Direitos humanos | EUA dão nota global positiva, mas apontam focos de preocupação

Washington considera que Macau adoptou medidas para investigar e punir abusos aos direitos humanos, mas deixou reparos no capítulo das liberdades de expressão e de imprensa, sinalizando restrições nomeadamente à boleia de novas leis

[dropcap]E[/dropcap]m termos globais, é positiva a avaliação que o Departamento de Estado norte-americano faz relativamente aos direitos humanos em Macau, mas persistem receios nomeadamente em relação às restrições e/ou limitações a direitos e liberdades, aos condicionamentos à participação política e ao fenómeno do tráfico humano.

No relatório anual sobre os direitos humanos no mundo, publicado na noite de terça-feira, o Departamento de Estado norte-americano assinala, desde logo, que “o Governo adoptou medidas para investigar e punir responsáveis por abusos” e destaca a ausência de registo de prisioneiros políticos, de práticas de tortura, detenções arbitrárias e/ou ilegais ou impunidade por parte das forças de segurança.

No entanto, deixa uma série de alertas relativamente a condicionantes ao exercício das liberdades de expressão e de imprensa, apontando que, embora estejam consagradas na lei, “o Governo procurou ocasionalmente restringi-las”. Restrições que, em alguns casos, aparecem associadas a novas iniciativas legislativas, com o Departamento de Estado norte-americano a fazer referência a duas: a recém-aprovada alteração à lei sobre a utilização e protecção da bandeira, emblema e hino nacionais e a proposta de Lei de Bases da Protecção Civil que introduz o crime de falso alarme social, punível com pena até três anos de prisão.

O caso Au Kam San

Apesar de reconhecer que, regra geral, o Executivo respeita o direito à privacidade, Washington observa que, “houve políticos que afirmaram suspeitar que o Governo monitorizou as comunicações no passado” e reavivou, em paralelo, o caso do deputado Au Kam San, indiciado por difamação, em Outubro, após ter recusado pedir desculpa por ter alegado que a Polícia Judiciária tinha o seu telefone sob escuta em 2009. Ao mesmo tempo, embora constatando que o Governo não restringe, não interrompe o acesso à Internet e não censura conteúdos ‘online’, o Departamento de Estado norte-americano menciona os reparos de “activistas críticos” de que não divulga na íntegra o tipo de tecnologias de vigilância que utiliza, deixando a população com “fraca capacidade” para confirmar se as autoridades respeitam a lei.

Outros receios emergem relativamente aos livros, com os Estados Unidos a recordarem as notícias de que o Gabinete de Ligação do Governo Central em Hong Kong detém, indirectamente, a livraria Plaza Cultural. Algo que, realça Washington, “levanta preocupações” quanto à possibilidade de Pequim restringir a venda de obras consideradas sensíveis.

Já no tocante à liberdade de imprensa, Washington constata que “os ‘media’ locais expressaram uma ampla variedade de pontos de vista, mas que o Governo deu passos para limitar a cobertura de notícias desfavoráveis”. Ao mesmo tempo, o Departamento de Estado admite a prática de autocensura por órgãos de comunicação social, pelo menos “parcialmente”, por serem subsidiados pelo Governo. O cancelamento da participação de três escritores estrangeiros na edição do ano passado do Festival Literário – Rota das Letras, após indicação do Gabinete de Ligação de que poderiam ter entrada vedada em Macau, também é referido no âmbito da liberdade académicas e eventos culturais.

Já sobre o direito de reunião e manifestação, o Departamento de Estado norte-americano nota que, apesar de ser normalmente respeitado pelo Governo, existem “alguns esforços para desencorajar a participação”. “Críticos alegam que as autoridades estão a levar a cabo um esforço concertado para, por via da intimidação ou de processos-crime contra os participantes de protestos pacíficos, desencorajar o seu envolvimento”. Neste ponto, recupera o exemplo de Sulu Sou, que viu o mandato como deputado suspenso temporariamente devido a um protesto pacífico contra o Chefe do Executivo, fazendo menção às alegações de vozes críticas de que o caso teve motivações políticas por detrás.

Participação política

Outro calcanhar de Aquiles, aos olhos de Washington, prende-se com a limitada participação política dos residentes. “A lei limita a capacidade dos cidadãos para mudarem o Governo através de eleições regulares, livres e justas” e “apenas uma pequena fracção da população desempenha um papel na selecção do Chefe do Executivo”, diz o Departamento de Estado norte-americano, precisamente no ano em que será escolhido um novo líder do Governo. O relatório reserva ainda espaço ao poder legislativo, com os Estados Unidos a anotarem as limitações dos deputados em termos de iniciativa legislativa e fazerem referência ao juramento de fidelidade à Lei Básica exigido aos candidatos a um assento na Assembleia Legislativa.

