Hoje Macau EntrevistaFilha de ex-presidente de Angola diz querer continuar legado do pai [dropcap]A[/dropcap] deputada do MPLA e filha do ex-Presidente angolano, ‘Tchizé’ dos Santos, assumiu hoje o objectivo de continuar o “legado” do pai, apesar da resistência que diz sentir em alguns sectores do partido, desde Setembro liderado por João Lourenço. Em entrevista à Lusa, em Lisboa, Welwitschea ‘Tchizé’ dos Santos, a filha politicamente mais próxima de José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República (1979-2017) e ex-líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), reconhece que a sua intervenção activa no partido, tem motivado contestação. “Eu temo que, depois desta entrevista, possa chegar a Luanda e me seja instaurado um processo disciplinar dentro do partido e ser expulsa do Comité Central, por exemplo. E seria muito conveniente porque de acordo com a cultura do MPLA, os únicos que podem ser candidatos à presidência do partido são os membros do Bureau Político e os membros do Comité Central”, afirmou. É que, ressalva a empresária, de 40 anos e desde 2008 no parlamento angolano, “ser do Comité Central [do MPLA] faz muita diferença”. “Algumas pessoas acham, eventualmente, ou imaginam, que eu seja uma pessoa muito interventiva, que gosto muito de emitir opiniões, porque possa eventualmente ter algum tipo de ambição política. Por um lado, tentaram-me desvalorizar durante muito tempo, desacreditar. Tentaram criar, alguns com mãos invisíveis, campanhas de assassínio de carácter, tentando mostrar-me com uma pessoa maluca, emocionalmente instável, desequilibrada”, criticou. FOTO: João Relvas | LUSA O MPLA é liderado desde Setembro último por João Lourenço, precisamente um ano depois de ter assumido o cargo de Presidente da República de Angola, sucedendo em ambos a José Eduardo dos Santos, numa transição que tem sido marcada por clivagens. “Não vou julgar ninguém, não vou apontar o dedo a ninguém, mas posso dizer que José Eduardo dos Santos fez questão de, pelo seu próprio pé, deixar o poder, fazer a transição, foi porque ele quis deixar, como o seu maior legado, a democracia plena e irreversível, o Estado democrático de direito ideal ou pelo menos a caminhar para tal. E como filha, eu sinto que é este o legado a que me tenho que agarrar, a par do da paz, e lutar por ele. Esteja onde estiver”, afirmou. Questionada pela Lusa sobre o seu futuro político, desde logo na hierarquia do MPLA, ‘Tchizé’ dos Santos insiste que pode ser “mais útil no sector privado” ou na sociedade civil. Ainda assim admite: “É como em tudo, as pessoas que em 1961 [início da luta armada contra o poder colonial português] pegaram em catanas… ninguém quer pegar numa catana e correr o risco de ser morto por um canhão. Quando as pessoas não têm mais nada a perder, lançam-se para a frente”. “Eu por acaso não sonho ser Presidente da República, mas se sonhasse, porque é que as pessoas me têm que olhar com um ar de piada? Mas o senhor que foi nomeado agora para governador de Luanda e o ministro Adão de Almeida, que têm a mesma idade do que eu, já são vistos como potenciais candidatos. E porque é que tenho de ser vista como uma piada?” – questionou. “Não estou a dizer que queira ou que vá ser, mas enquanto for a uma realidade que uma mulher seja posta em causa desta maneira eu vou continuar a lutar”, criticou. Sublinhando que não idealizou “uma carreira política”, sublinha que o “maior erro” dos políticos angolanos, sobretudo “das gerações mais velhas, que não tiveram outras oportunidades”, é tornarem-se “políticos profissionais”. “E são estes que têm receio que esta competitividade, esta meritocracia, lhes venha retirar valor e vão manipulando e gerindo as circunstâncias, de acordo com o seu interesse”, disse ainda. Transição não é a esperada ‘Tchizé’ dos Santos disse também que a transição no poder não é a que Angola esperava, defendendo que o Presidente da República deve deixar de ser o “único” que pode “brilhar”. Welwitschea ‘Tchizé’ dos Santos reagiu assim aos primeiros meses de liderança de João Lourenço, que sucedeu ao pai, e que tem vindo a afastar