Andreia Sofia Silva EventosLiteratura | UM e UCM recordam escrita de Henrique de Senna Fernandes “Lembrando Henrique de Senna Fernandes – Jornadas em torno da identidade macaense” é o nome do colóquio que decorre hoje e amanhã na Universidade Cidade de Macau e na Universidade de Macau. A ideia é falar do autor macaense no ano em que se celebra o centenário do seu nascimento, incluindo-se ainda sessões sobre a identidade macaense e a literatura de Macau Arranca hoje na Universidade Cidade de Macau (UCM) um colóquio inteiramente dedicado a Henrique de Senna Fernandes, aquele que é considerado o grande escritor de Macau, que sempre escolheu o português para as suas obras e que nunca deixou de se identificar como macaense. “Lembrando Henrique de Senna Fernandes – Jornadas em torno da identidade macaense” acontece ainda amanhã na Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de Macau (UM). O evento começa hoje às 10h15, na UCM, com a palestra plenária de Mónica Simas, académica brasileira e grande especialista na obra de Henrique de Senna Fernandes, que vai apresentar “O mundo extraordinário de Henrique de Senna Fernandes”, com moderação de Carina Liu, da UCM. Este colóquio de dois dias inclui ainda painéis sobre a ligação do autor à literatura de Macau, a literatura euroasiática, a identidade linguística e cultural, bem como as áreas da tradução e do ensino do português como língua estrangeira. Decorrerá ainda uma mesa redonda sobre o tema “Ser Macaense – A identidade macaense na primeira pessoa”. No programa do evento, os organizadores da conferência descrevem Henrique de Senna Fernandes como um “icónico escritor de Macau, que nos apresenta nos seus contos e romances a Macau de meados do século XX”, revelando também “uma história secular de co-habitação de culturas muito distintas, com especial incidência na representação da comunidade macaense”. Assim, este pretende ser “um fórum de reflexão e discussão da condição macaense e da problemática multicultural a marcar a Cidade do Nome de Deus [Macau] desde a sua fundação”. Cultura e afectos Na primeira sessão, a ideia é debater se Macau tem, de facto, uma cultura própria, chamando a atenção para a “importância da preservação da cultura local”. Trata-se de uma sessão que “procura introduzir alguns conceitos teóricos, como a Globalização e a cultura local, para compreender a necessidade de preservar culturas particulares, bem como a luta do escritor Henrique de Senna Fernandes pelo reconhecimento das características de Macau”, apontam os organizadores. Por sua vez, na segunda sessão, procura-se analisar “as representações das relações afectivas e contextos conjugais” nos textos do autor macaense. “A identidade macaense surge a partir de processos matrimoniais que envolvem um conhecimento sobre os intensos fluxos migratórios pelos quais a região passou. As relações entre diferentes etnias geraram uma sociedade mestiça que envolve tabus que tiveram de ser superados”, descreve o programa, que vai ainda analisar “as relações amorosas descritas por Henrique de Senna Fernandes, identificando os desafios que enfrentaram”. Académicos em conjunto Depois da palestra protagonizada por Mónica Simas, o programa prossegue a partir das 11h com o painel “Henrique de Senna Fernandes e a literatura de Macau”, com a participação de Sara Augusto, académica actualmente em funções no Instituto Português do Oriente, que vai falar de “Senna Fernandes: A herança literária na obra de Miguel de Senna Fernandes”, seu filho e presidente da Associação dos Macaenses. Por sua vez, Manuela Carvalho, da UM, vai falar da “Adaptação cinematográfica de ‘Amor e Dedinhos de Pé’: (Re) criação e Transgressão”, enquanto hoje, a partir das 15h, Maria José Grosso, docente da UM, vai apresentar “A educação no olhar evocativo de Senna Fernandes”. Maria Antónia Espadinha, antiga docente da UM e da Universidade de São José, falará d’”As mulheres de Henrique de Senna Fernandes”, enquanto Pedro Caeiro, da UCM, aborda “A Cultura Local no ensino PLE [Português como Língua Estrangeira] em Macau – Mong-Há como material didáctico”. Destaque ainda para a sessão das 17h15 até às 18h, protagonizada pelo docente da UM Mário Pinharanda Nunes, que vai falar da “Obra de Henrique de Senna Fernandes enquanto fonte documental da génese e evolução do patuá”. A mesa redonda sobre a temática “Ser Macaense: A identidade macaense na primeira pessoa”, que começa às 18h15, traz para o debate nomes de personalidades macaenses como Miguel de Senna Fernandes, José Luís Sales Marques, António Monteiro, Sérgio Perez e Elisabela Larrea. Da identidade Amanhã o colóquio prossegue na UM, a partir das 10h, com moderação de Mário Pinharanda Nunes, discutindo-se “Henrique de Senna Fernandes: O Homem, a Obra e a Cultura Macaense”. Mónica Simas volta a pisar o palco para questionar se Macau tem uma cultura própria e para falar da “preservação da cultura local”. Marisa Gaspar, antropóloga que está a realizar uma investigação pós-doutoramento no território, aborda o romance de Senna Fernandes adaptado ao cinema por Luís Filipe Rocha, “Amor e Dedinhos de Pé”, apresentando um “olhar antropológico sobre a memória e identidade na comunidade macaense”. O colóquio encerra amanhã ao final do dia com um sexto painel, intitulado “A obra de Henrique de Senna Fernandes no contexto de outras literaturas euroasiáticas”, com a presença dos académicos Rogério Miguel Puga, da Universidade Nova de Lisboa, e Melissa de Silva, da Universidade Nacional de Singapura.