No campo da discriminação, o Departamento de Estado norte-americano salienta que o fenómeno persiste, ao contrário do que prescreve a lei, citando notícias que apontam para desigualdades de género nomeadamente no mundo do trabalho, com as mulheres concentradas em postos inferiores e em áreas mais mal pagas. Os Estados Unidos falam ainda de relatos sobre discriminação contra minorias étnicas, reproduzindo as críticas da ONU quando à ausência de uma lei que defina e criminalize a discriminação racial.

Os Estados Unidos renovam também preocupações relativamente às crianças. Em concreto, sobre a envolvimento de menores na prostituição, bem como ao tráfico humano em geral. “As crianças e os trabalhadores migrantes são vulneráveis ao tráfico com fins sexuais e laborais”, diz o documento, apontando que, embora o governo tenha investigado casos, não há registo de condenações no ano passado.

Governo contesta “comentários irresponsáveis”

O Governo manifestou ontem a sua “forte oposição” ao relatório do Departamento de Estado norte-americano, criticando os “comentários irresponsáveis” sobre os direitos humanos na RAEM, um “assunto interno da China”. Num breve comunicado, o Gabinete do Porta-voz do Governo afirma que “a população da RAEM goza de amplos direitos e liberdades, plenamente garantidos, nos termos da Constituição e da Lei Básica”, uma “realidade testemunhada por todas as pessoas sem preconceitos”.

 

15 Mar 2019

Plano para desenvolvimento da cidade inteligente em consulta pública

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau, que entrou ontem em consulta pública, tem prevista a conclusão da plataforma de mega-dados sobre a promoção do turismo e controlo do trânsito ainda este ano.

“O centro de computação em nuvem e a plataforma de mega-dados”, assim como a inclusão na nuvem “de alguns dados sobre a promoção do turismo e informação de trânsito”, podem estar concluídos até ao final do ano, afirmou ontem aos jornalistas o vogal do Conselho de Administração do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia (FDCT), Chen Won Hei, numa conferência de imprensa.

“Pretendemos através da tecnologia inovadora que a população tenha uma melhor qualidade de vida e que a cidade tenha um desenvolvimento sustentável”, declarou o presidente do FDCT, Ma Chi Ngai, na mesma ocasião.

A estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente vai ficar em consulta pública até 30 de Junho.

Questionado sobre se a Alibaba está a planear utilizar os dados adquiridos através das redes sociais dos utilizadores, para interferir e melhorar o tráfego nas estradas da região, violando a privacidade dos dados dos utilizadores, como aconteceu em algumas cidades chinesas, o vogal da FDCT assegurou que “tal não vai acontecer em Macau, pois a região tem leis muitos rígidas em relação à privacidade das pessoas”.

Na quarta-feira, na feira Global Gaming Expo Asia (G2E Asia), que decorreu no território, a directora dos Serviços de Turismo de Macau frisou que a evolução tecnológica de Macau pode ter “boas repercussões na área no turismo”, já que a “região em algumas alturas do ano [como na época do novo ano chinês] fica sobrelotada”, daí a importância “no desenvolvimento da cidade para se tornar uma cidade mais inteligente”.

Na primeira fase do projecto está prevista a criação de um centro de computação em nuvem e de uma plataforma de mega dados e o início gradual de projectos de utilização dos mesmos em seis domínios: promoção do turismo, formação de talentos, gestão do trânsito, serviços de assistência médica, gestão integrada urbana e prestação de serviços urbanos integrados e tecnologia financeira.

A segunda etapa compreende o aperfeiçoamento do centro de computação em nuvem e da plataforma de mega dados, abrangendo outras áreas como a introdução de novos carros eléctricos, a eficiência energética e a construção de postos fronteiriços electrónicos, através da tecnologia de reconhecimento facial.

18 Mai 2018

Caso Rota das Letras no relatório sobre direitos humanos da ONU

A suspensão da vinda de três escritores ao festival literário Rota das Letras, depois do aviso do Gabinete de Ligação do Governo Central, consta no mais recente relatório sobre direitos humanos enviado pela Associação Novo Macau à ONU

 

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] sétima edição do festival literário Rota das Letras ficou marcada pelo cancelamento da presença dos escritores Jung Chang, Suki Kim e James Church, depois da organização do festival ter recebido um aviso do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM de que a sua presença não seria “oportuna”.