elementos da família de José Eduardo dos Santos de posições do poder. Questionada pela Lusa sobre uma a existência de uma “caça às bruxas” em Angola, a deputada e empresária foi lacónica: “Eu não posso afirmar isso [caça às bruxas], porque se afirmar isso se calhar saio daqui e sou processada pelo Presidente da República por difamação. E eu não quero ser um segundo Rafael Marques”, numa referência ao activista, alvo de vários processos por denúncias sobre a liderança de José Eduardo dos Santos. Tendo presente o recente momento de tensão entre o actual Presidente, João Lourenço, que acusou José Eduardo dos Santos de ter deixado os cofres públicos “vazios”, prontamente refutadas pelo ex-chefe de Estado, a deputada confessa a surpresa. “Eu falo como angolana, não era a transição que nenhum dos angolanos esperava. Para mim, a transição era uma festa, um momento ímpar e havia ali uma transição extremamente pacífica e sem contradições. Entretanto, pelas declarações do ex-Presidente e do actual Presidente, há uma contradição pública, não é desejável para nenhum partido politico”, no caso o MPLA, afirmou. É precisa pacificação Além deste momento, a transição ficou marcada também pela prisão de um dos filhos de José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, investigado pela gestão do Fundo Soberano de Angola. Embora sem fazer comentários sobre o processo e sobre o irmão, ‘Tchizé’ dos Santos defende uma pacificação, face ao momento actual. “Nós não queremos novos ‘Rafaeis Marques’, não queremos novos heróis, não queremos novos presos políticos e gostava de pedir que todos se abstivessem da tentação de manipular, ou tentar manipular, os órgãos do Estado, usando qualquer tipo de influência”, criticou. Por isso, enfatizou, Angola arrisca-se actualmente a “perder uma grande oportunidade de fazer um ‘restart’ [recomeço]”, na actual liderança de João Lourenço. “Mas ‘restart’ não quer dizer que se vai perdoar incondicionalmente os erros todos que acontecerem para trás e as pessoas que cometeram uma série de erros que afectaram todos”, disse. Nesse sentido, a deputada do MPLA defende que o governo deve “apenas priorizar o que é de facto importante. Há mais angolanos a passar fome do que há um ano atrás, há dois anos atrás, há três anos atrás, vamo-nos focar nestas pessoas”. Recorrendo ao lema “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, adoptado pelo MPLA partido no poder e pelo qual é deputada há três mandatos além de membro do Comité Central, desde 2017, ainda com José Eduardo dos Santos, ‘Tchizé’ dos Santos reclamou por uma mudança. “O corrigir o que está mal também passa por deixarmos de vivermos num Estado em que a única que pode ter opinião é o Presidente da República, que a única pessoa que pode aparecer, brilhar e ser aplaudida é o Presidente da República. Numa democracia, num país, há vários actores, em várias áreas”, criticou. “Tem que haver uma nova geração de políticos e alguns mais-velhos, que existem e que são ponderados e que são pela conciliação, que diga ‘desculpem, mas não foi esta a Angola que todos sonhamos’. A Angola que todos sonhamos, que José Eduardo dos Santos, apesar de ser odiado por muitos, mas que é amado por muitos mais, construiu connosco é uma Angola do diálogo, da conciliação, do perdão e da reflexão e da projeção do futuro”, afirmou. Para ‘Tchizé’ dos Santos, ao não ter avançado com a recandidatura a Presidente da República nas eleições de 2017, tendo então avançado João Lourenço, José Eduardo dos Santos fê-lo “justamente para que pudesse ser lembrado como um bom patriota e democrata”. “Não se volta a candidatar, faz uma transição no poder, porque queria em vida ver a consolidação e a consagração dessa democracia que hoje em dia é irrefutável”, apontou a empresária e política angolana, afirmando que o pai “não teve vida própria dos 37 anos de idade até hoje” por causa de Angola. “Está na hora de os angolanos entenderem que os José Eduardo dos Santos fez questão que a democracia angolana fosse irreversível ao dar o passo que deu e todos nós devemos saber honrar, tal como honramos a paz efectiva, o calar das