Início da missionação jesuíta na China

[dropcap]E[/dropcap]m Zhaoqing, capital da província de Liangguang, a primeira Missão católica jesuíta na China foi fundada a 14 de Setembro de 1583 pelos missionários italianos do Padroado Português, Matteo Ricci e Michele Ruggieri, que em 1582 tivera autorização das autoridades chinesas para aí se estabelecer.

Não vinham a trajar as lobas da Sociedade de Jesus (S.J.) mas as túnicas de monges budistas, pois pretendiam ganhar o respeito e a atenção da população e disfarçar a aparência de estrangeiros. Em 1584, com a permissão do governador Chen Wenfeng [Chen Rui fora destituído do seu cargo a 6 de Fevereiro de 1583, segundo Jin Guo Ping e Wu Zhiliang] construíram uma igreja e a residência. Dedicaram-se a publicar em xilografia o primeiro Catecismo em chinês (Kiao-Yao) do padre Ruggieri [feito em Cantão] e em conjunto com Ricci, Os 10 Mandamentos do Senhor do Céu (Tien-Tchou Chekiai) entre outras obras. Matteo Ricci, que adoptara o nome chinês Li Madou, estudou a cultura chinesa e continuou a elaborar o mapa-múndi, que começara em Macau e terminaria em Beijing. Ganhou fama junto dos mandarins, a quem pretendia converter, com o conhecimento dos Clássicos chineses, de geografia, matemática e astronomia, não tivesse sido aluno no Colégio Jesuíta em Roma de Christophorus Clavius, [eminente matemático que validou as teorias de Galileu e reformara em 1582 (ano da chegada de Ricci a Macau) o calendário juliano e o denominou gregoriano em honra do Papa Gregório XIII].

Em finais de 1585, um alto mandarim tencionando visitar a família em Shaoxing convidou Ruggieri para o acompanhar. Em Cantão encontraram o padre António de Almeida, que de Macau viera de barco com mercadores portugueses, e assim seguiu também o jesuíta português até Zhejiang. Aí andaram a missionar, tendo-lhes passado pela cabeça abrir uma nova residência, mas essa esperança logo se desvaneceu já que foram pressionados pelas autoridades locais a abandonar o local, desvanecendo-se tal ideia. António de Almeida foi para Macau pois não tinha autorização de residir em Zhaoqing, para onde se dirigiu Ruggieri a fim de se encontrar com Ricci, que ficara na missão com Duarte de Sande. Devido à permanente instabilidade e às constantes dificuldades que os missionários encontravam, o padre Sande regressou a Macau em Novembro de 1587 e o padre Valignano, de novo como Visitador, decidiu em 1588 mandar Ruggieri a Itália para convencer a Santa Sé a enviar um representante oficial a Beijing, com o fim de o Imperador conceder liberdade religiosa aos católicos. Segundo Horácio Peixoto de Araújo, devido à morte sucessiva e num curto espaço de tempo de quatro papas, [Ruggieri chegou a Roma a 19 de Junho de 1590 era Papa Sisto V, mas este morreu cerca de dois meses depois. Seguiu-se Urbano VII Papa apenas por doze dias. Eleito a 5 de Dezembro de 1590 Gregório XIV foi papa durante menos de um ano e Inocêncio IX durante 62 dias. Já o Papa Clemente VIII esteve na Santa Sé de 30 de Janeiro de 1592 a 3 de Março de 1605], Ruggieri falhou na sua missão e nunca mais voltou à China, tendo morrido a 11 de Maio de 1607.

Devido às tensões criadas pela população em Zhaoqing e à hostilidade de Liu Jiwen, o novo governador de Liangguang, em 1589 os jesuítas foram postos fora da sua residência e Ricci foi autorizado a residir em Shaozhou (Shaoguan), onde chegou a 26 de Agosto de 1589 acompanhado por o padre António de Almeida.