O caso chega agora à Organização das Nações Unidas (ONU) pela mão da Associação Novo Macau (ANM), que abordou a questão no seu mais recente relatório sobre o panorama dos direitos humanos no território. A participação foi feita no âmbito da revisão da convenção da ONU nesta área.

“Em Fevereiro de 2018, a organização do Festival Literário de Macau [Rota das Letras] retirou o convite a três proeminentes autores depois do seu director ter recebido a sugestão do Gabinete de Ligação de que ‘não seria garantida a entrada em Macau” desses três escritores”, lê-se no relatório ontem apresentado. De frisar que o caso foi uma das razões para o pedido de demissão do director de programação do festival, Hélder Beja, que, numa entrevista, confessou que esta situação levou à abertura “de um precedente”.

Na visão dos activistas da Novo Macau, “os laços históricos, culturais e económicos entre Macau e as regiões vizinhas fizeram com que a liberdade de entrada e saída de Macau fosse parte da vida das pessoas”.

Tendo referido também os casos de proibição de entrada de deputados e académicos de Hong Kong, bem como de jornalistas da região vizinha durante a passagem do tufão Hato, o relatório alerta para a necessidade de divulgação das verdadeiras razões para a proibição de entrada de pessoas em Macau.

A Novo Macau pede que a ONU exija ao Governo “que crie os recursos efectivos para que as pessoas impedidas de entrar em Macau tenham acesso às verdadeiras razões para a entrada no território”. Tudo para que “se possam defender da avaliação das autoridades”. Neste sentido, os activistas consideram fundamental a revisão da lei de protecção dos dados pessoais, em vigor desde 2008. Tudo para que se possa “providenciar medidas efectivas para que os cidadãos, cuja entrada no território é recusada, tenham acesso à informação que as autoridades detém sobre eles”.

Até ao momento o Governo sempre negou que haja uma “lista negra” de pessoas proibidas de entrar no território, tendo afirmado que a negação de entrada se deve a questões de segurança interna. Contudo, a ANM diz que “o senso comum leva-nos a crer que estas justificações não são muito convincentes”.

 

Olha o passarinho

A proposta de lei da cibersegurança é outro dos pontos que a ANM destaca no seu relatório, sendo referido que “o público não tem possibilidades de verificar se a lei [Regime jurídico da videovigilância em espaços públicos] é respeitada pelas autoridades policiais”, além de que “o mecanismo para proteger os cidadãos de abusos ao nível dos dados pessoais é fraco”.

Isto porque “apesar de Macau ter adoptado a lei de protecção dos dados pessoas em linha com [as directivas da União Europeia], os actos do Gabinete de Protecção dos Dados Pessoais (GPDP) têm posto em causa a sinceridade no que diz respeito à protecção da privacidade dos cidadãos”.

A Novo Macau recorda que, nos últimos tempos, “o GPDP tem unido forças com a polícia para reprimir iniciativas civis”, além de que “apoiou a proposta de lei da cibersegurança sem reservas”.

Neste sentido, o relatório aponta não só para a obrigatoriedade das autoridades em revelarem “informação completa e verdadeira sobre as capacidades das tecnologias de vigilância em rede, no que diz respeito à nova proposta de lei da cibersegurança”

A revisão da lei de protecção de dados pessoais, de que fala a Novo Macau, iria também criar um mecanismo mais efectivo no tratamento das queixas apresentadas, uma vez que nunca há conclusões sobre os processos.

A desigualdade de género existente na legislação local, sobretudo na lei de prevenção e combate à violência doméstica, e a ausência de eleições directas para o futuro órgão municipal sem poder político, Chefe do Executivo e deputados à Assembleia Legislativa são outros dos pontos referidos no documento.