Andreia Sofia Silva EventosHenrique de Senna Fernandes | Livro realça lado “polivalente” do autor Lançado na sexta-feira, pela Praia Grande Edições, “Cem Anos de Henrique de Senna Fernandes”, dirigido por Lola Geraldes Xavier, apresenta um retrato das múltiplas perspectivas da vida e obra do autor macaense. A académica entende que a obra de Henrique de Senna Fernandes continua a despertar interesse Autor de “Amor e Dedinhos de Pé” e “A Trança Feiticeira”, Henrique de Senna Fernandes continua a ser tido por muitos como o maior autor macaense, aquele que sempre se disse português de Macau e teimou em escrever na língua de Camões. Na última sexta-feira, primeiro dia do festival literário Rota das Letras, foi lançada a obra “Cem Anos de Henrique de Senna Fernandes”, com coordenação de Pedro D’Alte e direcção de Lola Geraldes Xavier, docente da Universidade Politécnica de Macau (UPM). Ambos pertencem a um grupo de investigadores “com interesses pelas literaturas e culturas em português”, intitulado “Ecoador”, que inclui outros académicos, nomeadamente de Macau, como Lu Jing, estudante bolseiro de doutoramento da UPM, e Yang Nan, mestre em Língua e Cultura Portuguesa pela Universidade de Macau. A obra reúne um conjunto de ensaios sobre Henrique de Senna Fernandes da autoria de académicos deste grupo “informal e sem qualquer financiamento”. “O acolhimento [do projecto] da parte de uma editora com os mesmos interesses [celebrar o centenário do nascimento do romancista] é muito louvável”, disse Lola Geraldes Xavier. Essencialmente o livro “pretende colocar em diálogo vários modos artísticos” do autor macaense, contando também com ilustrações de Dilar Pereira e um ensaio fotográfico de Sara Augusto. “As contribuições são diversas e multidisciplinares, da parte de investigadores da Literatura, Filosofia, História, Direito, Economia ou Sociologia, entre outros. Os temas são igualmente múltiplos: revisão da literatura sobre o autor, enfoque sobre alguns contos, romances, biografia, gastronomia na obra de Senna Fernandes ou a importância histórico-cultural das suas publicações.” Em declarações ao HM, Miguel de Senna Fernandes referiu que “é importante o lançamento deste livro”. “Agradeço desde já a todos os que quiseram demonstrar a admiração pelo trabalho de Henrique de Senna Fernandes, [sem esquecer] as várias actividades que decorreram este ano sobre a obra do meu pai. Infelizmente, não tive tempo para participar neste livro”, acrescentou. Além disso, a publicação do livro representa “um marco importante no que diz respeito à figura que foi Henrique de Senna Fernandes, sendo um inestimável tributo a este escritor de Macau”. Os vários lados de Henrique Nas primeiras páginas do livro, Pedro D’Alte descreve Henrique de Senna Fernandes como uma figura “versátil, polivalente e conciliadora”. Lola Geraldes Xavier concorda, destacando que a versatilidade do autor se denota mais “ao nível dos géneros literários que tratou e das profissões e cargos que abraçou”. Henrique de Senna Fernandes foi também uma figura “conciliadora” devido às “relações interétnicas que cultivou, quer biográfica quer literariamente”. “Creio que a marca que deixou na comunidade de Macau e macaense, em particular, pela sua intervenção cívica e cultural, será, porventura, um legado em pé de igualdade com o literário”, acrescentou. Considerando ser essencial traduzir mais Henrique de Senna Fernandes para chinês e inglês, Lola Geraldes Xavier entende que a essência da sua escrita se