armas, acho que devemos saber honrar esse exemplo, único em África (…) Então, agora vamos aceitar que por conveniência política – porque política é conveniência – por bajulação, por adoração, por incompreensão dos tempos ou incapacidade de leitura da Historia se continuem a cometer os mesmos erros?” – questionou ainda. A deputada, de 40 anos e desde 2008 no parlamento angolano, assume-se filha de um homem que “deixou um legado em Angola”. “Aguentou o país e a primeira coisa que fez foi abolir a pena de morte. Em 1979 [quando sucedeu ao primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto], o Presidente tinha poder discricionário, a primeira coisa que ele fez foi ter querido deixar de ter poder discricionário para mandar matar as pessoas. Aboliu a pena de morte”, recordou.
Hoje Macau EntrevistaEscritora Dulce Maria Cardoso regressa com romance sobre a “vida normal” na era digital [dropcap]E[/dropcap]liete, de Dulce Maria Cardoso, põe “a vida real e não editada” em contraponto com a vida digital, num romance que explora as “máscaras” que encobrem a “vida normal” das pessoas, a mudança e a identidade do país. “Eliete – A vida normal” centra-se numa mulher de meia idade, caracterizada pela mediania em tudo, casada e mãe de duas filhas, agente imobiliária, que se sente insatisfeita com a vida e com o casamento, e que, na procura de mudança – vontade desencadeada na sequência da hospitalização da avó, com sinais de Alzheimer – vira-se para as conquistas através da internet e das redes sociais, que no romance têm um papel central. “A grande dificuldade destes tempos é fazer coincidir o eu digital com o eu real e ultrapassar o facto de nós estarmos sempre a ser avalidados”, diz a escritora em entrevista à agência Lusa. Um ‘like’ a mais ou a menos faz sempre mossa, “porque os ‘likes’ são agora as palmas de antigamente, é uma maneira de dizer ‘gosto de ti’, ‘estás bem’, e pressupõe sempre uma comparação com os outros, quem tem mais gostos e quem tem mais comentários”. Esta é uma realidade que não pode ser ignorada, porque a “vida editada também é vida” e a grande dificuldade reside em conciliá-la com a vida real. “Ainda estamos na mudança é tudo muito recente é a primeira vez na história da humanidade que estamos tão juntos”, e, embora os sentimentos básicos permaneçam, as circunstâncias em que esses sentimentos se manifestam são outros e “acabam por se revestir de outras máscaras”. “O que a Internet veio fazer, e o Facebook, é esta possibilidade de cada um ter a sua voz ampliada até chegar a todos, é iluminar isso, é de alguma maneira nós podermos espreitar as outras vidas e perceber, nessa edição dessas vidas, que há muita solidão”, considera Dulce Maria Cardoso, que foi uma das convidadas do festival literário Rota das Letras. Este caminho não agrada à autora, não pela Internet em si, mas pelo uso que dela se faz: serve para “eleger presidentes, com resultados terríveis”, mas também serviu para impulsionar a Primavera Árabe. “A invenção da electricidade tornou-nos outros, passámos a trabalhar à noite, passámos a ser outros, cada vez que a técnica nos dá uma ajuda, passamos a ser outros, porque nos passamos a comportar de maneira diferente, passamos a ter outros limites. Agora a internet ainda nos está a mudar mais, porque é mais poderosa ou aparentemente pode, em termos emocionais, provocar mais mutações”, disse à Lusa. No romance, Eliete começa a ensaiar traições ao marido através da rede social Tinder, ideia através da qual a autora explora o dilema da traição e do adultério real e virtual. Dantes o caminho era o vizinho ou o colega de trabalho, agora “acho que não há ninguém que tenha Facebook que não tenha andado num ‘roça-roça’ virtual”, diz Dulce Maria Cardoso, para quem este livro é também “uma radiografia da traição”. A normalidade em “Eliete” A par da “mudança” como motor da história, Dulce Maria Cardoso escolheu a normalidade, conceito depreciativo, mas que esconde o “extraordinário” e “irrepetível” que cada vida é. “Ninguém quer uma vida normal, apesar de ser um conceito muito tentador e ter sido o conceito com que Salazar convenceu os