5 Abr 2018

Victor Mallet, escritor e editor do jornal Financial Times: Macau e HK “estão sob enorme pressão de Pequim”

Há 30 anos que é repórter neste continente e há dez que vive em Hong Kong, onde edita a secção Ásia do jornal económico Financial Times. Convidado do festival literário Rota das Letras, Victor Mallet lamenta o aviso que levou ao cancelamento da vinda de três autores chineses e diz que nem Macau nem Hong Kong “têm feito um bom trabalho na preservação da sua autonomia”

 

Deu um workshop intitulado “Cobrindo as notícias na Ásia e à volta do mundo”. Quais os principais desafios sentidos pelos repórteres na Ásia?
Uma das coisas é o facto de se ter tornado muito difícil ser jornalista em muitos países, porque os Governos têm mais dificuldade em aceitar uma imprensa livre. Tem vindo a tornar-se cada vez mais um problema face ao que era habitual. O espaço normal para a operacionalização dos jornalistas, sobretudo se reportarem sobre política, ou questões controversas, tornou-se mais curto do que o normal. Há dez anos que vivo em Hong Kong e a situação está cada vez mais difícil. Não apenas na China, mas também em outros países, como o Cambodja, e até em países democráticos já não é tão fácil ser um repórter como era antes. Um dos problemas é que os jornalistas têm de enfrentar um difícil estatuto definido pelos Governos. Se és um empresário é fácil entrares num país para fazeres os teus negócios, mas se és jornalista é difícil entrares para fazeres o teu trabalho. Isso é uma vergonha e uma reflexão do aumento da repressão nesta região.

Pode ser mais específico em relação às pressões que sente como repórter em Hong Kong?
A razão pela qual estamos em Hong Kong é por ser um lugar onde ainda podemos exercer a nossa liberdade de expressão. Estando num órgão de comunicação internacional [jornal Finantial Times], sei que é cada vez mais difícil para os jornalistas locais fazerem isso, devido às pressões de Pequim. Temos visto que Pequim aumentou a sua influência na sociedade e no sistema político de Hong Kong nos últimos dez anos, e foi um aumento drástico. Os canais para a liberdade de expressão, ao nível do jornalismo e edição de livros, são menores, sobretudo desde o rapto dos livreiros. Os media não são robustos como costumavam ser, sobretudo os media chineses online e impressos.

Em Hong Kong, o jornal South China Morning Post (SCMP) é um dos mais importantes diários de língua inglesa. Nota diferenças importantes, ao nível dos conteúdos editoriais, desde a sua compra pelo empresário Jack Ma [CEO da Alibaba]?
Não tenho feito uma análise à cobertura que é feita pelo jornal, mas claramente conseguimos perceber uma diferença. Tornou-se um jornal mais próximo de Pequim e antes era muito mais independente. Acredito que Jack Ma não tentou influenciar a linha editorial do jornal, mas a cobertura é menos crítica face a Pequim do que costumava ser, e com menos qualidade, no sentido em que não reflecte a diversidade de opiniões que existe em Hong Kong. Ontem [quarta-feira da semana passada] vi um artigo sobre a Assembleia Popular Nacional (APN) , que dizia aquilo que as pessoas de Hong Kong deveriam fazer, e parecia um artigo padrão da APN sobre aquilo que devem pensar e fazer. É o ponto de vista da pessoa que escreveu o artigo, mas não houve uma tentativa de encontrar outros pontos de vista que pudessem discordar desta visão. Simplesmente reportaram o que as autoridades chinesas disseram e não pediram reacções de alguém em Hong Kong. Isso não é aquilo que o bom jornalismo deveria ser. O SCMP não está a reflectir as visões de todos os lados.

No caso de Macau, conhece eventuais casos de pressões sentidas por parte da imprensa chinesa?
Não estou muito familiarizado com os media de Macau ou com o sistema político. Mas tive conhecimento de que alguns convidados não vieram ao festival Rota das Letras pelo facto de ter sido sugerido de que a sua entrada não seria permitida em Macau pelas autoridades, porque a sua presença foi considerada hostil em relação à China, e isso é vergonhoso. Jung Chang, uma das autoras envolvidas, é uma das mais importantes a escrever sobre a China actualmente e é incrível como não pôde vir a Macau falar com os seus leitores, e acredito que há muitos em Macau, tal como em Hong Kong. Penso que Macau seja mais restritivo em relação a estas questões por comparação a Hong Kong. Se Jung Chang fosse convidada teria vindo a Hong Kong [a autora participou no último festival literário da região vizinha]. Mas se ela não pode entrar em Macau, isso sugere que há aqui mais restrições em relação à liberdade de expressão do que há em Hong Kong.

Macau é o bom filho da China e Hong Kong o filho mau ou rebelde?
Não colocaria as coisas assim de uma forma simplista, porque Hong Kong tem uma grande parte da população a ir de encontro ao que as autoridades querem e que é obediente, muito semelhante ao que se passa em Macau, talvez. Então não é simplesmente preto e branco. Ambos os territórios estão sob uma enorme pressão por parte de Pequim, e nenhum deles tem feito um bom trabalho na preservação da sua autonomia.

