Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasIndie Lisboa 2020 / 17ª Edição [dropcap]E[/dropcap]ntre o dia 25 de Agosto e 5 de Setembro esta edição do Indie Lisboa leva às salas dos cinemas S. Jorge, cinema Ideal e Culturgest, 240 filmes seleccionados de cinematografias “periféricas” à grande indústria americana. Se é demonstrável que o cinema contemporâneo não vive a dicotomia indústria versus arte, é igualmente demonstrável que fora da majores da grande indústria dificilmente os orçamentos permitem que se ultrapasse o regime da contenção, o que nem sempre é necessariamente mau, diga-se. O cinema Indie, é esse vastíssimo universo de filmes produzidos fora dos grandes orçamentos e também, da pressão de sucesso de bilheteira da grande indústria. Neste dia de abertura destacamos os filmes da secção Silvestre, assim apresentada pela organização: “… obras de jovens cineastas e autores consagrados, esta secção competitiva encontra na singularidade a sua norma. Mostramos sobre a asa do Silvestre, obras que rejeitem fórmulas consagradas, que despertem novas linguagens e cuja rebeldia espelhe o espírito do festival” e um documentário na secção IndieMusic. À sala Manuel de Oliveira no cinema S. Jorge, chega à tela, a longa metragem documentário State Funeral de Sergei Loznitsa, realizador Ucraniano. O filme teve a sua estreia mundial a 6 de Setembro de 2019, no Festival de Veneza . A morte de Josef Stalin em Março de 1953 foi um acontecimento de dimensão planetária, o líder da “revolução proletária internacional” tombava na efemeridade da universal condição humana. Como se sabe, as narrativas dos homens precisam dessa força icónica que ata o humano, mesmo quando com fios que se corroem com as sucessivas abordagens dos tempos que vão chegando, a dimensões próximas do mito. É essa não só a razão das histórias da história, como um dos motivos do fascínio perante a tela cinematográfica. O poder e os homens de Estado precisam e são investidos colectivamente nessa narrativa, a dos homens condutores de homens, gigantes na banalidade quotidiana. Todo o funeral de um homem de estado é investido formalmente nessa carga simbólica. Quando se trata de alguém que liderou uma visão e organização do mundo com a dimensão de uma União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, essa morte é a ascensão ao território do mito, um híper acontecimento político. Sobre o filme, quando da estreia em Veneza, Anton Dolin escreveu na revista Meduza: “Este funeral é uma produção notável, uma performance grandiosa. Como se costuma dizer hoje, envolvente. Os espectadores são seus participantes de pleno direito, sem os quais a acção não teria ocorrido. O público na sala onde o filme de Loznitsa é exibido também. Stalin transformou-se num artefacto, ele está prestes a se tornar uma múmia, para sempre encarnado de um objeto físico em um símbolo. Mas as pessoas vivas estão olhando para ele, de quem nada sabemos, mas cuja realidade está além de qualquer dúvida. Embora os motivos permaneçam incrivelmente vagos: e se eles não sofrerem realmente, e se estiverem interiormente regozijando-se? Se disserem adeus não ao seu amado tirano, mas à era da tirania que vai embora sem deixar vestígios? No final, nós também ficamos hipnotizados por essa ação sem pressa, esse ritual sagrado.” Trabalho ficcional construído com recurso ao arquivo onde os procedimentos desde o anúncio da morte às cerimónias do mega funeral de estado são tema e matéria fílmica. Antes, às 19 horas, também na mesma secção e na mesma sala, é exibido o filme “ La femme de mon frére”, ficção, 107 minutos, uma produção canadiana realizado por Monia Chokri que, conjuntamente com Justine Gauthier, também assina a montagem. O filme tem nova sessão no dia 3 às 21h30m no Grande Auditório da Culturgest. Foi o filme de abertura no Festival de Cannes 2019 da secção “ Un Certain Regard”, onde foi vencedor no júri “coup de coeur”. Já exibido no Festival de Hamburg, Motovun Film Festival, é a primeira longa metragem da realizadora. A crítica em Cannes não