Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteMICE | Um sector resiliente que aguarda mudanças nas políticas covid-19 A Fundação Rui Cunha acolheu ontem o debate: “Re-imaginar o sector MICE: Novos desafios e oportunidades”. Bruno Simões, empresário da área, defende que a evolução do sector das exposições e convenções vai depender das políticas do Governo em relação à pandemia, não esperando “mudanças radicais” a curto prazo. Glenn Mccartney, académico, acredita que os sectores públicos e privados têm de colaborar mais No dia em que Macau descobriu mais um caso de covid-19 na zona do Fai Chi Kei, debateu-se na Fundação Rui Cunha (FRC) a recuperação de um sector altamente dependente das medidas para lidar com a pandemia e das decisões governamentais face à política zero covid. Ainda dependente de uma quarentena de sete dias à chegada, o sector das convenções e exposições continua em modo espera para uma plena recuperação que não se sabe se irá acontecer em 2023. Bruno Simões, empresário do sector e presidente da associação Macau Meetings, Incentives and Special Events (MISE), foi um dos oradores do debate “Re-imaginar o sector MICE: Novos desafios e oportunidades”, promovido pela revista Macau Business. Ao HM, Bruno Simões disse acreditar que o futuro desta área “depende da evolução das políticas do Governo e da China [em relação à covid-19]”, não sendo esperadas, a curto prazo, “mudanças radicais”. “Vamos demorar bastante tempo até serem normalizadas as entradas em Macau, até ser eliminada a quarentena e até se restaurar a confiança dos organizadores de eventos devido aos riscos de ocorrerem cancelamentos à última da hora ou de pessoas ficarem presas num determinado local”, em virtude da política de zero casos covid. O empresário não tem dúvidas de que “o futuro mais próximo [do sector] será feito com clientes da China e também locais”. Desde o início da pandemia que a maior falha do Governo, confidencia Bruno Simões, tem sido “a discriminação dos não residentes”. “Houve um grande êxodo de muitas competências e quadros qualificados [para o sector]. Essas pessoas não são mais infecciosas do que as outras e a cidade perdeu milhares de talentos que se fartaram de esperar.” Questionado sobre os apoios financeiros atribuídos, Bruno Simões lamenta que tenha sido adoptada “uma política cega”. “Não nos podemos queixar muito dos apoios que foram dados às empresas e à população. Foram generalizados, mas não se justifica dar o mesmo apoio a um escritório de advogados, por exemplo, e depois a uma empresa de eventos.” Olhar Singapura Depois de três anos de estagnação, e tendo em conta que muitos dos eventos que habitualmente se realizavam em Macau já passaram para outras regiões, como é o caso do G2E Asia, que este ano se realizou em Singapura, resta perguntar se o território alguma vez vai recuperar desta fase. Bruno Simões acredita que sim, ainda que o próprio paradigma do sector MICE esteja a mudar, uma vez que a grande aposta já não é no jogo. “Penso que será possível voltar atrás. O futuro do sector MICE em Macau será muito mais virado para o lazer do que nos últimos dez anos, onde o jogo e sobretudo o jogo VIP teve uma maior importância. Os próprios operadores dos resorts estavam muito focados neste segmento dada a enorme rentabilidade. Os segmentos foram reduzidos substancialmente e essa foi uma decisão das autoridades de Macau em não beneficiar tanto a área do jogo. Acho que isso vai acabar por beneficiar o sector MICE e do lazer também.” Opinião semelhante tem Glenn Mccartney, académico da Universidade de Macau e especialista na área do turismo. Tendo sido outro dos oradores convidados para o painel de ontem, o responsável acredita que o novo concurso público para a atribuição das seis licenças de jogo vai acentuar essa diferença no sector MICE, mais marcado pelas áreas do lazer e do turismo. “Temos agora a atribuição de novas licenças de jogo e o Governo foi claro em algumas considerações que as operadoras terão agora de cumprir [no novo concurso público]. [A aposta] no sector MICE é um desses critérios exigidos”, disse o académico, que defende que Singapura é um exemplo de recuperação nesta área. “Tenho dito, nos últimos dois anos, que é altura para reflectirmos sobre o novo posicionamento do sector MICE e do turismo, por estarmos numa espécie de período de pausa e marcado por alguma resiliência. A perspectiva de Singapura é, aliás, boa para nós, sobretudo em relação às políticas que têm em relação ao sector MICE, no que diz respeito ao posicionamento das marcas, à construção de uma rede de contactos e na ligação com as companhias aéreas. Quando olhamos para 2023 temos de pensar onde colocamos o sector MICE e como o vamos desenvolver”, contou ao HM. Nesta fase, frisa Glenn Mccartney, “Macau não está ainda em recuperação se compararmos com outras cidades vizinhas, uma vez que as autoridades ainda não eliminaram a quarentena de sete dias. Falamos agora do que ainda não aconteceu e de quando vai haver essa mudança, quando é que poderemos implementar a mudança em prol de uma reabertura. Temos vindo a esperar.” Público VS Privado Mais do que nunca Macau tem de se promover como marca lá fora, tentando entrar num mercado bastante competitivo, disse o docente da UM. “Não temos o problema da falta de infra-estruturas, pois temos locais óptimos para a realização de grandes eventos. Temos bons produtos turísticos, como restaurantes e alojamentos, então as limitações prendem-se com a colaboração entre o sector público e privado.” Neste sentido, “há uma espécie de incompatibilidade na forma como promovemos Macau lá fora e a marca de Macau. Teremos de competir com Singapura, Hong Kong, Xangai, que são cidades internacionais que há muito realizam grandes eventos. Promover a marca de Macau no mercado internacional nunca foi tão importante, isto na fase pós-covid-19”, acrescentou Glenn Mccartney. Para Bruno Simões, falta ainda “uma visão estratégica mais clara e posições estratégicas do Governo mais definidas”. “Faltam também políticas mais direccionadas às vantagens competitivas da cidade. Temos alguns pontos fracos que têm de ser melhorados. É preciso aperfeiçoar a capacidade de atrair talentos, melhorar as experiências dos visitantes, arranjar locais históricos para fazer eventos e trabalhar os diferentes departamentos do Governo de uma forma mais eficaz, como o Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau ou os serviços de turismo”, frisou. O debate de ontem na FRC contou ainda com a presença de Florence Chua, directora-executiva da Associação Profissional para a Gestão de Convenções para a região da Ásia-Pacífico (Professional Convention Management Association), e com Alan Ho, presidente da Associação para os sectores de Exposições, Convenções e Turismo.