranquilidade bálsamo da raiva contra a bruta injustiça a impotência saltando com o pára-quedas da inteligência a falhar o oxigénio a gastar-se e a descompreendermos o tecido do possível a desejares coreografia romântica de final em tons de branco o lençol monta uma dignidade mínima e da cor da maca sobre a qual aceitas as orientações rendes-te a novas hierarquias sem patente óbvia deixas-te ir sob a chuva de tolos a coreografia dos gestos em câmara demasiado lenta que mais tarde quereremos esconder mais as preparações a triagem os exames e as seringas e o que não vemos mais a vontade evaporando o chão mano telefonemas de longe a família alargando-se em vasos oxigenando os cuidados não ris estás por fim o doente que não querias nunca ser uma bandeira sobre ataúde de formas macias ainda não o pressentíamos apesar de tudo apesar dos pesares trouxeste do sul a morena alegria de estar à mesa de contar histórias e alimentar indignações tanto sabias que nenhum nome te escapava construías pontes a cada conversa ligavas por fios cada membro das famílias dos podres poderes e segredos antecipavas escândalos mais para o recente quando o entorno se desagregava homens maduros soltaram lágrimas convulsivas no meu ombro tocaste tantos com generosidade fértil outros te foram falhando mas carregaste forno fogão capaz de cozinhar vanguardas soubera eu então que antecipava recentes apetites mano o chão feito céu forma nuvens esse derradeiro que não adivinhávamos futuro feito presente desfeito aprendeste a múltipla combinação dos sabores que apuraste desde essa inusitada vez que mulheres e filha gastavam noite em hospital enquanto nos perdíamos em refeição e palavra nas quais se resume a passagem por dias talvez curtos que me faltaram para te entender que algo ficou por alinhavar dureza de uns e alegria de outros momentos dançando ao redor desenhando contornos desenhados à mão no nada no céu negro havia lua havia branco na palavra urgências haverá sempre o teu riso rasgando céus e um gesto de mãos ágeis um peito a dizer parede um olhar parceiro chão mano por que raio o chão as campainhas a tocar tarde sem respeitar as convenções sempre foi assim sempre será a memória de dedo na beira da porta a mandar abrir para discutirmos sem concordância possível a mais saborosa das discordâncias não fui ao Lobito contigo fui tantas vezes ao Lobito contigo acreditavas que as minhas palavras poderiam ser chão esticando a distância e mergulhando fundo contraindo-se ou estendendo horizontes abracei-te feliz tantas as vezes no casamento que foi esperança trouxeste-me no braço no colo a tua irmã enquanto a miúda azamboava ainda sem birra a miúda em Praga de azul com a avó as mudanças a dança e a dança das casas e o mar os barcos que nunca te satisfizeram os mapas que amavas e teimavas que captasse cada detalhe da geometria ainda ontem te liguei para te entusiasmar com mapa que o Tubarão da Brandoa acabava de resgatar ao pó do esquecimento o chão mano por que raio o chão frio os pulmões a arder a mansidão esculpida nos lábios última imagem para esquecer o teu olhar sem latitude nem longitude nunca fomos ao Lobito mas tatuámos Alentejo na pele toda deste-me a mão ágil a esquerda e disseste no intervalo de navalha tem canivete estou fodido não perguntavas nem afirmavas talvez te conformasses estou fodido olhando-me a lua brilhava e não merecias aquele corredor de campanha a inteligência ardia e as minhas lágrimas serviam de pouco onde descarrilaram as linhas do destino não fui ao sul contigo mas desenhámos mapas com os nossos passos bebi do teu entusiamo a servir uma ideia uma réstia que fosse uma razão que alimentasse a fogueira de certa maneira de erguer corpo em uníssono em grupo nunca deixaste de me oferecer música e mesa de abrir a porta o telemóvel lá dentro a tocar tem um canivete a chave na porta a lua esta porta cede merecias uma mão novo projecto para além das geografias das seguranças das defesas das estratégias falhámos-te ficámos a dever-te a empresa onde te cumprires tu que colocavas as ideias sobre arame de funâmbulo a iluminar possibilidades um saber ágil que não sei dizer não sairá daqui retrato nenhum ziguezagueaste nos múltiplos amparos e nenhum te devolveu a possibilidade tantas curvas na derradeira viagem o dia caindo chuva de tolos a dança no miolo do socorro motorizado os médicos perguntando sem um brilho de inteligência sabendo tu quanto havia por saber acerca dela a que se alimenta do bafo não devia ter sido a treze aprendi a soletrar família de mil maneiras contigo assim o mar a desfazer-se vezes sem conta a pedir atenção e a devolver milhentas maneiras vou voltar-me de súbito ver-te em cada instante a esbanjar orgulho as casas de portas abertas o aroma do café os copos os inesgotáveis serviços de peças partidas e prestes a quebrar o caril a perfumar as palavras para prazer de novo o movediço intervalo entre engenhoso previsto para a nação e um sentido gritante do indivíduo um sabre oferecido a bússola perdida a raiva do incumprido em lume brando além da iniquidade do mal que nos possui que nos risca os mapas o chão