sente com mais intensidade nos romances, “que têm chamado mais a atenção de estudiosos e cineastas”, ao invés dos contos. “No entanto, ele começou por ser premiado por um conto, nos jogos florais da Queima das Fitas da Universidade de Coimbra, em 1950, por ‘A-Chan, a tancareira’. Os contos carregam em si o embrião de alguns romances, pelas temáticas, espaços, tempo ou tipos sociais de personagens.” O seu filho destaca que, em Macau, “ele é conhecido, acima de tudo, como professor, sobretudo pela comunidade macaense, pois foi professor de história de muitas gerações, tanto no liceu como na Escola Comercial Pedro Nolasco”. “Ele é recordado, carinhosamente, por ‘senhor professor’, mas claro que a escrita lhe deu outra dimensão. Ele marcou uma época e a história de Macau e quem lê Henrique de Senna Fernandes faz uma viagem no tempo”, frisou. Um autor (ainda) a descobrir Neste livro de ensaios, Lola Geraldes Xavier fez um estudo sobre o estado da arte em relação ao que já se publicou sobre os escritos de Senna Fernandes, em parceria com Chen Gaozhao, estudante de doutoramento em português na UPM. As conclusões mostram que “na década do século XX o autor continua a despertar interesse, inclusivamente na academia”. As palavras de Senna Fernandes não se esgotam nos romances mais conhecidos, muitos deles editados pelo Instituto Cultural, havendo ainda escritos por publicar, nomeadamente a obra “O Pai das Orquídeas”, livro no qual Henrique de Senna Fernandes estava a trabalhar antes de morrer, em 2010, sem esquecer os demais contos que ficaram em papel. “Do que já está publicado, ‘Mong-Há’ é o livro menos estudado, tal como são menos estudados temas relacionados com aspectos sociológicos, como personagens, a tradução, a diáspora e biografia, por exemplo”. Os cenários que surgem nas obras de Henrique de Senna Fernandes fazem parte de um certo imaginário de uma Macau em constante mudança socioeconómica. Neste sentido, questionámos Lola Geraldes Xavier se os escritos do autor macaense se poderão tornar numa quase de referência histórica ou antropológica. A docente da UPM recorda que “ainda em vida o autor tinha consciência desse desaparecimento e, talvez por isso, também da importância do seu legado”. Lola Geraldes Xavier destaca os casos dos escritos de outros autores portugueses de Portugal, nomeadamente Almeida Garrett e Eça de Queirós, questionando se se transformaram, de facto, em referências históricas. “A literatura é uma arte social, logo histórica, mas a sua essência ultrapassa essas fronteiras, pelo que todo o grande escritor sobrevive pela inserção da sua obra no cânone literário e não na história”, considerou. Para Miguel de Senna Fernandes, as obras do seu pai constituem “uma memória”, tendo em conta “tudo aquilo que se vai desfazendo em Macau”.
Hoje Macau SociedadeUM | Criado prémio Henrique de Senna Fernandes Henrique de Senna Fernandes, conhecido escritor macaense, dá nome ao mais recente prémio académico criado pela Universidade de Macau (UM). Segundo disse à TDM Rádio Macau o vice-reitor da instituição, Rui Martins, a distinção visa reconhecer as melhores teses de mestrado e doutoramento na área do Direito e Estudos Portugueses, tendo um valor de dez mil patacas. No primeiro ano de funcionamento do prémio, foram escolhidas uma tese de doutoramento defendida no departamento de português da UM e uma tese de mestrado da Faculdade de Direito. Para esta edição foram seleccionadas teses dos últimos dois anos, embora este prémio seja anual.