efusivamente favorável, construído numa sucessão de skectchs é um filme que chega a Lisboa e que desperta curiosidade. Se o jornal “Le Figaro” lhe atribui uma estrela, e o L´Humanité duas, os Cahiers du Cinema , Paris Match, Liberacion, Elle, ou Les Inrockuptibles atribuíram 4 . O filme é apresentado como: “… inscrito na tradição do filme familiar quebequense, mas também na subtileza e cosmopolitismo de autores como Noah Baumbach ou Greta Gerwig, esta é a comédia dramática acerca de uma jovem já não tão jovem, recém doutorada, que, sem planos de futuro, procura compensação emocional na relação com o seu irmão. A ironia constante é a grande arma de boa disposição maciça, mas, através da alternância entre o cómico e a dor verdadeira – algo que a adtriz Anne-Élisabeth Bossé domina na perfeição – as personagens geanham outra vida e profundidade.” (Carlos Natálio – catálogo do festival) . Um filme e uma actriz a ver nesta ou noutras oportunidades. Ainda nesta noite, na sessão IndieMusic, secção com filmes que trabalham temas de músicos e bandas, e os contextos políticos e sociais em que existem, sempre muito do agrado do público, chega ao ecrã do grande auditório da Culturgest às 21h30m, o documentário Billie de James Erskine. É uma produção do Reino Unido de 2019, 96 minutos. Billie Holiday é uma lenda do jazz norte-americana. No final dos anos 60, enquanto preparava uma biografia, o jornalista Lipnack Kuehl gravou mais de 200 horas de entrevistas com outros músicos, familiares, amigos e amantes da cantora. James Erskine com este material, registos de performances, e outras imagens de arquivo, constrói um filme sobre a vida de Billie Holiday . A cantora é uma das mega vozes do século XX. Nasceu em 1915, viveu em excesso e euforia, em 1959 era admirada por Duke Ellington, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald. Vamos acompanhar com atenção a edição do Festival que se apresenta como uma “ aposta na exibição de obras que preencham o vazio da circulação cinematográfica moldado pela produção mainstream que domina o mercado.” Assunto nada displicente e que nos merecerá a devida atenção.
Raquel Moz EventosCinema | Turismo de Macau deu prémios no IndieLisboa 2019 Os prémios do Festival de Cinema IndieLisboa 2019, em cartaz de 2 a 12 de Maio, foram anunciados no domingo passado, após mais de 250 filmes exibidos. O Turismo de Macau também atribuiu prémios para as melhores curtas de documentário, ficção e animação [dropcap]A[/dropcap] 16ª edição do Festival de Cinema Independente de Lisboa – IndieLisboa 2019 –, que decorreu entre 2 e 12 de Maio na capital portuguesa, anunciou no passado domingo os vencedores das categorias em competição, entre 250 películas de géneros, formatos e origens diversos. “De Los Nombres De Las Cabras”, de Silvia Navarro e Miguel G. Morales, foi o vencedor do Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa, um documentário espanhol de 2019, “pela sua rica e intrincada investigação do recente passado colonial, pela interacção com tempos antigos e tradições das ilhas das Canárias, através de imagens de arquivo escolhidas e montadas com perícia, do som de entrevistas e de uma paisagem sonora imersiva”, segundo a avaliação do júri internacional. Os mesmos jurados atribuíram ao filme português “Past Perfect, de Jorge Jácome, o Grande Prémio de Curta Metragem, depois de ter passado em Fevereiro pelo Festival de Cinema de Berlim e em Março pelo Festival New Directors / New Films de Nova Iorque. A fita do jovem realizador, que nasceu em Viana do Castelo em 1988 e cresceu em Macau até 1999, é um documentário ficcional e experimental de 23 minutos que partiu da peça de teatro “Antes”, de Pedro Penim, para ser reescrita e visualmente readaptada às suas interrogações pessoais no contexto cinematográfico. O júri considerou que “o filme fala da nostalgia e da emoção, perguntando-se se os sentimentos eram mais imediatos e autênticos no passado. Com várias camadas formais e com momentos sempre surpreendentes, parcialmente com humor, parcialmente mordaz mas frequentemente