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaJogo | Académico acredita na fusão entre Genting e outra operadora Glenn Mccartney acredita que a Genting poderá fundir-se a uma concessionária presente em Macau, apostando numa estratégia com ganhos para todos. O especialista em turismo, e docente da Universidade de Macau, defende que será mais razoável apostar, a curto prazo, em mercados regionais ao invés de tentar captar turistas internacionais Mesmo que não obtenha uma licença de jogo no concurso público em curso, a Genting poderá entrar no mercado de jogo através de uma parceria estratégica com uma concessionária presente no sector do jogo de Macau. A ideia é deixada por Glenn Mccartney, docente da Universidade de Macau (UM) e especialista em turismo, que ontem protagonizou a palestra “Macao by 2033 – Setting Expectations” [Macau em 2023 – Estabelecer Expectativas”, promovida pela Câmara de Comércio Britânica em Macau. O académico destacou ao HM o facto de a Genting ter um forte portefólio nos mercados de jogo e entretenimento. “Provavelmente, não vão ganhar uma licença de jogo, mas podem ter uma presença no Cotai em parceria estratégica com outra operadora, numa espécie de sinergia, de modo a reforçar o seu portefólio de operações. Podemos ter na strip do Cotai um cenário de ganhos para ambos os lados.” Glenn Mccartney frisou que “qualquer uma das seis operadoras pode querer sentar-se com a Genting”. O analista disse ainda que os concorrentes às novas licenças de jogo terão de fazer bem as contas tendo em conta o cenário de crise económica e o prazo de concessão de apenas dez anos. “A recuperação vai ser lenta. Quando as novas licenças forem atribuídas, imaginemos que em Janeiro, será que o mercado já estará mais restabelecido? As fronteiras já terão regressado à normalidade? Será que é suficiente uma concessão de dez anos, tendo em conta que não está garantido o regresso ao número de turistas registado no período pré-covid?”, questionou. “A recuperação do mercado leva algum tempo e [as operadoras] têm de começar a pensar na dívida antes de pensarem nos lucros. As concessionárias terão de pensar no período final dos dez anos, no que irá acontecer depois disso, sempre numa perspectiva de longo prazo”, frisou. Primeiro os regionais Questionado sobre as mudanças que o sector do jogo vai enfrentar depois de atribuídas as novas licenças, Glenn Mccartney não tem dúvidas de que a ilha de Hengqin “poderá contribuir para acelerar a recuperação na zona do Cotai”. Apostar no mercado internacional, hipótese admitida pelas autoridades, é algo irrazoável para o académico. “Atingir o mercado internacional será difícil a médio e curto prazo. O desenvolvimento dos mercados regionais é algo mais realista porque podemos trabalhar com companhias aéreas e operadores turísticos. Não devemos pensar demasiado alto [para já] mas sim em estratégias com ganhos rápidos a curto prazo.” Glenn Mccartney pensa que, na área dos elementos não-jogo, as operadoras que participam no concurso público “apresentaram bons projectos como resposta técnica e não estratégica”, pois, para que uma estratégia funcione, “são necessários muitos operadores”. “As autoridades de turismo apresentaram uma espécie de lista de desejos, com mais turistas internacionais ou aposta no turismo de saúde, por exemplo. Mas tais ideias são comuns em qualquer jurisdição do turismo a nível mundial. Há muito que se fala na captação de turistas internacionais”, lembrou o académico.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeTurismo | Alojamentos de baixo custo isentos pagar imposto O Governo quer isentar o alojamento de baixo custo de pagar o imposto de turismo. Glenn Mccartney, académico especialista nesta área, diz que é uma medida positiva e que até pode incentivar o consumo, mas defende que as PME vão continuar a sofrer com os elevados custos do negócio Deu ontem entrada na Assembleia Legislativa a proposta de lei que altera o actual regulamento do imposto de turismo, que prevê a isenção do imposto para alojamentos de baixo custo, a fim de incentivar o sector. “Ficam isentos do imposto de turismo os bens fornecidos e os serviços prestados pelos alojamentos de baixo custo e hotéis de duas estrelas”, pode ler-se. Desta forma, “o valor tributável é o preço dos bens fornecidos e dos serviços prestados, ainda que o preço deixe de ser cobrado, no todo ou em parte”. O Governo decidiu ainda fazer algumas alterações às categorias de alguns espaços comerciais. No que diz respeito à categoria de alojamento de baixo custo e hotéis de duas estrelas, “transitam as actuais pensões de duas e três estrelas, anteriormente isentos [do pagamento do imposto] e os estabelecimentos de refeições simples e os quiosques das áreas de restauração”. Incluem-se ainda “os estabelecimentos de bebidas e de comida inseridos nos locais acima referidos”. O objectivo desta nova medida é “incentivar o desenvolvimento do sector de alojamentos de baixo custo”. O montante do imposto de turismo deixa de estar afecto ao Fundo de Turismo e passa a ir directamente para os cofres da RAEM. Estas medidas entram em vigor dia 1 de Janeiro do próximo ano, para “dar tempo à Administração fiscal para a boa divulgação da lei e permitir aos contribuintes efectuarem os preparativos para a cumprir”. Pretende-se ainda “tornar mais adequada a gestão do orçamento público”. Uma boa medida Ouvido pelo HM, o académico da Universidade de Macau (UM) e especialista em turismo, Glenn Mccartney, considera que esta é uma boa medida, lembrando que o imposto de turismo é pago pelos hóspedes e turistas e que a isenção pode incentivar o consumo no território. “A indústria fica sempre satisfeita com a redução ou remoção de impostos, mas tudo depende dos benefícios que serão dados às Pequenas e Médias Empresas (PME), que vão enfrentar muitos desafios e problemas.” “Será que esta medida vai ajudar todos?”, questionou Glenn Mccartney. “Vai ajudar decerto muitos negócios, mas as PME vão continuar a sofrer com os elevados custos das rendas, salários e pagamentos a fornecedores. Mas ainda assim é bom remover algumas responsabilidades às PME, mas no final do mês vão ter de