20 Nov 2019

Da audição dos mapas

Metro, Lisboa, 20 Junho

 

[dropcap]G[/dropcap]ostava de o ter lido em Sines, por coisas que nada mudariam. «parágrafo único: salvar da/ devastação. Nomear… objectivar/ o Mundo, prendendo-o por/ liames decentes, ligaduras.» Os mapas só se mexem quando bastamente dobrados, encolhendo-se nos bolsos, recolhendo dos restos, cotão e agrafo, saliva e fiapo de pano, maneiras de reorganizar o horizonte. Anotemos as coordenadas: «Al Berto: A Busca. A Solidão, A Morte. E Sempre este Nosso Idioma [cartas inéditas e outras raridades, transcrição quase diplomática anotada por Paulo da Costa Domingos] (ed. viúva frenesi)». Atirado às feras leitoras para assinalar os setenta e um anos de Al Berto, esta compilação ergue-se testemunho de época, de grupo, até de geografias (coincidentes na santa catarina, quinta e bairro, ambas tornadas vizinhança), mas sobretudo de encontros. Ninguém como o Paulo para dizer política quando afirma o íntimo. Na literatice de hoje respira-se ambiente tóxico, com uma intimidade a ser castigada parvamente apenas por pertencer aos outros, quando se incensa esta tão só por pertencer aos nossos, ainda que os nossos durem fósforo antes de passarem a outros. Neste opúsculo acontece planta que dura um dia, ou antes efêmero insecto, ou, melhor, a extrema combinação de ambos: em torno de versos e sua leitura livre desponta uma amizade que floresceu de mil maneiras antes da morte a cercear. «Dias retorcidos a ferro, alguns com a suavidade/ do tweed, ou em lamúrias de sangue/ mal drogado pelas veias, e depois o tal regresso/ ao noticiário, ao mito, à museologia.» Insisto, só o Paulo para fazer da navalha algo que nos apeteça beijar.

Antena 2, Lisboa, 28 Junho

Estranho que a morada de um alcatifado silêncio, mesmo por entre as frases dos que falam, sejam os estúdios da rádio. O vermelho luminoso dos «No Ar», dentro por extenso, fora apenas no sonoro vermelho, impõem o respeito devido ao normal funcionamento da mais desabrida curiosidade. No corredor, sussurrados, no aquário, tudo se faz possível – ei-lo, o doméstico animal que cruza idealizado com concreto, bruto que às vezes morde, outras se aconchega para ser a pedir carícias. (Parece gato, assim descrito, mas não nos deixamos enganar).

Encontro-me, por acidente e na vez do exterior do vidro duplo, no miolo-estúdio do Paulo [Alves Guerra], enquanto este descasca camadas ao Levi [Condinho]. Assisto, na primeira fila, ao espectáculo em vias de extinção da esclarecida curiosidade: o jornalista a sobrevoar que nem vespa o maduro entrevistado em floresta de memórias e papéis e cd’s e o mais que nos vai ajudando a ser nas obsessões e outras identidades, picando nas carapaças, nas timidezes, nas agendas do que não posso deixar de dizer, até que os voos os soltam a ponto de apenas ser.

Para os ouvintes. Dou por mim a pensar que a rádio alarga o especto do silêncio, tal o humano faz à alma, que só ela sabe ser toda em si. Rodo o botão e sintonizo o Filipe Pires do «Canto Ecuménico», e o metal que se dobra de sonora maneira «Para vos falar de toda essa música do Universo/do Universo conhecido e criado na (tua) alma de barro eu digo miosótis…» e estendendo-se até «extensas palpitantes águas». Mas podia apanhar o Mahler em que concordámos, quando chamado à conversa, quando devia a escolha ser um dos jazz. Para sermos, precisamos de rios tornados próximos pela sede e pelo mergulho, nos quais aprender a dança e o detalhe da letra e da melodia.