muito emotivo, o filme deixou um forte rastro em nós.” A mais recente película de Jorge Jácome segue-se a trabalhos também premiados, que fizeram o seu circuito em vários festivais, como “Flores” de 2017, “A Guest + A Host = A Ghost” de 2015 ou “Plutão” de 2013. Honras locais O Turismo de Macau, que é responsável pela exibição de filmes realizados por autores do território numa secção paralela do IndieLisboa, tem também o mérito de atribuir três prémios especiais para as melhores curtas-metragens de animação, documentário e ficção internacionais. O prémio para cada um dos trabalhos foi cerca de 4.500 patacas. O galardão para a melhor animação coube este ano a “Guaxuma”, de Nara Normande (Brasil/França, 2018), um filme de 14 minutos sobre memórias de infância à beira-mar e amizades na areia da praia. “Um filme sensível sobre uma história pessoal. O realizador guia-nos com perícia através desta viagem, com a aplicação de várias técnicas e estéticas. O filme encantou-nos e puxou-nos para dentro da história“, refere a avaliação. A melhor ficção foi para “The Girl With Two Heads”, de Betzabé Garcia (Reino Unido, 2018), onde em 13 minutos é explorada a questão da representação e da autoconsciência do corpo, através de uma personagem enquanto ela procura definir a sua visão de feminilidade e o seu lugar como mulher na sociedade. “Ficámos fascinados desde o início pela sua caligrafia cinematográfica. O filme cativa-nos pelo óptimo ritmo e pela abordagem visual”, foi a opinião dos jurados. E o melhor documentário curto foi alcançado por “Swatted”, de Ismaël Joffroy Chandoutis (França, 2018), com 21 minutos de uma narrativa bem construída, a partir de vídeos de youtube e testemunhos de vítimas de assédio online. “O filme dá-nos a dimensão e o potencial do mundo de hoje e para onde se pode ir. Uma investigação maravilhosa, montada e narrada de forma sedutora e inteligente, construindo e desconstruindo a nossa realidade em 20 minutos”, elogiou o júri. O Festival IndieLisboa 2019 encerrou com o novo filme de Nadav Lapid, “Synonymes”, que venceu o Urso de Ouro em Berlim 2019. Paixão em Junho No âmbito das festas que celebram o “Mês de Portugal na RAEM”, o IndieLisboa anunciou já o seu programa de cinema português no território. A mostra vai decorrer entre 21 e 23 de Junho, de sexta a domingo, na Cinemateca Paixão, com o apoio da Fundação Oriente e da Casa de Portugal. No cartaz das exibições estão as longas “A Dama de Chandor” (1999) de Catarina Mourão, “Bostofrio, où le ciel rejoint la terre” (2018) de Paulo Carneiro, e a “Peregrinação” (2017) de João Botelho. Entre as curtas estão obras aclamadas pela crítica internacional em diversos festivais, como “Miragem Meus Putos” (2017) de Diogo Baldaia, “Amor, Avenidas Novas” (2018) de Duarte Coimbra, “Nyo Vweta Nafta” (2017) de Ico Costa, ou “3 Anos Depois” (2018) de Marco Amaral, entre outros. A realizadora Catarina Mourão, autora de filmes como “A Toca do Lobo” (2015) e o mais recente “O Mar Enrola na Areia” (2018), vai estar presente no território, onde organizará workshops com cineastas locais.
Andreia Sofia Silva EventosCinema | Cartaz do Índie Lisboa celebra os 20 anos de transferência de soberania de Macau [dropcap]F[/dropcap]oi hoje apresentado em Lisboa o cartaz da edição deste ano do festival de cinema Índie Lisboa. Além da antestreia de “Hotel Império”, filme de Ivo Ferreira, bem como de três episódios da sua nova série, intitulada “Sul”, serão exibidos alguns filmes que visam celebrar o aniversário dos 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China. Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local. O Índie Lisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com a curtas-metragen chinesa“A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, também será exibida. No painel das longas metragens há também lugar para “Present.Perfect.”, de Shengze Zhu, um documentário que nasce de uma produção conjunta entre os EUA e Hong Kong, realizada este ano. O Índie Lisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.