continuar a suportar os custos. Será interessante ver o impacto desta medida, pois criar a política é uma coisa, mas o impacto é outra.” Relativamente à alocação do montante do Fundo de Turismo para os cofres do Governo, Glenn Mccartney fala de uma “maior eficiência na recolha de impostos”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeJogo | Glenn McCartney lamenta falta de políticas para lidar com pandemia Glenn McCartney lamenta que a pandemia e as medidas para controlar a propagação não estejam contempladas no documento de consulta sobre a revisão da lei do jogo. Mais que o número de concessões, o académico considera fundamental olhar para o futuro da indústria no contexto da Grande Baía Glenn McCartney, especialista na área do turismo e académico da Universidade de Macau (UM), defende que o Governo deveria ter incluído políticas de gestão dos efeitos da pandemia no documento de consulta pública sobre a revisão da lei do jogo. O académico participou ontem na palestra “As concessões de jogo em Macau – Jogar na incerteza?”, promovida pela Câmara de Comércio França-Macau. “A pandemia não é mencionada no documento de consulta, mas teve um impacto dramático na indústria. Merece maior discussão depois de dois anos de quebra económica e das receitas do jogo”, disse ao HM. Na visão do académico, o território precisa de “muitos meses para recuperar”. “Mesmo num cenário de reabertura de fronteiras, o que acontece a seguir? O que vai acontecer [para essa recuperação]? A covid-19 deveria ser parte da discussão”, acrescentou. Glenn McCartney lembrou que “este é um tempo para clarificar”, referindo-se à proposta do Executivo para acabar com as subconcessões. “Precisamos, sem surpresas, de rever a lei, e alguns termos [usados no documento] não surpreendem. O Governo deveria aumentar a supervisão, criando melhores políticas. Este é, para mim, um documento de governança e do interesse público”, adiantou. Olhar o futuro Mais do que discutir o número de licenças de jogo que serão atribuídas, Glenn McCartney considera fundamental olhar para o quadro geral da integração de Macau a nível regional. “Temos seis concessões e mais de 30 casinos, incluindo os casinos satélite. Durante anos ouvi o Governo dizer que poderia ser boa ideia concentrar os casinos no Cotai e não ter tantos casinos pequenos perto das comunidades. Queremos posicionar Macau como centro mundial de turismo e lazer, mas o que temos de fazer para chegar lá? Como quantificamos a existência de concessões com resorts integrados de alta qualidade? É para isso que eu olho.” Mais que falar do número de licenças ou de mesas de jogo, “temos de ter a visão de como Macau deve estar daqui a 10 ou 20 anos no contexto da Grande Baía”. “Olhar para o número de casinos ou de mesas de jogo é uma perspectiva errada. É preciso olhar para aquilo que temos de fazer [a longo prazo]”, acrescentou. Actualmente, Macau enfrenta, na visão do académico, competição no sector do jogo e mudanças no consumo dos visitantes chineses, que hoje buscam destinos com ofertas de lazer e entretenimento, e não apenas com jogo. É nesse sentido que também devem ser pensadas respostas, explicou.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeEstudo | Robots podem roubar empregos ao sector do jogo e do turismo Glenn Mccartney, professor da Universidade de Macau, acaba de publicar um estudo em parceria com Andrew Mccartney sobre o uso de robots na indústria hoteleira. Glenn Mccartney não tem dúvidas de que Macau pode ser um exemplo na aplicação deste tipo de tecnologia, que pode colocar em perigo empregos ao sector do jogo e do turismo. No entanto, falta definir estratégias de recursos humanos e criar legislação adequada [dropcap]D[/dropcap]epois da ficção científica nos ter avisado, múltiplas vezes, para o perigo existencial que representam os avanços em robótica, as ciências sociais partem da certeza do progresso tecnológico para criar respostas aos desafios que nos esperam. O mais recente exemplo é o estudo de Glenn Mccartney, professor da Universidade de Macau (UM) e especialista na área do turismo, que analisou o uso da robótica no sector. O académico acaba de publicar o estudo “Rise of the machines: towards a conceptual service-robot research framework for the hospitality and tourism industry”, em colaboração com Andrew Mccartney, co-fundador da empresa londrina White Space, que opera na área das tecnologias da informação. O trabalho, publicado pela editora Emerald Publishing, analisa o impacto que os robots vão ter na indústria hoteleira em todo o mundo do ponto de vista dos clientes, empregadores e trabalhadores, mas também de quem implementa políticas nesta área. No caso de Macau, os robots poderiam substituir croupiers ou funcionários que trabalham nas recepções de hotéis. “Os robots vão ser como nós. Podem falar, aceder à internet 24 horas por dia. Não se cansam, não precisam de fazer pausas. No futuro, poderemos ter um robot para assumir funções em casinos”, disse Glenn Mccartney ao HM. “Muitos funcionários da linha da frente poderão ser substituídos por estes robots que desempenham funções na área dos serviços. Um robot pode lançar cartas, recolher fichas de jogo, fazer o check-in dos jogadores, verificar passaportes na fronteira. É um mundo fascinante no qual iremos entrar”, frisou. No entanto, o académico considera que o território não está, de todo, preparado para receber este tipo de tecnologia. “Não há sequer legislação que permita o uso de robots no sector. Falamos muito da cidade inteligente, mas a legislação tem de ser alterada para permitir que isso aconteça. Deve haver protecção de dados, o seu armazenamento em nuvem.” Uma lei desse género deveria definir, por exemplo, o que é um robot e quais são os seus direitos laborais e civis. “Deve haver uma legislação clara nesta área, incluindo a inteligência artificial. O robot pode ter direitos.” Além da ausência de legislação específica, o académico da UM destaca o facto de Macau ainda não ter este tipo de tecnologia, embora possa ser uma realidade em menos de 20 anos. “Temos de olhar para a questão do custo-benefício, e os robots vão tornar a mão-de-obra mais barata. Caberá à indústria determinar se a tecnologia é fiável e se custa demasiado ou não. Actualmente, este tipo de tecnologia é ainda muito caro, mas pode tornar-se mais barato – hoje utilizamos smartphones, não é?”, exemplifica. Lugar experimental Glenn Mccartney dá como exemplo o robot Sophia, criado em Hong Kong