Hoje Macau SociedadeAntigo Governador de Macau condecorado a título póstumo Jaime Silvério Marques, antigo Governador de Macau entre os anos de 1959 e 1962, foi condecorado a título póstumo pelo Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, por ter feito parte da Junta de Salvação Nacional (JSN), entidade constituída no dia 25 de Abril de 1974 depois da queda do Estado Novo e do fim da ditadura. A condecoração, de Grande Oficial da Ordem da Liberdade, foi também atribuída, a 5 de Julho de 2023, às restantes personalidades que fizeram parte da JSN: Carlos Galvão de Melo, Diogo Neto e almirante Rosa Coutinho. De frisar que António de Spínola e Francisco da Costa Gomes, nomes mais sonantes da JSN e que foram presidentes da República portuguesa, foram distinguidos com o Grande Colar da Ordem da Liberdade, considerada a mais alta insígnia da Liberdade. Segundo o jornal Público de terça-feira, as condecorações não foram divulgadas, algo que gerou polémica. Recorde-se que em 2022, quando surgiu a notícia de que Marcelo Rebelo de Sousa pretendia condecorar todos os membros da JSN, várias personalidades portuguesas assinaram uma carta aberta a defender que a condecoração de Spínola com a Ordem da Liberdade representaria “uma afronta”. Pelos pingos da chuva O Público escreve ainda que a opção de condecorar Spínola ” para que fosse quase impossível alguém saber” – é preciso investigar na página das Ordens Honoríficas Portuguesas para obter a informação “pode ser interpretada como uma forma de o Presidente evitar uma polémica pública”. Fonte da Presidência não explicou por que razão fez nota pública de algumas condecorações, mas de outras não, como a de Spínola, tendo apenas referido que “todos os condecorados constam do ‘site’ das Ordens Honoríficas As críticas à condecoração prendem-se com o facto de Spínola ter criado o movimento político Movimento Democrático pela Libertação de Portugal (MDLP), uma organização terrorista de extrema-direita.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasProcurador dos Negócios Sínicos por nomeação régia [dropcap]O[/dropcap] Governador de Macau Isidoro Francisco de Guimarães (1851-1863) em 19 de Novembro de 1852 definia as funções do Procurador da Cidade, perante o qual eram tratados todos os negócios chineses, mas as suas resoluções ficavam dependentes da final confirmação do Governador, a quem pertencia a última palavra, sendo ambos os únicos com autoridade para neles interferir. A escolha do Procurador era feita ainda na pessoa de um Vereador da Câmara. Desde 1851, do porto de Macau, via Hong Kong, partiam trabalhadores chineses para a América e apesar das medidas legislativas tomadas “para corrigir abusos ocorridos tanto no recrutamento como durante a viagem, assim como no país de destino, onde muitas vezes ficavam como escravos”, segundo Beatriz Basto da Silva, a 12/9/1853 “foram dadas providências, por portaria provincial, sobre a emigração dos cules, a fim de evitar os abusos dos engajadores.” No entanto, só em Novembro de 1855 por portaria o Governador regulou essa emigração, que tinha de ser contratada localmente, e a ligou à Procuratura dos Negócios Sínicos. Macau a partir de 1856 e até 1874 beneficiou do preponderante negócio desse tráfico. Em 1862, ainda o mesmo Governador Guimarães reorganizou o tribunal da Procuratura, dando-lhe um formulário e concedendo-lhe o direito de apelação para o Conselho do Governo em questões cíveis. No entanto, o Procurador continuava a fazer parte da vereação municipal, sendo eleito anualmente com os outros vereadores, o que era uma anomalia, porque, dependendo nas atribuições políticas e administrativas do Governador, este não podia demiti-lo sem dissolver a Câmara. A Procuratura estava anexa à Secretária do Governo, que