Hoje Macau EventosPelículas do Indie Lisboa chegam à Cinemateca Paixão [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já esta sexta-feira que os filmes do Indie Lisboa chegam a Macau, inseridos na iniciativa “Junho, Mês de Portugal”, tendo o apoio da Fundação Oriente, da Casa de Portugal em Macau e do Consulado-geral de Portugal no território. Entidades como o Instituto Português do Oriente e da empresa XCESSU também apoiam a organização. Todos os filmes serão exibidos na Cinemateca Paixão. O documentário “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”, do realizador João Botelho, será o primeiro a ser exibido, às 19h30. A película retrata a relação dos dois cineastas. No sábado, dia 1 de Julho, a Cinemateca Paixão exibe um conjunto de curtas-metragens a partir das 18h. Incluem-se a animação “Macabre”, de Jerónimo Rocha e João Miguel Real, “Campo de Víboras”, de Cristèle Alves Meira, e “Pedro”, de André Santos e Marco Leão. Às 19h30, será exibido “Treblinka”, de Sérgio Tréfaut. O domingo será outro dia dedicado às curtas-metragens. Serão projectados, a partir das 18h, “Ascensão”, de Pedro Peralta, “Swallows”, de Sofia Bost, e “O Corcunda”, de Gabriel Abrantes e Ben Rivers. No mesmo dia será também exibido “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”, de José Barahona. Segundo um comunicado, “os filmes escolhidos representam esse espírito independente que caracteriza muito do cinema português e que tem conquistado o público e os júris dos principais festivais internacionais por esse mundo fora”.
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasSisterhood, de Tracy Choi, aplaudido no Indie Lisboa [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o catálogo do Festival o filme é apresentado desta forma : “Duas massagistas (Seiya e Kay), na Macau dos anos 1990, tornam-se melhores amigas e criam juntas o bebé de Kay, como uma família. Até que, no dia da entrega do território à China, as duas discutem violentamente e nunca mais se falam. Anos mais tarde, Seiya regressa a Macau, mas apenas encontra o filho da amiga, já adulto, e uma cidade completamente diferente: os casinos e as luzes de néon transformaram a pacata localidade na Las Vegas do Oriente. Sisterhood, da macaense Tracy Choi, é um filme que olha com saudade aquilo que Macau foi e já não é.” O filme é isso, mas bastante mais. O filme de 2017, realizado e montado por Tracy Choi com argumento Kin Yee Au, que resulta do primeiro concurso do programa de apoio às longas metragens do Instituto Cultural em 2013, é uma obra cinematográfica fluida, aberta, onde pulsa a vida contemporânea. O filme transporta-nos à centralidade do amor na vida das protagonistas, dá a ver uma cartografia da construção dos afectos e como, a vida banal dos quotidianos vividos, tem sempre qualquer coisa de heróico, de grandioso, quando o amor acontece. Fala de outras possibilidades de famílias contemporâneas quando duas jovens mulheres decidem juntas, serem ambas mãe, de um filho que vai nascer da gravidez de uma delas que aconteceu em resultado de um modo de vida, a forma encontrada para pagar as contas, e não de desejo e afecto partilhado. É uma ousadia radical, uma manifestação de amor sem condicionamentos, sejam estes de género, sociais, ou económicos. Ambas sabem, na cidade do jogo e das massagens, as dificuldades da decisão, mas não as temem. Sabem que o corpo grávido se transforma e se afasta dos padrões do das profissionais da massagem, e facilmente uma barriga que cresce é uma condenação a ficar sem o local de trabalho. E conhecem também o olhar estigmatizado do instituído. Uma coisa são duas jovens mulheres que partilham um apartamento, outra uma família monoparental de duas jovens mulheres e um bebé partilhado. A sabedoria do filme, resulta de, numa história vivida na contingência do quotidiano, a alegria e a espontaneidade