portugueses a aceitar a ditadura, e também por isso [o livro] se chama vida normal, porque Salazar está a enquadrar esta vida normal no livro, mas ninguém quer a vida normal”. O ponto é que, visto de perto, “todos nós somos extraordinários”, cada um de nós “carrega o seu ponto de vista, que é único e irrepetível, e aí é que está a grande beleza disto tudo: a senhora mais desinteressante que se possa ver na rua tem de certeza uma história que carrega com ela e que é única, que é dela, pertence-lhe e não é repetível”. Pelo caminho desta normalidade, Dulce Maria Cardoso reflecte sobre a identidade de um país “esquizofrénico” e com comportamentos ainda salazarentos, que esquece o passado recente. “Há um paralelo político, há um retrato de Portugal no livro, e há a questão de Salazar e da herança de Salazar. Não se pode não responsabilizar a Eliete pelo que ela faz, mas também não se pode não se responsabilizar quem – a família dela – a deixou chegar àquilo. Em termos políticos é a mesma coisa, não se pode desresponsabilizar quem votou no Bolsonaro ou no Trump, mas também não se pode desresponsabilizar quem deixou chegar a isto”, considera. O romance começa com uma referência a Salazar e termina com uma carta do ditador, que deixa em aberto o desenvolvimento do enredo no próximo volume. A ideia desta personagem inusitada surgiu do questionamento de quem é esta geração pós 25 de Abril e que país é este que ficou da revolução que deitou abaixo a ditadura. “Infelizmente eu tenho que me declarar herdeira de Salazar, porque é o governante que mais tempo governou em Portugal, com uma máquina de propaganda, foi ele que nos deu esta imagem que carregamos, foi no Estado Novo que nós nos organizámos com esta ideia de povo que temos. Ele não deixou herdeiros, mas deixou estes herdeiros todos que formatou, há muitos comportamentos nossos que ainda são salazarentos”, disse. Quando começou a pensar sobre identidade, Dulce Maria Cardoso começou a pensar em todas essas questões, e dá como exemplo o futebol. “Há um capítulo dedicado ao jogo com que Portugal ganhou o campeonato, porque era importantíssimo enquanto identidade do país, como nós nos comportamos, porque temos aparentemente uma baixa auto-estima, mas basta ganharmos qualquer coisa, como uma final, e somos os maiores outra vez e já vamos dominar o mundo outra vez. Somos muito esquizofrénicos”, afirmou. A avó de Eliete e a sua demência desempenham na história também um papel fundamental, por um lado, por uma questão metafórica, porque ela tem mais ou menos a idade dos anos que advêm da Segunda Guerra Mundial, e simboliza a demência de que padece o “corpo social”, que, esquecido da guerra, rapidamente se deixou arrastar pelo fascismo. Por outro lado, a situação clínica da avó reflecte uma preocupação da autora com a incapacidade física e financeira das famílias para cuidarem dos idosos e da falta de respostas sociais para as situações de dependência em fim de vida: “Eu começo por não perceber porque nos querem prolongar tanto a vida, se depois não sabem o que fazer connosco”. Os “amigos imaginários” da escritora Dulce Maria Cardoso tem várias pessoas na cabeça, “amigos imaginários”, e são estas que a procuram e se afirmam enquanto personagens, como é o caso da Eliete, que é também uma brincadeira consigo mesma. “Eliete”, romance sobre a “vida normal” na contemporaneidade, que abarca as relações humanas, a mudança imprimida pela Internet e a identidade do país, tem como protagonista uma mulher normal, caracterizada pela mediania, e que o menos normal que tem, aparentemente, é o nome. “A Eliete nasceu primeiro, porque para mim as personagens nascem sempre primeiro, começa sempre por eu avistar, como se visse uma sombra ao longe, a ideia de uma personagem, depois vou à procura, tal e qual como se conhecesse uma pessoa”, explicou a autora. “Dito assim parece uma conversa de maluca, mas sou extremamente cerebral em tudo o que faço e tudo o que é publicado é revisto e montado e cortado, tenho controlo absoluto no meu trabalho, só não tenho controlo nas personagens, portanto o único mistério na criação está nessa