A mesa do almoço acrescenta alguém que vem confirmar os meus laços ao Oeste, o das míticas ressonâncias. Fazendo contas de cabeça, cóbois só dois ou três, o Henrique [Manuel Bento Fialho], o João [Nazário] e, além dos que me escapam, este que agora se ajunta, o Bernardo [Trindade], mestre do laço laçado aos mais brutos animais. (Não vislumbro nem índios nem índias, por agora). O pudor, mais pela lamechice do que pela bruteza, não permite descrever o que aqui aconteceu em torno de Alcobaça e seus mosteiros, altaneiros ou rasteiros, o passado e suas estreitezas, o presente e suas possibilidades. A minha memória diz oboé, diz mamas, diz vanguarda, diz liberdade, tudo com anos de diferença e dores distintas. Falámos, como se ali estivesse, de Tarcísio Trindade, por estas e outras tantas razões: «Doze marcos quilométricos brancos/Actualizam a paisagem// Estáticos na berma da estrada/Ornamentam o itinerário da viagem». Paulo, bota aí Arnold Schönberg, só porque sim e por ser título do poema-mesa onde nos espelhamos, que lemos, no qual viajamos.

Artes e Letras, Óbidos, 29 Junho

A palma da mão marcava linha em direcção às míticas poltronas, cadeirões, maples que se fazem centro de um universo forrado a lombadas, imagens-fortes, restos de viagens e mapas, dos absolutamente irrequietos. O Luís [Gomes] mudou-se de armas e bagagens – as segundas já descritas, tomando por primeiras os caracteres de chumbo e demais ajudantes de pôr tinta no papel – para o Oeste. Convém distância do centro a certas artes, as de mastigar mistérios como as criar modos de viajar no desconhecido. Agora que nos perdemos nisto da rede, custa mais perceber que cada livraria, em o sendo, se deixa fazer igual às outras. Uma livraria, mais ainda a de fundos, e portanto agravada no caso dos alfarrabistas, ganha o feitio, o recorte, o perfil de quem a alimenta. Em boa verdade, desta ao quilo, que não a engano, freguesa, aplica-se a qualquer comerciante, um vedor de necessidades. Nisto, sinto-me em casa, só de estar por perto da máscara do astrolábio, dos tchokwe, da bússola do colonialista, do velhíssimo símbolo da fertilidade, daquela carta marítima onde os destinos confluem, do cavalo em madeirame parvamente calmo, quando devia ser baleia a esmagar-nos. Trouxe o mobiliário à colação, mas o essencial reside na conversa, no percurso único, no saber disperso e marinheiro, na presença do Luís, o único capaz de trazer o mar e por inteiro às bordas do castelo.

Alfa Pendular, algures, 6 Julho

Aguardo o momento em que escreva desço a norte, mas não será desta. Projecto comum faz-me subir a Campanhã com o Luiz [Pires dos Reys], que não carecia de pôr y no nome para agravar afinydades. Logo ali na estação, um dos seus autores, Côta Seixas, confessa-se-me devedor de um vinho caseiro, dos de gosto mal-educado. A memória não me ajuda nunca, estou a quase a abdicar da dita, ou pelo menos a castigá-la (não me lembro de como o fazer). Tinha o acontecido raízes nas Correntes da Póvoa. Haja quem faça contabilidade dos encontros e das conversas. Celebro a coincidência de livro na mão, este «Fabulário Amoral de Fauna & Flora» (ed. Edições Sem Nome), pequena colectânea de deliciosas absurdezas, ilustradas por Tiago Seixas, que desenha sobre a quadrícula das latitudes e longitudes. A que esta página contém ilustra o micro-conto «Rosa dos Ventos», que fala da convivência carnal entre as estações. Mas para ilustrar a delícia de desfazer quilómetros no vidro da janela do comboio trago «Adrede». «Por não ouvir, um surdo pede a um absurdo que, por escrito, lhe diga quem é.

Com caneta permanente, de tinta extinta, o absurdo que não houve responde ao surdo que não ouve:

– sou tudo o que há e não existe, o princípio do nada, o fim do infinito.”

10 Jul 2019