dos afectos irromperam exactamente como na vida, sem aviso prévio. Resulta dos pequenos gestos visíveis, como quando um carro de bebé é empurrado pelas protagonistas em que as mãos felizes na partilha da acção se sobrepõem como num abraço, e tem de afastar-se por defesa, na ocultação da visibilidade da expressão afectiva em resultado da fobia social perante o não igual. O tempo é outro elemento de trabalho na narrativa, o tempo que muda a cidade, o tempo que muda as protagonistas. Metáfora e símbolo, é o momento da transição da soberania a 20 de Dezembro 1999, o momento de rotura na relação afectiva entre as duas mães do mesmo filho. Uma fica, outra parte. Mas, para a protagonista, a dor da separação, apesar da saída do território ser sobre a protecção serena e dedicada de um homem rendido e amante, pode ser atenuada, mas não varrida da memória do corpo. O regresso ao território é uma inevitabilidade. O regresso à cidade de pertença onde a memória e também a materialidade do que a define e identifica permanece, bem como um filho, nascido do corpo de outra mulher, agora ele, em crise de adolescência. Só o regresso a Macau permite o ponto final da dor da rotura pela separação. A cidade mudou, mas é nela que pode ser feliz. Ficção, 2016, 97′, DCP Argumento: Kin Yee Au Fotografia: Cheong Sin Mei Música: Ellison Lau Som: Nip Kei Wing Montagem: Tracy Choi Com: Gigi Leung, Fish Liew, Jennifer Yu Produtor: Wai But Tang, Yuin Shan Ding, Jacqueline Liu Produção: One Cool Film ProductIon Países: República Popular da China/ Macao, Hong Kong
Rui Filipe Torres h | Artes, Letras e IdeiasVontade de cinema: 14º Indie Lisboa, de 3 a 14 de Maio [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a competição nacional estão seis longas metragens e dezoito curtas, a maior presença de sempre na competição nacional do Indie Lisboa. No total, são perto de quarenta filmes portugueses, na sua maioria em estreia mundial ou nacional, nas diferentes secções do festival. Macau tem presença nesta edição do Indie Lisboa, num olhar sobre o que está a acontecer na cinematografia da território, com a colaboração do Instituto de Turismo de Macau. Dia 1 Ficção, 2017, 135′, DCP Argumento: Teresa Villaverde Fotografia: Acácio de Almeida Som: Vasco Pimentel Montagem: Rodolphe Molla Com: João Pedro Vaz, Alice Albergaria Borges, Beatriz Batarda Produtor: Teresa Villaverde Produção: Alce Filmes Países: Portugal, França COLO, de Teresa Villaverde – Um filme que nos fala da falência Foi o filme da sessão de abertura e esgotou os 830 lugares da sala Manuel de Oliveira . Na projecção, para além do público cinéfilo, realizadores, actrizes, actores, produtores, técnicos, esteve o primeiro ministro António Costa. Em registo de piada com a irreverência usual em cerimónias de abertura de festivais de cinema, foi apresentada a edição e dadas as boas vindas ao público e aos participantes e, aproveitando a presença do primeiro-ministro, foi sugerido que uma geringonça oleada e funcionar, sabe seguramente que investir 2% do orçamento geral do estado na cultura, é a condição necessária para tornar efectivamente activo e dinâmica o sector, para ultrapassar a percepção geral das políticas públicas da cultura como um exercício sobre o supérfluo, o não necessário, os foguetes que se estoiram no calendário das festas ou eleitorais, mas sim actividade necessária para a continuidade da afirmação do capital simbólico e imaterial de Portugal no mundo. No caso do cinema, é a possibilidade de muitos e talentosos profissionais trabalharem, afirmando o papel central do cinema no diálogo do mundo contemporâneo, no desenvolvimento das cidades como espaços criativos, alavancar esta arte/indústria para patamares com maior desenvolvimento e retorno, também financeiro. Colo é um filme que continua o universo cinematográfico da realizadora, onde o tempo