em 2015 e que tem nacionalidade da Arábia Saudita. Em 2019, foi uma das estrelas da Websummit, que decorreu em Lisboa. “Os robots podem entender a nossa língua. Os humanos fazem erros, mas os robots funcionam com algoritmos. Será possível um robot funcionar na recepção de um hotel, mas não vamos querer que um robot tome conta dos nossos filhos, por exemplo. Há um nível de confiança que temos de atingir e todas estas questões têm de ser ponderadas.” O académico não tem dúvidas de que Macau, apesar de não estar preparado para esta realidade, seria um bom lugar para experimentar a aplicação da tecnologia, por ser um território pequeno. “Estas experiências podem ser feitas no Cotai. Por exemplo, fazer check-in nos hotéis recorrendo a um robot. Quanto aos croupiers, não sei, será algo curioso.” Uma das conclusões do estudo prende-se com o sentimento de medo que esta tecnologia gera nos seres humanos. “O uso de um robot no lugar de um croupier será o futuro. Há o medo da tecnologia, que se traduz no receio do desemprego. Esse será um grande desafio em Macau, porque temos mais de 20 mil croupiers, todos locais.” Para Glenn McCartney, o Governo “deveria sentar-se com as operadoras de jogo e analisar esta questão”. “Macau pode ser um sítio onde esta tecnologia é adoptada mas sem que tenha de ser uma ameaça. A minha preocupação prende-se com o facto de termos muitas pessoas a trabalhar na linha da frente. Se forem substituídas por robots, o que vai acontecer, o que podemos fazer com elas? Esse é o desafio.” O autor do estudo referiu ainda que é essencial apostar na formação profissional e em estratégias de recursos humanos. “Precisamos de uma estratégia para estas pessoas no futuro, de apoiar o desenvolvimento de talentos.” O estudo aponta para a necessidade de “um quadro conceptual que considere a aceitação da robótica com base nas diferentes perspectivas de empregados, clientes e entidades governamentais”. Glenn e Andrew Mccartney destacam o facto de os receios da classe laboral “não serem infundados”, uma vez que um estudo desenvolvido pela consultora KPMG, em 2016, dá conta da perda de 100 milhões de empregos em todo o mundo até 2025 devido a avanços tecnológicos na robótica. Sem covid-19 Em tempos de pandemia, quando a indústria hoteleira em todo o mundo sofre com a redução drástica de viagens e turistas, o uso de robots poderia constituir solução. Segundo os autores do estudo, a pandemia “pode actuar como catalisador para a introdução de mais robots de serviços”, uma vez que “os funcionários podem ser substituídos para reduzir a interacção entre trabalhador-hóspede”. “A integração de robots no sector hoteleiro após a pandemia da covid-19 pode reduzir custos e gerar uma economia de escala relacionada com a introdução de robots”, lê-se. Porém, alterar o paradigma do atendimento ao cliente, eliminando o elemento humano da equação terá de ser um passa dado com bastante cálculo. “A análise do custo-benefício deve ter em conta a aceitação dos robots de serviços por parte de clientes e empregados, incluindo políticas governamentais, com o predomínio dos avanços tecnológicos”, aponta o estudo. Questões éticas e morais devem ser tidas em conta na aplicação da tecnologia ao mercado de trabalho, uma vez que “os clientes podem recusar o uso de robots de serviços, preferindo o contacto humano e o seu serviço”. Há também “um lado positivo”, uma vez que os robots “podem desempenhar papéis mais atractivos e até engraçados, ou realizar tarefas perigosas que possam levar à prevenção de acidentes e infecções nos humanos”. Os autores citam também investigações recentes que chamam a atenção para a necessidade de contabilizar o número de clientes que podem ser atendidos por um robot, aqueles que se podem adaptar a um serviço desempenhado desta forma e também à possibilidade de taxar os robots. O hotel FlyZoo, do grupo chinês AliBaba, é um exemplo de uma unidade hoteleira que funciona, quase na sua maioria, com robots. O trabalho de Glenn e Andrew Mccartney destaca também o exemplo de uma cadeia de hotéis no Japão que, em 2015, começou a substituir funcionários da recepção e de limpeza por robots de serviços. No entanto, em 2019, “mais de metade dos 243 robots de serviços foram retirados porque não conseguiam responder a todos os pedidos feitos pelos hóspedes e não tinham um bom funcionamento devido à lentidão da tecnologia”. Um sinal de que há ainda muito a fazer até que esta seja uma realidade no nosso dia-a-dia.
Andreia Sofia Silva EntrevistaTurismo | Surto em Hong Kong obriga a viragem para Guangdong, diz Glenn Mccartney O académico da Universidade de Macau defende que o terceiro surto de covid-19 em Hong Kong vai obrigar as autoridades de Macau a virarem-se para a província de Guangdong. O especialista em turismo acredita que os vistos individuais podem começar a ser emitidos dentro de semanas e defende que a aposta no turismo doméstico não é viável a longo prazo [dropcap]A[/dropcap] terceira vaga de casos de infecção em Hong Kong, que permanece longe de estar controlada, obriga as autoridades de Macau a olharem para a província de Guangdong como a tábua de salvação dos sectores do jogo e do turismo. A ideia é defendida por Glenn Mccartney, professor da Universidade de Macau (UM) e especialista na área do turismo, que fala hoje numa conferência promovida pela Câmara de Comércio Britânica em Macau. “Claro que se a recuperação de Hong Kong e Macau tivesse ocorrido ao mesmo tempo seria o ideal, mas isso não vai acontecer porque Hong Kong está a enfrentar muitos casos de infecções. Macau olha agora para Guangdong como um corredor de viagens. E penso que tem de ir por aí, porque não pode continuar sempre à espera”, defendeu ao HM. Gleen Mccartney indica que as autoridades de Guangdong têm vindo a implementar vários códigos de saúde que garantem a segurança de quem viaja, além de que a situação sócio-económica tem voltado ao normal. “Não olho para Hong Kong como parte dessa recuperação, mas olho para esse corredor com Guangdong”, disse. Nas próximas semanas, o académico acredita que os vistos individuais podem voltar a ser emitidos, apenas para a província de Guangdong. “Um dos cenários possíveis será o levantamento da atribuição dos vistos individuais nas próximas semanas. Este é um primeiro passo e depois de Guangdong podemos olhar para outras províncias e cidades da China, mas vamos aprendendo à medida que as semanas vão avançando”, explicou. Programa insuficiente O académico