Os movimentos pró-democracia dos dois territórios têm diferentes características, pois em Macau não existe a luta pela independência. Ainda assim, Macau tem vindo a receber sinais de Pequim, da existência do receio de que o território possa vir a ser contaminado por este movimento. Que comentário faz?
Relativamente ao movimento independentista de Hong Kong, no ano passado, e comparado com os últimos dez anos, esse movimento fortaleceu-se, e há dez anos não existia, de todo. Então algo aconteceu nesse período para levar tantos jovens a não gostarem de Pequim e do seu próprio Governo e a quererem a independência, apesar de saberem que é algo completamente irrealista. Algo correu mal na maneira como Hong Kong geriu este processo e também na forma como Pequim geriu o dossier Hong Kong. A conclusão óbvia, para mim, é que Pequim estar a ter uma abordagem dura contra qualquer expressão de autonomia, simplesmente alienando essas acções. Isso são más notícias para as pessoas de Hong Kong, porque há aqui um claro conflito. São também más notícias para Pequim, porque significa que alienou muitas pessoas em Hong Kong.

Sobre a mudança na constituição chinesa, que vai permitir o fim do limite de mandatos do presidente do país, que perspectivas coloca no futuro do país na relação que possui com outros países?
Penso que a parte mais interessante é que, há dez anos, as pessoas que estavam fora da China pensavam que o país estava a reformar-se do ponto de vista económico e também político, no que diz respeito a uma maior abertura. Achava-se que o país poderia ser mais democrático ou com um sistema político mais representativo. Isso mudou com esta alteração da constituição, a mensagem é clara, apesar de termos vindo a notar alguns sinais. A mensagem foi reforçada: isso não vai acontecer, a China não vai tornar-se mais representativa e democrática. O poder vai acumular-se numa só pessoa e isso vai fazer com que as relações com os outros países estejam mais numa base de confronto. A China tem uma economia poderosa, e também como país, pois tem uma grande população e um grande exército e o resto do mundo tem de lidar com isso, com esse aumento do poder.

Escreveu um livro sobre a poluição do rio Ganges, com o nome “River of Life, River of Death: The Ganges and India’s Future”, publicado o ano passado. Como surgiu esse projecto na sua vida?
Estamos nos dois lados do Delta do Rio das Pérolas e todas as grandes civilizações nasceram nas margens dos rios. Isso aconteceu com Hong Kong, Macau, Xangai, Paris, Londres. Houve razões para isso, no sentido em que o rio trazia vida, fertilidade e comércio. O rio Ganges, considero, é um dos mais importantes no mundo, não apenas porque é um dos maiores no mundo mas porque há muita gente a depender dele. Há milhares de pessoas na Índia que dependem deste rio, na zona norte e no Bangladesh também. É uma área densamente povoada e o rio está a ser ameaçado por várias razões, e a poluição é uma delas, incluindo a poluição industrial. Há também a extracção de água para a agricultura, então há zonas que pura e simplesmente começaram a secar. Estes tipos de problemas acontecem com rios em todo o mundo, na China, Europa. Quando temos uma fase rápida de desenvolvimento económico, com um crescimento massivo da população na Índia, como aquele que observamos hoje em dia, os rios são, muitas vezes, destruídos com a poluição, desaparecem. O lado optimista disto é que os rios podem ser restaurados com o encerramento das fontes de poluição, e temos vários exemplos. Neste momento é um assunto sensível em todo o mundo, e temos um debate sobre a poluição do rio Nilo, no Egipto, por exemplo, ou os rios chineses, os cinco grandes rios da Ásia. Estou contente com o facto de ter conseguido escrever sobre este assunto.

Espera que o seu livro possa mudar algo?
Espero que sim. Uma das coisas extraordinárias é que o PM indiano tem vindo a colocar a poluição na sua agenda, e falou muito sobre a necessidade de melhorar a higiene e saneamento à volta do rio, porque todos os dias morrem muitas pessoas com doenças causadas por mau saneamento, mortes essas totalmente desnecessárias. Quando foi eleito pela primeira vez, em 2014, fez desse um grande tópico. O problema é que muitas coisas não foram feitas desde então, e essa é uma reflexão de uma inactividade deste Governo mas do quão difícil é, para qualquer Governo indiano, realizar coisas. Não foi o primeiro governante a falar da necessidade de limpar o rio Ganges.

13 Mar 2018