da adolescência é central, e os movimentos de autónoma e aproximação ao real normativo são de confronto, incompatibilidade, sofrimento, mágoa, desencanto, revolta. No filme Colo, que teve estreia mundial na competição oficial do último Festival de Berlim, a trama narrativa desenrola-se seguindo o quotidiano de uma família jovem e suburbana da baixa classe média em desintegração em resultado da fragilidade e ausência de emprego. Mas cinematografia de Teresa Villaverde tem a sua vitalidade no não abdicar do habitar do poético, do trabalho pictórico na composição das linhas e mise-en-céne dos planos, nas relação das personagens com o espaço e com o tempo em que movem. No texto de apresentação, é escrito “ … filme, sempre à beira de explodir, que nos recorda do direito fundamental à felicidade.” A felicidade é uma coisa estranha, mas quando nem dinheiro há para a conta da electricidade, mesmo que a capacidade de fantasiar jantares à luz de velas e imaginar quotidianos em séculos anteriores à sua invenção seja activada, ser feliz começa a ser coisa muito distante, um exercício condenado ao insucesso. O encanto cinematográfico deste filme irrompe da sua construção no fio da navalha. Embora seja visível a construção narrativa dos três actos, é anulado o conforto narrativo de seguir uma personagem principal, sim é filha adolescente, sim é a amiga adolescente da filha, sim é o pai, sim é a mãe. Ou seja, temos quatro personagens principais. É possível, dar centralidade à figura da mulher que também é mãe, que também é esposa, que também trabalha, que é quem cuida, que é quem ousa sobreviver e organizar um universo que desaba. Mas se ser mulher neste tempo e neste contexto é tudo isto; ser o eixo, o lugar ómega e alfa, é humanamente impossível ser super-mulher, e o colapso é inevitável. Colo é um filme lento, que se anuncia no plano inicial do beijo e separação da filha adolescente e namorado, instalasse e ganha singularidade estética cinematográfica quando se abre a roturas na racionalidade narrativa, se liberta e abre à errância e falência dos personagens num mundo em perda, mas que ainda assim sobrevivem e, talvez, venham a ganhar novas possibilidades de vida. Dia 2 Cião Cião, filme de Song Chuan Competição Internacional Ficção, 2017, 83′, DCP Argumento: Song Chuan Fotografia: Li Xuejun Som: Gao Yuan Montagem: Jean-Marie Lengellé, Song Chuan Com: Liang Xueqin, Zhang Yu, Hong Chang Produtor: Guillaume de la Boulaye Produção: Zorba Production Países: França, China Verde, vermelho, castanho, dourado, é impossível ficar-se indiferente à beleza formal deste drama, à la Tennessee Wiliams, que se joga na força plástica entre a grande escala e beleza imensa das montanhas, céus e vales da terra mãe, e os planos aproximados aos corpos e grandes planos do rosto da sensual e bela protagonista. Mas é a vida de homens e mulheres, novos e velhos, neste tempo contemporâneo, que o filme partilha e constrói com cada um na experiência emocional de cada projecção. Cião Cião, fala-nos do desejo de mundo, da visão da liberdade e possibilidades em aberto que cidade oferece nos sonhos e vontade dos jovens adultos a viver numa aldeia no interior da grande China. E também do receio dos mais velhos por este deslumbramento por um mundo onde, como afirma a mãe da protagonista logo num diálogo inicial, — um mundo onde tudo o que conta é o dinheiro. A tensão entre o antigo e o moderno, o ancestral e a vanguarda, é vivido nas dinâmicas da construção social do real na aldeia, onde a imagem perante o outro, a tradição e a hierarquia, são as forças nucleares que laçam e seguram uma cultura milenar onde os filhos devem respeito aos pais. Ter presente esse tempo que chegará, em que a sua função social é a de cuidadores, aqueles que zelam para que uma velhice tranquila, serena, em paz, seja vivida por aqueles que os antecederam. A