Andreia Sofia Silva EventosUM | Romance de Henrique de Senna Fernandes foi tema de palestra online “Crescer e Amadurecer na Macau do Século XX: Amor e Dedinhos de Pé, de Henrique de Senna Fernandes, como duplo Bildungsroman” é o tema da palestra online ontem proferida por Rogério Miguel Puga, da Universidade Nova de Lisboa. O académico abordou o crescimento pessoal e a mudança social dos dois protagonistas do romance do autor macaense, Chico Pé-Fede e Vira Pau Osso [dropcap]N[/dropcap]o ano que marca o décimo aniversário da morte de Henrique de Senna Fernandes, considerado um dos maiores romancistas macaenses, a Universidade de Macau (UM) voltou a recordar a sua obra “Amor e Dedinhos de Pé” através de uma palestra online destinada a alunos de mestrado. “Crescer e Amadurecer na Macau do Século XX: Amor e Dedinhos de Pé, de Henrique de Senna Fernandes, como duplo Bildungsroman” é o nome da palestra ontem proferida por Rogério Miguel Puga, académico da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito da iniciativa “Palestras Interdisciplinares – Rostos de Macau”. O professor universitário abordou essencialmente a evolução pessoal e social dos dois protagonistas de “Amor e Dedinhos de Pé”, Victorina Vidal [Vira Pau Osso] e Francisco Frontaria [Chico Pé-Fede], explicado pelo termo “duplo Bildungsroman” que, na crítica literária, significa que estamos perante um “romance de formação”. Trata-se de “um romance que acompanha a educação formal do protagonista desde que nasce até à fase adulta e isso acontece em ‘Amor e Dedinhos de Pé’. Por isso é que se chama ‘duplo Bildungsroman, porque há dois protagonistas”, explicou Rogério Miguel Puga ao HM. No romance, Francisco Frontaria “cai e atinge o fundo do poço, perdendo a sua fortuna e indo para a cidadela, o bairro chinês”. Pelo contrário, Victorina Vidal “passa do anonimato para ser uma mulher rica e poderosa de Macau”. “Ele era um estroina e tinha de sofrer”, destaca Rogério Miguel Puga, que considera que o romance de Henrique de Senna Fernandes acarreta quase “uma lição moral judaico-cristã de disciplina no que diz respeito a ele”. “A doença de dedinhos de pé, de que ele sofre e que ela depois trata, metaforiza quase um ritual de passagem de Francisco para se tornar um homem responsável”, acrescenta o académico. Sociedade de fachada Mas “Amor e Dedinhos de Pé” não é apenas um olhar sobre o desenrolar de duas personagens. É também um livro que traz uma mensagem à sociedade de Macau, defende Rogério Miguel Puga. “Leio uma auto-crítica no romance. No inicio do século XX a sociedade de Macau era muito conservadora mas existiam doenças sexualmente transmissíveis. Havia todo o mundo da prostituição, era uma sociedade de fachada que não era bem aquilo que aparentava ser. É muito interessante esse exercício de auto-crítica, quase de carnavalização da sociedade.” O personagem Francisco Frontaria “é vítima dessa sociedade conservadora que o renega para o bazar chinês”, enquanto que Victorina Vidal “passa de uma mulher controlada pela família para alguém que herda uma fortuna de familiares de Xangai, tornando-se uma mulher independente que depois recebe Francisco em sua casa e o trata”. “Ele [Francisco Frontaria] passa pela Macau portuguesa e católica e pela Macau chinesa, para depois se reerguer refeito, homem. Os percursos deles [de Francisco e Victorina] são idênticos: ele cai e ela ascende, mas ela ascende para o poder ajudar, e ajuda-o. Eles depois acabam unidos. Há depois a questão da auto-imagem da mulher, do crescimento interior, são características fundamentais do romance. Há uma ordem inicial, o caos e a desordem e depois a ordem é reposta”, descreve o académico. “Amor e Dedinhos de Pé” tem também “uma dimensão etnográfica”, uma vez que o leitor encontra “uma descrição do carnaval em Macau, de vários usos e costumes da sociedade macaense e isso também é muito interessante”, aponta Rogério Miguel Puga. O ciclo de palestras da UM prossegue no próximo dia 11 de Novembro com Leonor Diaz de Seabra, que irá falar do tema “Macau e Brasil: Contactos Culturais”. Mónica Simas, da Universidade de São Paulo, fala no dia 26 de Novembro de “A Quinta Essência, de Augustina Bessa Luís: imaginários do passado de Macau em circulação”.