da UM adiantou ainda que o programa “Vamos! Macau!”, que visa levar os residentes a conhecer o território através de percursos turísticos subsidiados, não tem viabilidade económica a longo prazo. “Macau não tem o mesmo tamanho de um país e não pode basear-se por muito mais tempo no turismo doméstico. A economia interna não aguenta como a de um país que tem turismo de massas a nível interno. Macau está a subsidiar o turismo doméstico. A curto prazo é bom, mas a longo termo não é a solução, temos de abrir as nossas fronteiras para trazer dinheiro à economia.” Ainda assim, Glenn Mccartney diz tratar-se de uma “boa medida” pois mantém os funcionários das concessionárias a trabalhar. “Essa é uma vantagem, as pessoas estão preparadas para o regresso do turismo e penso que essa é uma boa abordagem por parte do Governo.” Além disso, a população “pode compreender a importância desta indústria chave” e saber mais sobre o património de Macau, remata. O académico acredita que a pandemia pode também levar o Governo a fazer algo que faltou nos últimos anos: planeamento. “No passado não tem havido um grande planeamento em termos de previsões e cenários e esse é um bom exercício. A pandemia pode acelerar esse processo”, rematou.
Andreia Sofia Silva EntrevistaGlenn Mccartney, professor da UM, sobre reabertura dos casinos: “Precisávamos de um sinal positivo” Apesar de defender que, no combate ao surto do Covid-19, a saúde está em primeiro lugar, Glenn Mccartney, professor da Universidade de Macau, defende que a reabertura dos casinos depois de um encerramento de 15 dias era importante para mostrar à população que é necessário seguir em frente. O docente defende que os sectores turístico, hoteleiro e do jogo vão recuperar ao mesmo tempo e de forma interligada, mas só a partir de meados deste ano [dropcap]H[/dropcap]elena de Senna Fernandes [directora dos Serviços de Turismo], disse a semana passada que a crise gerada pelo Covid-19 é pior do que no tempo da SARS. Acredita que, além dos casinos, a recuperação dos sectores hoteleiro e do turismo vai ser lenta? Sim, sem dúvida. Há uma clara ligação entre a recuperação do sector do jogo e outros sectores. Isto porque, nos últimos anos, o alojamento turístico ligado à parte do entretenimento e não às apostas nos casinos tem estado muito dependente do jogo. Então, quando os casinos fecham, há este efeito triplo no alojamento, porque a grande maioria dos quartos são um complemento às apostas nas salas VIP para os clientes premium. Quando se perde esse grande segmento também se registam grandes quebras na taxa de ocupação deste tipo de alojamento. Estão completamente interligados, um sector não recupera sem o outro. Também não temos outros segmentos turísticos além dos casinos, o mercado de convenções e exposições não funciona nesta fase, porque não há conferências. Não existe um verdadeiro mercado fora da indústria do jogo. Assim que o sector do jogo começar a recuperar veremos também uma recuperação dos restantes sectores económicos como é o caso do retalho, da hotelaria e do entretenimento. Não é surpreendente que os casinos tenham aberto portas depois do encerramento de duas semanas, porque é fundamental para a recuperação económica de Macau no seu todo. Poderemos esperar uma recuperação no início de 2021 apenas, ou ainda este ano? Por altura do Verão veremos alguns sinais de procura no sector do jogo e isso vai ser um factor regulador no sector hoteleiro. Faço a minha análise com base em dados históricos de crises anteriores. Entre o período da Páscoa e do Verão começaremos a ver esta tendência de recuperação do sector do jogo e aí todos os restantes sectores, sobretudo o hoteleiro, começarão a recuperar. O preço dos quartos de hotel por noite poderá ser ainda baixo, e poderemos também verificar uma baixa taxa de ocupação. Isto se não surgirem mais casos de infecção em Macau e se as autoridades chinesas abrirem alguns dos ‘corredores’ aéreos e marítimos. Aí poderemos ter uma recuperação em termos do número de visitantes. Está tudo dependente disso, porque não temos nenhum mercado significativo fora da China, não podemos ir aos tradicionais mercados turísticos a nível global, não temos um novo mercado, as coisas não funcionam assim. Vai demorar muito tempo e dependemos da China e de Hong Kong para a recuperação do mercado. Desde a SARS que a génese do sector turístico de Macau é a mesma. Estamos perante uma problemática semelhante em termos da fonte de turistas, se compararmos com o ano de 2003? Há uma série de factores que são diferentes. Em primeiro lugar, em 2003 não tínhamos redes sociais, não havia o WeChat. As redes sociais têm levado à difusão de muita informação [sobre o Covid-19] que não é correcta e que acaba por gerar uma série de reacções e ansiedades. Também não tínhamos o enorme número de visitantes da China em Macau e não tínhamos a Strip do Cotai. Toda a dinâmica se alterou um pouco. As pessoas vão buscar referências à SARS porque é uma espécie de ponto de referência. Em termos médicos as duas epidemias não são iguais, não sou nenhum especialista em medicina, mas vemos que há diferenças. Isso significa que o impacto é maior. Mesmo agora vemos que a abertura dos casinos representa um passo em frente positivo e isso deve-se à acção dos médicos e às políticas adoptadas. Uma associação de defesa dos direitos dos croupiers diz ser contra a reabertura dos casinos. Acredita que estão certos? A economia prevaleceu, neste aspecto? Não. A saúde foi absolutamente prioritária, a economia nunca deveria estar em primeiro lugar. Mas também temos de olhar para a forma como vamos iniciar a recuperação, e fazê-lo da forma mais segura possível. Temos de seguir em frente em prol da normalidade. Em duas semanas não aconteceu absolutamente nada, então quando seria a altura certa [para o regresso das actividades económicas]? Há sempre um estigma muito grande numa crise, e todos usavam máscara. Uma crise de saúde leva sempre muito tempo [a resolver] e é importante ter a mensagem na altura certa de que está tudo bem. Eu venho do mundo da investigação e dos números e é com base nisso que trabalho, e não com base em especulações. O Governo tomou então a decisão certa de decretar a reabertura dos casinos ao fim de duas semanas. Necessitávamos de um sinal positivo para seguir em frente em prol de uma recuperação. Defendi que os casinos iriam abrir mediante certas condições, e foi o que fizeram para garantir a segurança das operações. Em