Aí encontraram um clima mais acolhedor e perceberam que a terminologia e as vestes budistas até então usadas não davam o estatuto pretendido, pois segundo o padre António Gouveia, os bonzos eram tidos por ignorantes e rudes. Assim deixaram crescer o cabelo e barba e passaram a usar a roupa de seda dos eruditos confucianos. Nessa cidade a Norte de Guangdong, que liga à província de Jiangxi, Ricci conheceu o jovem estudante de alquimia Qu Taisu, filho de Qu Jingchun, Ministro dos Ritos na corte Ming, que lhe pediu para ser seu tutor a fim de aprender álgebra e geometria, o que ocorreu durante dois anos, segundo refere Shen Fuwei.

Em 1594, um mandarim militar, que ia à capital, convidou Ricci para lhe fazer companhia. Ricci levava preciosos presentes enviados de Roma pelo P. Acquaviva, dois relógios, um de torre, outro de sala, aos quais juntou os oferecidos pelo Vice-rei da Índia e outros comprados em Macau. Chegou até Nanjing mas depois recuou para Nanchang, capital de Jiangxi, onde se fixou a 28 de Junho de 1595 e aí viveu por três anos. Em 1597, desde Macau o Visitador Valignano nomeou Matteo Ricci como superior da missão na China e este, em Nanchang, apresentou-se aos dignitários locais: a Lu Wangai, governador da província de Jiangxi, a Zhang Huang, famoso confucionista e a Zhu Duojie, príncipe de Jian’an, a quem presenteou com instrumentos astronómicos, um relógio de mesa e o seu atlas do mundo.

Convidado por o amigo Wang Honghui, ministro dos Ritos em Nanjing, Ricci em Junho de 1598 viajou para Beijing com o padre Lazzaro Cattaneo [músico, que desde 1594 estivera com ele em Shaoguan], onde chegaram a 7 de Setembro de 1598. Aí tencionava expor as novas teorias da Renascença, sobretudo na área das matemáticas e astronomia. No entanto, não conseguiram entrar na corte imperial devido à invasão da Coreia pelo Japão, estando a atmosfera em Beijing hostil para com os estrangeiros, segundo refere Gianni Criveller. Assim, a 5 de Novembro de 1598 deixaram a capital e via marítima chegaram a Nanjing a 6 de Fevereiro de 1599. De Macau, Valignano remete-lhe mais presentes para o Imperador, quadros da Virgem e do Salvador e relógios de vários tamanhos.

Ricci deixou Nanjing a 18 de Maio de 1600 e partiu pelo Grande Canal de novo para Beijing, agora com Diogo Pantoja. Na corte imperial entraram a 24 de Janeiro de 1601 e o Imperador Wan Li (1573-1620), que já ouvira falar de Ricci, ficou encantado com os presentes. Wan Li apesar de nunca ter visto e conhecido pessoalmente os jesuítas, pois devido à sua obesidade [segundo Álvaro Semedo] vivia em reclusão e apenas convivia com um pequeno círculo de mandarins, concedeu permissão para eles ficarem em Pequim e construírem uma residência com capela (que viria a ser a Catedral da Imaculada Conceição, Nantang). No entanto, o investigador Shen Fuwei refere que, após três dias, a 27 de Janeiro Ricci conseguiu uma audiência com o Imperador Ming a quem ofereceu 31 itens em 19 diferentes presentes.

Segundo Horácio Peixoto de Araújo, “Desde que, em Janeiro de 1601, Matteo Ricci e Diego Pantoja entraram na Corte de Pequim, ninguém duvidava da importância que assumia a presença de alguns Padres junto do imperador; da sua aceitação pelo soberano dependia a permanência e a liberdade de movimentação dos restantes missionários nas diversas regiões do império. Daí que os mandarins cristãos e os jesuítas conjugassem esforços no sentido de possibilitar de novo a entrada na Corte e oficializar uma residência da Companhia em Pequim.” Com relógios, os jesuítas conquistavam o Imperador Wan Li.

14 Jan 2020