tinha a verdadeira responsabilidade e a obrigava à vigilância directa do multiplicado expediente dessa repartição. “Não era este – e demais sabia o governo, – um estado de coisas que fosse conveniente demorar, porque, se é verdade que puderam evitar-se os maus resultados, – os mais graves ao menos, – da extrema acumulação de deveres em funcionários irresponsáveis, também é certo que a dilação desta forma de tutela será o olvido das menos escusadas garantias dos governados e dos mais essenciais princípios de administração”, segundo o Relatório da Comissão para regular as atribuições do tribunal da Procuratura. Procurador deixa vereação municipal Como o Procurador fazia parte da vereação municipal, sendo eleito anualmente com os outros vereadores, o Governador não o podia demitir sem dissolver a Câmara e daí aparecer a tão esperada reforma no decreto de 5 de Julho de 1865. Reforma que urgia adoptar e a única alteração imediata por ele ordenada foi separar da Câmara a Procuratura e dar ao Procurador da Cidade, [na altura José Bernardo Goularte], o nome de Procurador dos Negócios Sínicos, constituindo-o funcionário do Estado. Determinava que a nomeação desse funcionário fosse feita dentre os elegíveis para vereadores, sobre proposta do Governador de Macau, então José Rodrigues Coelho do Amaral (1863-66). Nomeado a 7/4/1863, tomara posse a 22 de Junho desse ano e viera para Macau simultaneamente como ministro plenipotenciário de Portugal nos reinos da China, Japão e Sião. Nessa qualidade chegou a Tianjin a 20-5-1864 para ratificar o Tratado de Daxiyangguo de 13 de Agosto de 1862, assinado pelo então Governador de Macau Isidoro Guimarães e composto por 54 artigos a fixar as bases das relações de amizade e comércio entre a China e Portugal, onde o estatuto de Macau como Território Português era reconhecido. Mas o Imperador opunha-se ao artigo 9.º do Tratado pelo qual os dignitários chineses enviados a Macau só gozavam dos mesmos atributos que os cônsules de outras nações e visto Macau não poder deixar de ser considerado como território chinês, pretendia acrescentar a cláusula do estabelecimento de uma sua alfândega em Macau, retirada pelo Governador Ferreira do Amaral. A 17 de Junho de 1864, data combinada para a troca dos documentos de ratificação, os dignitários chineses não o fizeram, pois os portugueses não quiseram discutir o artigo 9.º sem antes haver a troca dos documentos. Coelho do Amaral, ao escutar os mandarins, disparou, Procurador régio Desde finais de 1864 aumentava diariamente a população chinesa de Macau e o seu porto estava convertido no centro de uma intensa emigração, adquirindo assim a Procuratura uma grande importância pelos inúmeros pleitos ali tratados. O maior número de habitantes levou a afeiçoar terrenos para construções, conquistados ao mar ou utilizando os baldios, onde durante séculos povoaram sepulturas. “Pelo mesmo tempo o governo desta colónia teve por mais próprio da civilização portuguesa e da dignidade do nosso domínio abandonar a prática, até aí seguida, de serem entregues às autoridades do território vizinho todos chineses que, em Macau, se tornavam culpados de algum crime; os quais passaram desde então a ser julgados na Procuratura, segundo as nossas leis. É fácil de ver quanto estes dois factos agravaram os encargos do tribunal que nos ocupa. Ao tempo que se lhe multiplicavam os administrados, recebia ele dobrada jurisdição, e as causas de vida e honra acresciam às de propriedade e haveres.” Relatório da Comissão. Com a Procuratura separada do Senado, por decreto de 5 de Julho de 1865, e o Procurador escolhido por o Governador, iniciava-se a tão esperada reforma. , palavras da Comissão no Relatório de 1867. Só em 1866, o Procurador dos Negócios Sínicos passou a ser de nomeação régia e coube o cargo a António Feliciano Marques Pereira, que o exerceu ainda no ano seguinte. Nascera em Lisboa em 1839 e com vinte anos partiu para Macau, onde veio a falecer em 1881 (ou em Bombaim). Nomeado em 1862 secretário da missão diplomática portuguesa às cortes de Pequim, Sião e Japão, exerceu também o cargo de superintendente da emigração chinesa e foi jornalista e escritor. Sendo um dos fundadores do semanário Ta-ssi-yang-kuo, foi entre 1863 e 1866 seu director.