aldeia não está isolada do mundo, as redes de satélite asseguram o sinal de antena nos telemóveis, e nos diferentes ecrãs fixos ou móveis, como resistir à pulsão do desejo, à liberdade e anonimato dos corpos que a grande cidade oferece, é isso possível? E no grande vale o comboio aproxima e afasta o distante. O filme começa com Cião Cião a protagonista, jovem mulher moderna que está a chegar a casa dos pais vinda da grande metrópole de Cantão. Faz-se acompanhar pela sua mala e sapatos Louis Vuitton e lenço Hermès. A sua presença agita o quotidiano da pequena comunidade onde pouco acontece; os homens jovens jogam , bebem, e frequentam mulheres que vendem sexo. As mulheres asseguram que os homens se mantenham nos afazeres que dão estabilidade às rotinas do quotidiano Cião Cião, deseja voltar à cidade, os seus pais têm um plano diferente: o casamento com o filho de um homem rico que mantém relações de negócio. Na deslumbrante paisagem rural chinesa os rostos e os corpos dá-nos a interioridade da vida. O desejo e a contenção, os códigos sociais de um mundo onde sangue, honra, hierarquia, não são conceitos vagos mas práticas que facilmente podem conduzir ao abismo da morte. De notar a banda sonora coadjuvante para esta mistura de corpos, paisagem, desejo, transgressão e convenção, neste filme que se aproxima do perfeito, onde o fora de campo tem uma presença permanente, nesta fala no contemporâneo que opõe os desejos de duas Chinas; a rural e a urbana.
Andreia Sofia Silva EventosTurtle Giant actuam no festival Indie Lisboa [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] banda local Turtle Giant será protagonista do evento “Macau by Night”, que integra a edição deste ano do festival de cinema Indie Lisboa. O concerto do grupo composto por António Vale da Conceição, Beto Ritchie e Fred Ritchie acontece no próximo dia 4 de Maio na Casa Independente, em Lisboa. “Vamos fazer um concerto com as músicas do nosso último álbum”, disse ao HM Beto Ritchie. “Estamos bastante apertados em termos de tempo para preparar uma coisa mais comprida”, acrescentou o músico, que falou também na possibilidade de realização de um concerto no Porto. Tocar em Lisboa vai ser uma experiência inédita. “É gratificante, porque antes da entrada do António na banda, em 2012, eu e o meu irmão começámos o projecto em Barcelona, onde morámos um ano. Chegámos a fazer concertos em Vigo e na Corunha, em Espanha. Chegámos muito perto da fronteira com Portugal, mas nunca tocámos lá”, notou Beto Ritchie. “Estamos muito felizes por finalmente tocarmos em Portugal. Também nunca tocámos no Brasil, são esses dois lugares que faltam. Já fomos ao Canadá, China, Taiwan, Tailândia, faltam essas duas casas nossas”, acrescentou o músico. Intitulado “Many Mansions I”, o último álbum dos Turtle Giant foi lançado em 2015 e desde então que os concertos têm sido esporádicos, devido ao facto de Fred Ritchie se encontrar a viver em Los Angeles. O facto de um dos elementos da banda não viver em Macau faz com que os Turtle Giant estejam num momento de pausa. “Tocamos o que conseguimos fazer. Em Dezembro conseguimos organizar cá um concerto [no âmbito do festival This is My City], o meu irmão veio, mas estamos assim até organizarmos uma tournée nos Estados Unidos. Aí fica mais fácil, porque o meu irmão está morando lá há algum tempo. De momento, estamos muito em standby, fazemos concertos quando há oportunidade e fazemos gravações em separado, os três.” Beto Ritchie adianta que a preparação do próximo disco já está em marcha, sendo que os fãs poderão esperar o segundo volume de “Many Mansions”. “Já estamos a trabalhar no próximo disco e acho que, para o próximo ano, vamos conseguir lançá-lo. É provável que façamos a segunda parte do ‘Many Mansions’, mas ainda é um pouco cedo para avançar algo mais, ainda não decidimos nada”, disse Beto Ritchie.