Macau, 85 por cento dos impostos são pagos pelas operadoras de jogo, por isso quanto mais tempo mantivermos os casinos fechados [pior]. Além disso, o sector tem de pagar salários aos funcionários e rendas. Chegamos a uma altura em que o argumento económico tem de surgir, garantindo que as regras de segurança e de saúde são cumpridas. É importante olhar para o lado económico porque há muito investimento em Macau. Não posso dizer que a saúde está em segundo lugar, mas temos sempre de olhar para o início de uma recuperação. Como é que as operadoras de jogo vão levar essa recuperação a cabo? Que tipo de políticas vão implementar? Vão criar pacotes especiais para turistas, por exemplo? O mercado do turismo funciona de uma maneira muito agressiva, portanto assim que surgir o primeiro sinal [de regresso à normalidade], vão mudar as suas mensagens e as suas campanhas, porque o marketing pensado para os meses de Fevereiro e Março já não funciona. Têm de ter os seus corredores abertos para a China, com as suas medidas, para mantermos o mercado [a funcionar] e para que os clientes possam vir. Não tenho dúvidas de que o sector do jogo vai fazer este tipo de aproximação ao mercado e todos os resorts integrados no Cotai vão ser assertivos nas mensagens que vão transmitir, mas as mensagens têm de ser diferentes. O marketing será, sem dúvida, uma parte importante. No que diz respeito às Pequenas e Médias Empresas (PME), os casinos deveriam cooperar com elas, em prol de uma recuperação conjunta, além do apoio que já é dado pelo Governo? Alguns resorts integrados podem de facto ajudar porque facilmente precisam de fornecedores. Nos últimos anos têm procurado fornecedores locais para as suas actividades e isso pode agora ser reforçado. Os pequenos negócios têm sofrido com o problema das rendas e é um grande desafio para estas empresas nesta fase. Todas as PME que não são proprietárias dos imóveis que ocupam vão passar por enormes desafios, por terem de pagar rendas e salários. O Governo já concedia empréstimos sem juros, mas, ainda assim, é mais uma dívida. Sem dúvida que é necessário ter uma estratégia. A SARS gerou um problema semelhante, mas agora temos de ir mais além na ajuda às PME. Alguns negócios vão fechar portas, por isso quanto mais rápido agirmos, agora… como cidade internacional de turismo e de lazer temos de manter as PME. Esse é o meu maior receio. O Lisboa Palace, no Cotai, está ainda em construção. A Sociedade de Jogos de Macau vai estar numa situação mais complicada do que as restantes operadoras de jogo? A competição vai lá estar quando abrir. Quando olhamos para a distribuição do mercado vemos quem tem maiores e menores percentagens ano após ano. Quando abrir [o Lisboa Palace] estará num mercado muito competitivo. Não vejo a dinâmica a mudar com tudo o que está a acontecer e penso que quando abrirem apenas vão ter de participar na competitiva Strip do Cotai. No Cotai é mais difícil porque muitos clientes tornaram-se frequentes, e como se vai buscar de novo essa lealdade? É preciso apostar em novos mercados. O desafio é como se entra na competição aquando da abertura do empreendimento, mas não vejo uma grande mudança em termos de dinâmica. Teremos novos concursos públicos para a concessão de novas licenças. O Governo vai fazer algum tipo de alteração para dar resposta a esta crise? Penso que é algo em que vão pensar. Eu pensaria. Considerando o que aconteceu nos últimos tempos seria um factor a ter em consideração.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeTurismo | Académico publica artigo que contesta taxa turística Glenn McCartney já o tinha afirmado, mas agora publicou um artigo na revista científica “Current Issues on Tourism” a demonstrar a ineficácia da implementação de taxas turísticas em Macau [dropcap]A[/dropcap] implementação da taxa turística em Macau carece de fundamentação científica e rigorosa e não corresponde às exigências locais. A conclusão é do académico especialista em turismo da Universidade de Macau Glenn McCartney, de acordo com um estudo publicado no passado mês de Junho na revista científica “Current Issues on Tourism”. “A ideia de implementar uma taxa turística carece de escrutínio e rigor científico e vai contra a investigação feita sobre o alcance de uma moldura tributária equitativa”, começa por apontar. Tendo em conta que o Governo deu como exemplo o que é praticado em Veneza para sustentar a possibilidade de implementar uma taxa turística em Macau, o académico explica o que se passa na cidade italiana, e que difere da situação local. “As autoridades de Veneza aprovaram a introdução de um imposto turístico em Maio de 2019, com o objectivo de reduzir o número de visitantes diários na cidade que é património mundial”, refere salientando esta diferença de classificação se comparada a Macau, que define como “a cidade do jogo”. As taxas na cidade italiana variam entre 2,5 e 10 euros por pessoa “dependendo da época” e as receitas são destinadas “à compensação dos crescentes custos ambientais, operacionais e de conservação do património” criados por mais de 24 milhões de visitantes na cidade onde vivem apenas 50 000 habitantes. Destes visitantes, cerca de 15 milhões são excursionistas e “o imposto é visto como uma táctica para garantir que até mesmo esse segmento contribui com alguma quantia para poder visitar a cidade e pagar pelos esforços públicos e administrativos que essa visita implica”. Dinheiro, para que te quero Para o investigador é claro que, “tradicionalmente, os impostos sobre o turismo implementados em algumas regiões do mundo serviram para fazer frente à escassez nos cofres dos governos e não para controlar o turismo de massa”. A necessidade financeira não é um argumento que se aplique ao território, porque “em 2020, prevê-se que Macau se torne o destino mais rico do mundo, ultrapassando o Qatar”, escreve. Como tal, “o desafio do turismo para Macau não é económico, mas sim baseado no fracasso da implementação de estratégias para gerir adequadamente a chegada de visitantes em massa nas últimas décadas”. Por outro lado, este tipo de taxas pode originar retaliação por parte de outras regiões que entendam que os seus cidadãos estão a ser injustamente tributados. “Por isso, vale a pena considerar potenciais respostas das autoridades chinesas para impostos adicionais”, acrescenta, tendo em conta que a maioria dos visitantes de Macau é oriundo do continente. Faltas na consulta pública Glenn McCartney aponta ainda