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasOs poderes do Senado para o Governador [dropcap]M[/dropcap]acau era administrada e governada por o Senado, eleito entre os homens bons da cidade, até aparecer em 1623 um Governador permanente, nomeado pelo Vice-Rei da Índia em nome do Rei de Portugal. Com funções de Capitão de Guerra apenas tinha o comando militar na defesa da cidade e ao Senado cabia a administração civil, comercial e financeira, sendo o Procurador o seu tesoureiro. A este competia gerir também o cofre pertencente à Coroa, que por ano recebia um quinto do rendimento do território, destinado desde 1714 ao pagamento dos gastos civis, militares e eclesiásticos. Quando o Vice-rei da Índia em 1738 quis reformar as finanças libertou o Procurador desse encargo, substituindo-o por um outro da vereação do Senado, com o dever de prestar contas anuais a Goa. A razão do Procurador deixar de ser tesoureiro do Senado deveu-se ao excessivo abarcamento de funções, o que não beneficiava a causa pública, antes contribuía grandemente para as más consequências que de tão imperfeito regime por longo tempo resultaram. Com o tso-tang a viver em Macau desde 1736, “O concurso das autoridades chinesas a governarem connosco a mesma cidade tornava sobremodo melindrosas e difíceis as nossas relações com o império vizinho, da boa direcção das quais dependia unicamente, se pode dizer, a manutenção dos nossos direitos, em razão da enorme distância da metrópole. Viu-se ainda que ao Procurador competia ser ministro da cidade nas multiplicadas negociações desse dificultoso trato, mas a acumulação de deveres, ou inconciliável exigência das circunstâncias que se davam, ou fácil carência de política definida e igual em cidadãos que, devendo o cargo a uma eleição de curto prazo, mais se prendiam a interesses alheios;” um esforço de sobre-humana ubiquidade, segundo o B.O.. Goa sem as contas de Macau As providências reais enviadas para Macau em 1783 pela Rainha D. Maria I retiravam ao Senado o governo e ampliavam a autoridade ao Governador, o verdadeiro representante do poder central nos assuntos político-administrativos da Cidade. Acusava o Senado de ignorância em matéria de governo e obrigava-o a não tomar nenhuma resolução administrativa, nem determinar coisa alguma sobre negócios relativos aos chineses, nem pertencentes à Fazenda Real, sem antes apresentarem o assunto ao Governador, o Capitão Geral de Macau. Tal se devia à recusa desde 1738 do Senado apresentar contas anuais a Goa e por isso, nas providências vinha determinado que as contas seriam examinadas pelo Governador e pelo Ouvidor. Era Governador de Macau desde 18 de Agosto de 1783 Bernardo de Lemos e Faria quando o Ouvidor Lázaro da Silva Ferreira examinou os livros do cofre real e encontrou “um défice de 320 mil taéis, devido, conjecturou ele, à aceitação de fiadores fraudulentos e insolventes para os fundos da hipoteca de carga – parentes, amigos e protectores que, no poder, não fizeram caso do pagamento e acumularam dívidas, sendo que muitos devedores estavam mortos ou insolventes. Tivesse-se exigido o reembolso aos cidadãos honestos, que eram os fiadores, seria dado um golpe mortal no comércio e navegação da colónia, nos quais o dinheiro estava investido. Dadas as