Andreia Sofia Silva EventosUM | Romance de Henrique de Senna Fernandes foi tema de palestra online “Crescer e Amadurecer na Macau do Século XX: Amor e Dedinhos de Pé, de Henrique de Senna Fernandes, como duplo Bildungsroman” é o tema da palestra online ontem proferida por Rogério Miguel Puga, da Universidade Nova de Lisboa. O académico abordou o crescimento pessoal e a mudança social dos dois protagonistas do romance do autor macaense, Chico Pé-Fede e Vira Pau Osso [dropcap]N[/dropcap]o ano que marca o décimo aniversário da morte de Henrique de Senna Fernandes, considerado um dos maiores romancistas macaenses, a Universidade de Macau (UM) voltou a recordar a sua obra “Amor e Dedinhos de Pé” através de uma palestra online destinada a alunos de mestrado. “Crescer e Amadurecer na Macau do Século XX: Amor e Dedinhos de Pé, de Henrique de Senna Fernandes, como duplo Bildungsroman” é o nome da palestra ontem proferida por Rogério Miguel Puga, académico da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito da iniciativa “Palestras Interdisciplinares – Rostos de Macau”. O professor universitário abordou essencialmente a evolução pessoal e social dos dois protagonistas de “Amor e Dedinhos de Pé”, Victorina Vidal [Vira Pau Osso] e Francisco Frontaria [Chico Pé-Fede], explicado pelo termo “duplo Bildungsroman” que, na crítica literária, significa que estamos perante um “romance de formação”. Trata-se de “um romance que acompanha a educação formal do protagonista desde que nasce até à fase adulta e isso acontece em ‘Amor e Dedinhos de Pé’. Por isso é que se chama ‘duplo Bildungsroman, porque há dois protagonistas”, explicou Rogério Miguel Puga ao HM. No romance, Francisco Frontaria “cai e atinge o fundo do poço, perdendo a sua fortuna e indo para a cidadela, o bairro chinês”. Pelo contrário, Victorina Vidal “passa do anonimato para ser uma mulher rica e poderosa de Macau”. “Ele era um estroina e tinha de sofrer”, destaca Rogério Miguel Puga, que considera que o romance de Henrique de Senna Fernandes acarreta quase “uma lição moral judaico-cristã de disciplina no que diz respeito a ele”. “A doença de dedinhos de pé, de que ele sofre e que ela depois trata, metaforiza quase um ritual de passagem de Francisco para se tornar um homem responsável”, acrescenta o académico. Sociedade de fachada Mas “Amor e Dedinhos de Pé” não é apenas um olhar sobre o desenrolar de duas personagens. É também um livro que traz uma mensagem à sociedade de Macau, defende Rogério Miguel Puga. “Leio uma auto-crítica no romance. No inicio do século XX a sociedade de Macau era muito conservadora mas existiam doenças sexualmente transmissíveis. Havia todo o mundo da prostituição, era uma sociedade de fachada que não era bem aquilo que aparentava ser. É muito interessante esse exercício de auto-crítica, quase de carnavalização da sociedade.” O personagem Francisco Frontaria “é vítima dessa sociedade conservadora que o renega para o bazar chinês”, enquanto que Victorina Vidal “passa de uma mulher controlada pela família para alguém que herda uma fortuna de familiares de Xangai, tornando-se uma mulher independente que depois recebe Francisco em sua casa e o trata”. “Ele [Francisco Frontaria] passa pela Macau portuguesa e católica e pela Macau chinesa, para depois se reerguer refeito, homem. Os percursos deles [de Francisco e Victorina] são idênticos: ele cai e ela ascende, mas ela ascende para o poder ajudar, e ajuda-o. Eles depois acabam unidos. Há depois a questão da auto-imagem da mulher, do crescimento interior, são características fundamentais do romance. Há uma ordem inicial, o caos e a desordem e depois a ordem é reposta”, descreve o académico. “Amor e Dedinhos de Pé” tem também “uma dimensão etnográfica”, uma vez que o leitor encontra “uma descrição do carnaval em Macau, de vários usos e costumes da sociedade macaense e isso também é muito interessante”, aponta Rogério Miguel Puga. O ciclo de palestras da UM prossegue no próximo dia 11 de Novembro com Leonor Diaz de Seabra, que irá falar do tema “Macau e Brasil: Contactos Culturais”. Mónica Simas, da Universidade de São Paulo, fala no dia 26 de Novembro de “A Quinta Essência, de Augustina Bessa Luís: imaginários do passado de Macau em circulação”.