lacunas no documento de consulta pública sobre a referida taxa. De acordo com o investigador, o inquérito não é claro. Quando se pergunta aos residentes se são ou não a favor da implementação da medida, diz-se que o destino do imposto é o desenvolvimento das atraccões turísticas locais e o investimento em subsídios que contribuam para o bem-estar social. Contudo, não consta do documento os custos que a medida requer, nomeadamente no que toca aos métodos de colecta e aos valores recolhidos. Se nalguns casos as tarifas turísticas são de facto para a “gestão da qualidade do turismo e para compensar desafios como a sazonalidade e a capacidade de ocupação”, tal não é o caso por cá. “No caso de Macau, o imposto turístico não foi apresentado como parte de uma estratégia global de turismo para gerir os surtos de visitantes sazonais”, lê-se. Acresce ainda o facto de que em Macau será difícil “esconder” a taxa turística dentro de outros produtos, como as passagens aéreas, por exemplo. “Uma taxa turística como a que está a ser discutida para Macau exige mais visibilidade se se pretende reduzir a procura”, remata. O autor termina o artigo reiterando a necessidade de uma estratégia de “branding local”, ao invés de se rodear o problema com medidas como a taxa turística. Glenn McCartney justifica a opinião com o facto de Macau não ter uma imagem turística para além do jogo e de apesar das várias valências turísticas do território sentir-se falta de uma marca que as una . Taxas inflacionadas A população de Macau defende que a taxa turística tenha um valor de, pelo menos, três dígitos, ou seja mais de 100 patacas. A informação resulta da recolha de opiniões que a Direcção dos Serviços Turismo (DST) sobre a viabilidade de implementação de uma taxa aos visitantes. No entanto, a DST vai “fazer uma análise mais profunda e detalhada”, e o montante do imposto será de acordo com o resultado das pesquisas e tendo como referência a taxa turística de outras cidades, disse o subdirector do organismo Hoi Io Meng ao programa “Fórum Macau”, no passado domingo. De acordo com o responsável, “os resultados preliminares da pesquisa mostraram que as opiniões não são unânimes quer no sentido de apoiar ou recusar a taxa turística” e que é necessária mais investigação. No total, a DST recebeu mais de 12 mil opiniões de residentes, 1,500 de turistas e aproximadamente 150 opiniões do entidades do sector turístico.
Sofia Margarida Mota EntrevistaGlenn McCartney, académico | “Geramos turismo, sem o gerir” Glenn McCartney, especialista na área do turismo, vai estar hoje, a partir das 18h30 na Fundação Rui Cunha a dirigir a palestra “Making Greater Bay Area a World Tourism Magnet”. O académico defende a concretização de uma marca para Macau, capaz de integrar todos os sectores do território [dropcap]M[/dropcap]acau recebeu, no ano passado, mais de 35 milhões de turistas, mais do que o Japão por exemplo. Há condições para receber este número de visitantes? Trata-se de um assunto relativo à capacidade de acolhimento. O modelo de Macau neste sentido é muito complexo. De facto, é possível fazer com que os destinos consigam absorver mais turistas através da construção de algumas infra-estruturas físicas, da alteração das ruas para serem maiores, da abertura de mais balcões nos postos fronteiriços, por exemplo. Também é necessário dar formação à própria sociedade envolvendo-a no turismo. O modelo de acolhimento turístico é um sistema muito flexível. Através de políticas públicas e de alteração de regras e outras acções, é realmente possível absorver mais pessoas. Nunca procurei um número mágico, preocupo-me com o que os residentes são capazes de tolerar no que respeita aos turistas antes de se começarem a inquietar com a situação. Claro que se pode dar aos residentes benefícios financeiros e oportunidades de emprego. Desta forma podem sentir-se mais inclinados para dar as boas vindas aos turistas. Quando os residentes sentem que não há espaço para, por exemplo, se sentarem num restaurante, ou quando não conseguem apanhar táxis, começa o desequilíbrio. Já atingimos este ponto há algum tempo. A sociedade, claro que sabe que beneficia economicamente da situação, mas há um nível de realismo que tem impacto nos residentes tanto ambientalmente como socialmente. Socialmente temos, por exemplo, a mudança do sistema de valores tendo agora o dinheiro um papel preponderante. Há muitas coisas que mudaram nos últimos 20 anos. Os valores de família, por exemplo. E estes impactos a nível social podem ser quantificados bem como os económicos. É preciso admitir que as coisas não estão bem, que estamos a ir na direcção errada e que são precisas soluções. Como? De várias formas. Uma é através da limitação do número de turistas que entram em Macau. Mas aqui a questão é como se vai fazer isso? Podemos ver o modelo de Veneza, um caso em que não houve qualquer gestão turística durante muitos anos e quando se aperceberam tinha um problema. É por isso que digo aos meus alunos, se o turismo não for bem gerido, cria-se um problema. Este é o problema de Macau. O território não tem sabido como gerir o seu turismo. Temos gerado turismo, mas não o temos gerido. Antes de mais há que mudar o mindset de um sistema de gerar turismo para um sistema de gestão. Muitos destinos no mundo são governados por este modelo em que o que interessa é fazer com que entrem cada vez mais visitantes. Os números são para ser celebrados, com certeza. O número de visitantes é sempre um objectivo do turismo, mas não é o único. Questões como “estamos a conseguir com que as pessoas permaneçam mais tempo? Os visitantes estão satisfeitos? Estamos a criar novos mercados? Estamos a conseguir com que as pessoas gastem mais em coisas diferentes? Há mais objectivos estratégicos do que os números. Claro que com mais pessoas a entrar há mais gente a gastar, sim, mas também há um nível que não se refere aos gastos e que cria uma pegada física. Em termos de diversificação, o que Macau tem para oferecer aos turistas? O progresso na diversificação tem sido muito limitado. Sem se estabelecerem desafios comuns aos vários operadores, vai haver muito pouca diversificação. E este pensamento ainda existe. Somos um centro de jogo, o que é que isto significa? Os casinos são um pilar económico e isso não vai acabar. As ocupações dos hotéis dos casinos são na ordem dos 85 por cento, 90 por cento, temos de ter em conta que muitos destes quartos são complemento dos casinos. Muito poucos