circunstâncias, o príncipe regente informou o Senado, numa carta datada de 1799, que a dívida à rainha, no valor de 291.193 taéis, tinha sido perdoada”, segundo Montalto de Jesus. Andrew Ljungstedt refere “em 1784 para fazer face às despesas da cidade (o dinheiro público era empregado para pagamento de salários e despesas extraordinárias) precisava-se de 35 mil taéis de prata e o excedente do rendimento era dado em empréstimos com risco de mar, de modo que o capital nacional em circulação crescia de ano para ano. Em 1802 cresceu a 173.690 taéis. Em 1809, foram emprestados a juro de risco de mar, de 20 a 25%, 159.400 taéis. [Com aprovação real de 1810 foi criada em 1817 a Casa de Seguros de Macau, onde o Senado tinha acções.] Em 1817 já não foram dados em empréstimos mais do que 40.400 taéis e as despesas ordinárias e extraordinárias subiram a quase 80 mil taéis. Em 1826 a cidade tinha uma dívida de mais de 122 mil taéis. Em 1830, as alfândegas renderam 69.183 taéis, mas as despesas foram de 109.451 taéis. A dívida pública de Macau em 1832 era de 150 mil taéis e em 31 de Dezembro de 1834 subia a 165.134.688 taéis. Nesse ano os rendimentos procedentes das alfândegas eram 75.283.613 taéis, sendo as despesas totais de 89.900.686 de taéis.” (1 tael de prata correspondia a 37,72 gramas). Mercadoria proibida A China proibia pela primeira vez em 1796 a importação de ópio, ilegalizado desde 1729, endurecendo mais ainda as medidas. Para conseguir a prata afim de adquirir mercadorias (chá, seda, porcelana), sem as poder transaccionar na China por ópio, a Companhia Inglesa das Índias Orientais decidiu então, segundo Guo Weidong, “limitar-se à produção da droga na Índia. Enquanto isso, comerciantes ingleses independentes continuavam suas operações comerciais de ópio sob o controlo de Macau”, onde montaram o centro para o seu comércio, com a participação de portugueses. Mesmo governadores de Macau, das duas últimas décadas do século XVIII, investiram por conta própria nesse tráfico. Em 1820, os traficantes ingleses estavam na ilha de Lin Tin, local seguro e de fácil acesso, e tal era o volume recebido que, “grandes barcos encontravam-se ancorados no Mar Lingdingyang para receber ópio por atacado e numerosos juncos chegavam ao mesmo Mar, de onde partiam carregados de ópio para o vender nas diversas províncias litorais da China”, segundo Guo Weidong, que refere, em 1837 “Três quartos do ópio produzido em Malwa foram exportados directamente de Bombaim por barcos ingleses, tendo o governo colonial da Índia Inglesa cobrado 125 rupias por caixa como imposto de exportação. E um quarto desse ópio continuou a seguir a rota tradicional, isto é, transportado em primeiro lugar para uma colónia portuguesa de onde seguia em barcos portugueses para a China, e essa parte de ópio não deixava de passar por Macau.” Novo folgo A 5 de Janeiro de 1822 Macau aderia à Monarquia Constitucional e um mês depois apareceu uma Representação a advogar uma Câmara eleita pelo povo. O sufrágio popular ocorreu a 19 de Agosto numa assembleia-geral reunida no Senado e presidida pelo Governador José Osório de Albuquerque, sendo eleitos os membros do novo governo constitucional: dois juízes com exercício de Ouvidor, três vereadores e um procurador. No dia seguinte, o vereador Presidente da eleita Comissão liberal pediu ao governador que resignasse, ficando o Brigadeiro Francisco de Melo como governador de armas. Estavam assim restaurados os poderes legislativos, executivos e judiciais do Senado, retirados nas Provisões de 1783, quando foram centrados no Governador e Ouvidor. A 23 de Setembro de 1823, os conservadores, com a ajuda dos militares vindos de Goa, retomavam o governo, mas só com a reforma de 1834 o Governador ganhou verdadeira autoridade civil em Macau.