existência de personagens, que por vezes não se deixam ficar”. Mas Eliete foi ficando, primeiro teve outro nome, outra família, até que Dulce Maria Cardoso percebeu que era a Eliete, com aquela família – marido e duas filhas – que tinha de ficar. “É, na verdade, [um processo com] vários amigos imaginários estruturados, habituei-me a ter pessoas na cabeça, tenho sempre, e algumas ficam tempo suficiente para que eu possa trabalhar sobre elas”, disse à Lusa. A escolha do nome para a personagem tem a ver com o facto de o romance ser sobre a identidade, na medida em que Eliete era um dos nomes possíveis para a autora, antes de nascer. “Achei que fazia sentido, era uma maneira de recuperar esta outra que toda a vida me acompanhou”, disse, contando a história que a mãe toda a vida lhe contou, de como o pai – que estavam em Angola quando Dulce Maria Cardoso nasceu – estava convencido de que iria ter um filho rapaz, e mandou à mãe uma lista com dois nomes masculinos “normais”, Manuel e Francisco, e dois de rapariga “disparatados”, Eliete e Dulce. A mãe não gostou de nenhum, mas na altura não lhe passou pela cabeça desobedecer e escolheu o menos mau, tendo passado toda a vida a contar esta história à filha e a dizer “Eliete era bem pior, não achas?”. “E eu toda a vida sempre vivi com esta dúvida: se eu me chamasse Eliete quem é que eu teria sido?” Para Dulce Maria Cardoso, escrever é a possibilidade de ter várias vidas, e, nesse sentido, “é muito infantil”: “Posso ser tudo o que me apetecer, e em várias vozes, e em certos comportamentos que em termos fisiológicos não posso ser”. A pesquisa nas redes sociais Sobre os métodos de pesquisa para o seu romance, a autora afirma-se muito atenta ao que a rodeia e, para explorar as relações e as formas de comunicação através da Internet, bastou-lhe andar três dias no Facebook para perceber toda a dinâmica, porque a Internet e as redes sociais “são muito intuitivas”. A pesquisa mais aprofundada que fez foi para a personagem de Salazar, que aparece como uma referência no início do romance, e assina uma carta, no final. “Li os discursos todos dele. Não procurei os trabalhos de outros sobre Salazar, tive como matéria só a própria produção de Salazar, li os discursos todos, e a própria carta é montada só com palavras dele. Fui pegar nas palavras que ele costumava usar e a carta é feita de forma a que possa surgir com o vocabulário dele e com a maneira dele construir as frases, tive esse cuidado para tornar a carta mais credível”, explicou. Sobre o seu processo de escrita, diz ser “o mais anormal possível” e conta que chegou lá “por acidente”, mas depois adoptou o método como permanente. “Reescrevo muito, faço uma versão, depois outra, depois outra até achar que a versão está bem, depois apago tudo e escrevo de memória, é uma coisa horrível que não recomendo a ninguém”, afirmou à Lusa. Tudo começou no seu segundo romance, “Os meus sentimentos”, quando um vírus apagou todo o romance do computador. Nessa altura, Dulce Maria Cardoso fechou-se e escreveu tudo “numa corrida contra o tempo”, para se esquecer o menos possível. Quando releu, achou que estava muito melhor do que o romance inicial: “Vou muitas vezes por caminhos desnecessários, quando reescrevo, o cansaço fala mais alto e vou ao essencial”. Este processo é para a autora “muito difícil” e, em termos físicos, muito exaustivo, porque demora anos na primeira fase, mas breves meses na reescrita de memória, em maratonas de 12 a 14 horas diárias. “Mas é compensado pelo enorme prazer que me dá”, sublinha. Assume que ao escrever este romance, sentiu a pressão de não desiludir, depois do enorme sucesso de “O retorno”, mas “não foi paralisante”, foi como uma “dívida de gratidão para com os leitores”, de “não querer desiludir quem tanto gostou”. Sobre o próximo volume, que dá continuação à história de Eliete, adianta que tem mil páginas escritas, ainda por individualizar, e que sabe muita coisa do que acontece à Eliete, mas não tudo. “No princípio do ano vou começar a trabalhar no segundo volume, mas ainda não sei quantos vão ser. Sei que gosto muito de estar a trabalhar nisto”.