são requeridos por outra actividade que não seja o jogo. Tudo assenta na indústria do jogo. Então como se trabalha sobre isto? Na década de 80, Las Vegas tinha o mesmo problema que Macau. Mas, por volta de 1992/1993, começou a notar-se mudança. Se recuarmos um pouco, podemos ver que ali a indústria do jogo chegou à conclusão de que há um certo nível de benefícios em, por exemplo, atrair a indústria MICE principalmente no início das semanas – segunda, terça e quarta-feira. Ainda hoje temos o problema da sazonalidade em Macau. Quinta, sexta, sábado e domingo está tudo cheio, mas só com as pessoas ligadas ao jogo. Mas para actividade ligadas ao sector MICE o início da semana é preferível, não querem os fins-de-semana. Por isso, o início da semana encaixa perfeitamente para atrair MICE. Temos capacidade no Cotai para acolher as MICE, com condições muito boas. Aliás, seria uma aposta a ter em conta para a diversificação da economia tendo em consideração os hotéis dos casinos e as suas condições. Outra questão muito importante tem que ver com a marca de Macau, que não existe. O que é preciso fazer para criar essa marca? Ainda estamos para lançar uma proposta de marca para Macau coerente atractiva. Há entretenimento, gastronomia, turismo culinário, património, mas nada disto é visto de forma integrada. Temos muitas coisas de facto, mas precisamos de uma proposta, de um branding, de modo a termos uma posição. Devíamos fazer o que Las Vegas fez. Percebermos quem somos, o que somos, e colocar isso numa mensagem credível dirigida a uma audiência regional e internacional. Quem somos, de verdade? E isto ainda significa mais quando pensamos agora no plano de cooperação regional da Grande Baía. Como é que Macau se vai salientar? As mensagens dos casinos são diferentes das ofertas culturais, por exemplo e não pode existir esta diferença num destino. Temos que encontrar uma coerência. O turismo de Hong Kong faz isso, tenta ter com a sua diversidade uma forma de trabalhar única. É preciso criar uma marca consistente e depois é avaliar o efeito dessa marca. Não somos muito bons a avaliar os resultados do que se faz. Fazemos muitos eventos, ao longo de todo o ano, mas não sabemos o impacto que têm. Não em relação aos bilhetes vendidos para esses eventos, há muito mais unidades de medida que são consideradas pelo mercado. Como é que estes eventos tiveram impacto na marca local, como é que atraíram novos mercados, permitiram que as pessoas ficassem durante quanto tempo em Macau, promoveram, que outro tipo de ofertas. Há ciência ligada ao turismo, mas, infelizmente, durante estes anos todos não temos sido bons em utiliza-la. Isto leva a uma terceira questão: porque não temos mais turistas internacionais e dependemos cada vez mais dos visitantes do continente? Deveríamos medir o impacto desta situação e agora com a Grande Baía como é que vamos ter o nosso impacto dentro de um mercado regional. Precisamos de apresentar um bom produto, melhor do que os das outras regiões. Macau vai conseguir competir em termos de atracção com Hong Kong e as outras cidades da Grande Baía? Vamos ser honestos. Vai existir agora um outro nível de competição. Existe em todo o lado, mesmo dentro da Europa, por exemplo. Mas também vai existir colaboração. Por exemplo, tendo em conta uma viagem de seis ou sete dias, e preciso ter uma plataforma de colaboração de modo a que os turistas sejam distribuídos pelas várias regiões. Temos isso no Reino Unido, as pessoas acabam por distribuir a sua viagem por mais do que um destino e assim todos acabam por ter uma fatia deste turismo. Isso funciona. Alguns ficam com mais, mas é natural. Neste caso, Hong Kong poderá ter turistas durante mais dias, mas não faz mal. Mas penso que a mensagem para a Grande Baía é definir a posição de Macau. Penso que temos uma forte proposta de entretenimento, com os festivais que acontecem no território. Agora, como é que vamos para o mercado com ela. Como é que a vamos comunicar? Temos óptimos festivais. Não gosto de ver lugares vazios nestes festivais. Temos de ver, por exemplo como vendemos estes festivais em conjunto? Qual a campanha única, capaz de apelar para estes festivais. Por exemplo, o Reino Unido tem um slogan simples que é “visite o Reino Unido” e tudo o que o Reino Unido tem para oferecer é publicitado com este slogan como base. Há uma ideia de campanha. É preciso ter uma ideia única de campanha e tudo o resto tem de trabalhar para ela. Em Macau há sempre um certo nível de fragmentação, temos o departamento do desporto, o da cultura, do turismo, o económico e todos fazem alguma coisa. Precisamos que se juntem para formar uma campanha, que percebam os produtos que cada um tem, pegar neles e, a partir daí, desenvolver uma campanha para vender Macau. Os sectores envolvidos, privado e público, têm de colaborar. Macau é um território pequeno. Não deveria ser mais fácil fazer um projecto desses aqui do que em lugares como o Reino Unido? À partida sim, deveria ser. Mas há muitos interesses neste sector em Macau e com diferentes posições no mercado e diferentes níveis de influência. Nunca se consegue um consenso absoluto entre as várias partes envolvidas. Macau até já tem um bom plano. O problema está na execução deste plano. Quem vai fazer o quê, quando e quem é responsável? Esta é a parte mais traiçoeira, a execução. É necessário ter um nível de liderança que defina quem é responsável pelo quê. Há quem defenda que o jogo deveria estar mais envolvido na diversificação de ofertas turísticas. O Governo deveria aproveitar a renovação das licenças para fazer mais exigências neste sentido? Há sempre uma linha que define quem é responsável pelo quê. O sector privado é normalmente responsável por obrigações fiscais, isto está muito claro nos contratos de concessão e neste sentido as operadoras têm cumprido aquilo a que se comprometeram. O Governo é responsável pelo estabelecimento de políticas. Seria positivo que ambas as partes se encontrassem e descobrissem uma forma de trabalhar juntos na mesma direcção. O Governo deveria trabalhar mais com o sector académico e ligado à investigação? Sim, já há alguma colaboração. Mas o problema é outro. Temos aqui alunos muito bons, cheios de ideias e de conhecimento, mas quando entram na Função Pública ninguém os ouve, o que têm para dizer não sobe na hierarquia. A discussão nunca sobe, a não ser que exista uma organização interna que promova este tipo de comunicação, isso não acontece aqui.