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasPedro Alexandrino da Cunha | Governador de Macau por 37 dias [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]edro Alexandrino da Cunha nasceu a 31 de Outubro de 1801 na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa e com um percurso promissor de estudante feito no Colégio da Luz, após terminar o curso em 1819, logo iniciou a carreira militar. Assentou praça na Brigada Real da Marinha onde, a 22 de Março de 1821 passou a Alferes, mas integrado nos quadros do Estado-Maior do Exército. Estudava Matemáticas na Academia da Marinha quando a 30 de Abril de 1824, por ser um convicto liberal, durante a perseguição miguelista foi preso com outros oficiais no Forte de Peniche. Após nove dias na prisão, foi libertado e voltando à Academia terminou o curso, inscrevendo-se logo de seguida na Academia de Fortificação, onde em Julho de 1827 foi promovido a Tenente, ficando no Regimento 13 de Infantaria. Devido a D. Miguel ocupar a Coroa de Portugal em 1828, Pedro Alexandrino da Cunha emigrou, como tantos outros oficiais, para Inglaterra. Encontrando-se Portugal dominado pelos absolutistas, ocorre uma guerra civil, estabelecendo os liberais o seu quartel-general na Ilha Terceira, nos Açores. Para aí seguiu Pedro Alexandrino a reparar as fortificações e integrar o governo liberal da Terceira e onde na Batalha da Praia em Janeiro de 1829 os realistas são derrotados. Ingressou na Armada em 1831 e rapidamente subiu de posto enquanto vai comandando alguns navios de guerra. Preparou no Porto a chegada de D. Pedro, que regressava do Brasil para lutar contra o irmão D. Miguel pela Coroa, organizando aí as guarnições ligadas à Marinha. Na arrojada expedição ao Mindelo veio ele igualmente, fazendo parte da esquadra libertadora, comandada pelo Vice-Almirante R. G. Sertorius. Após a vitória dos liberais em 1834, Pedro Alexandrino da Cunha navegou até ao Brasil e seguiu depois para África, onde passou cinco anos. Mais tarde, a 6 de Setembro de 1845 tomou posse como Governador de Angola, ficando com o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra. Encontrava-se no Brasil, numa missão comercial, quando por decreto de 5 de Novembro de 1849 foi nomeado para o cargo de Governador de Macau, altura em que fica a saber ter o seu amigo, o Capitão-de-Mar-e-Guerra João Maria Ferreira do Amaral sido assassinado pois, esse decreto também exonerava o Capitão Feliciano António Marques Pereira do Governo interino de Macau, que substituíra o falecido Governador. Após Ferreira do Amaral (1846-1849), Pedro Alexandrino da Cunha viria a ser o segundo Governador-Geral de Macau pois, pelo decreto do Governador da Índia, José Ferreira Pestana (1844-51), em 20 de Setembro de 1844 dera-se a criação da Província de Macau, Timor e Solor. O Governador dessa nova província ficou independente da jurisdição do Governo de Goa, que deixava de o nomear, passando ele a residir em Macau, e Timor, com Solor, tinha um governador seu subalterno. Ataque de cólera Como Governador, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Alexandrino da Cunha, desembarcou em Macau a 26 de Maio de 1850 e tomou posse a 30 deste mês. Após um mês de governação, “com a tomada de uma porção de neve (gelados de creme e de limão e em seguida geleia e whisky)” a gastrenterite crónica de que padecia agravou-se. Tomás José de Freitas auscultou-o pela primeira vez a 5 de Julho e tratou-o durante a doença, mas esta “degenerou num fulminante e insidioso ataque de cólera, que, dentro em poucas horas, o privou inteiramente de vida.” No relatório do Serviço de Saúde de 1862, o Dr. Lúcio Augusto da Silva escreveu: “A doença do Governador Pedro Alexandrino da Cunha começou por abundante diarreia, vómitos, sede, ansiedade e abatimento geral. O facultativo assistente observou na sua primeira visita: prostração, voz rouca, vómitos e dejecções de um líquido escuro e fétido, pulso filiforme, suor copioso e frio, resfriamento nas extremidades e dores nos joelhos. Mais tarde teve o doente dejecções de líquido amarelo claro, turvo e inodoro, resfriamento pronunciado e quase geral, lábios arroxeados, sede ardente, língua esbranquiçada, pouco húmida e não fria, dor intensa no epigastro. Depois supressão de evacuações, excepto a urinosa, pulso imperceptível, voz rouca, palavra difícil, conservando porém intacta a inteligência, olhos encovados, pálpebras entreabertas, feições alteradas, sem contudo ocultar de todo a fisionomia; finalmente suores viscosos, respiração curta, cianose em diferentes partes do corpo, sendo mais pronunciada nas mãos e nos pés, alguma magreza e o estado rugoso da pele, foram os sintomas que completaram aquele quadro e que o acompanharam até o fim da existência. Estes sintomas e muitos casos que então apareceram com eles fazem acreditar que houve efectivamente uma epidemia de cólera-morbus em Macau no ano de 1850.” Mas porquê esta dúvida? Num opúsculo sobre <Pedro Alexandrino da Cunha>, o autor Joaquim Duarte Silva diz <que a morte súbita de Pedro Alexandrino despertou desde logo, em Macau, suspeitas de que ele fora envenenado>. Tal tese devia-se ao pouco conhecimento da existência em Macau de casos de cólera, que começaram a grassar na cidade nesse ano. O seu cadáver foi autopsiado por cinco cirurgiões militares e da armada que no relatório descreveram minuciosamente todas as lesões anátomo-patológicas, classificando a doença de gastroenterite. O relatório da autópsia termina: <A causa da morte seria simplesmente gastroenterite ou, concorreria também alguma influência meteorológica? Não sabemos! Contudo é possível admitir-se a existência de alguma causa especial que actuasse na produção dos sintomas mais graves, que ao mesmo tempo dirige a sua influência sobre muitos indivíduos, atendendo a aparição de três casos quase análogos a este, que tiveram a mesma terminação, e de outros muitos que têm continuado a aparecer com sintomas tão graves e que não têm sido fatais>. O Dr. Peregrino da Costa em Relatórios das Epidemias de Cólera de 1937 e 1938 refere, <Estas considerações dão a impressão de que estando-se em plena epidemia de cólera, embora no seu início, como mais tarde se veio a confirmar, os médicos da época – os cinco cirurgiões militares e médicos da armada que assinam o relatório da autópsia e no qual aliás as lesões anátomo-patológicas são minuciosamente descritas, ou não quiseram aceitar logo a evidência dos factos, para não atemorizar a população já alarmada com o assassinato de Ferreira do Amaral, ou pretenderam então afastar, por razões políticas, a ideia de o Governador ter sido vítima de cólera>. Governador de Macau por 37 dias, Pedro Alexandrino da Cunha faleceu com 48 anos de idade pelas três e meia da tarde do dia 6 de Julho de 1850 e foi uma das primeiras vítimas da epidemia de cólera, que grassou na cidade. Sepultado no Cemitério de S. Paulo em Macau, segundo o Padre Manuel Teixeira, é “provável que os seus restos mortais fossem removidos com outros para o Cemitério de S. Miguel, construído quatro anos depois, mas hoje desconhecesse o local onde eles repousam.” Pagas as dívidas do finado e deduzidas as custas e despesas legais, o produto líquido dos seus bens foram introduzidos no Cofre da Fazenda Pública de Macau. Se em Macau Pedro Alexandrino da Cunha não teve tempo para governar, ficam os seus relevantes serviços prestados a Angola como Governador-Geral, cargo que exerceu de 31 de Maio de 1845 a 18 de Fevereiro de 1848, a justificar a sua estátua na cidade de Luanda.