Terraço HuaGua

Após horas a percorrer de Sul para Norte as três áreas do Templo Mausoléu de Tai Hao (太昊陵) ouvimos falar de um museu e questionando a sua localização, somos levados a uma tenda já fora do recinto com objectos de bronze, um esqueleto e mais uns quantos objectos insignificantes. Só na segunda passagem por Huaiyang demos conta de um museu dentro das muralhas do templo, mas desistimos de o visitar tão grande a fila de pessoas para entrar.

Pensando terminada a visita aos locais de Fu Xi, para sair voltamos à Porta Wu Chao e pretendendo ir até à cidade de Huaiyang, depois de passar a feira, seguimos para Sul pela Rua JinBuNan, um istmo ladeado pelas águas do Lago do Dragão. Andando quinhentos metros aparece à esquerda uma plataforma com a “Torre-Templo dos Desenhos dos Trigramas” e entrando por um arco memorial em pedra, atravessamos a Ponte Ying Bin e na acanhada ilha, com uma área de 10 mu (0,667 hectares), está o Terraço HuaGua, onde os trigramas foram desenhados.

Aí edificado um pequeno templo na Dinastia Tang, teve frequentes reparações e já na dinastia Ming e Qing foi construído um muro, o pátio e o Pavilhão dos Oito Diagramas esculpido em pedra. Em 2002, tudo foi destruído por um tornado e um homem de negócios de Huaiyang, o Sr. Huang Jin ofereceu dez milhões de yuans para o reconstruir.

Passando a Ponte Tonghan, entrando pela Porta Sul estamos perante o Pavilhão dos 8 Diagramas e seguindo o eixo central, após o Pavilhão para oferendas de sacrifícios, aparece a figura congenial dos Oito Diagramas. No topo Norte, o Pavilhão ao Ancestral dos Humanos com uma resplandecente escultura de Fu Xi em trajes amarelos. A Oeste situa-se o Pavilhão dedicado a Nu Wa e a Leste o Pavilhão da Tartaruga Branca.

No pátio, inúmeras estelas gravadas com diferentes representações de quadrados mágicos encontrados no Luoshu e no Mapa He, do Rio Amarelo (Huanghe).

HE TU E LUO SHU

A tartaruga, além de ser símbolo da longevidade e da sabedoria, oculta os segredos do espírito do Universo e a sua carapaça serviria de base para Nu Wa recolocar o danificado pilar do Noroeste, reparando assim os estragos provocados pelo deus da Água Gonggong quando, após ser derrotado por o deus do Fogo Zhurong, se atirou contra a Montanha Buzhou, quebrando um dos quatro pilares a sustentar o Céu.

Nestas águas, então Rio Cai, Fu Xi encontrou a tartaruga branca e na carapaça visualizou 55 pontos organizados em cinco conjuntos com as seguintes posições: uma bola branca e seis pretas em baixo (Norte, atrás); duas bolas pretas e sete brancas em cima (Sul, à frente); três bolas brancas e oito pretas à esquerda (Leste); quatro bolas pretas e nove brancas à direita (Oeste), e no meio, cinco bolas brancas e dez bolas pretas. Neste arranjo em cruz, segundo a mitologia chinesa Fu Xi viu emergir do Rio Amarelo um Dragão-Cavalo trazendo no dorso o Mapa do Rio (He Tu) baseada no sistema decimal, sendo os dez dígitos os números do Céu, apresentando a Ordem do Universo Anterior à Manifestação. Neste mapa do Sistema Solar estavam desenhadas várias constelações de onde concebeu o conceito de Yang, (linha contínua), simbolizando o princípio masculino, o luminoso, a força e Yin, (linha interrompida), o feminino, o obscuro, a suavidade, com os quais compôs as Quatro Imagens (duas linhas inteiras, Supremo yang; duas linhas quebradas, Supremo yin; linha inteira e linha quebrada, Jovem yang; linha quebrada e linha inteira, Jovem yin) e usando a Achillea (erva pombinha) desenhou os Oito Trigramas, [mais tarde combinados por o Rei Wen, chefe do Reino Zhou, originando os 64 hexagramas].

No Livro das Mutações (Yi Jing, 易经) vem explicada a teoria dialéctica do Yin e Yang e dos Oito Trigramas, na qual o Universo é eterno e a sua ordem regida pelo Tai ji, a união dos dois princípios, yin e yang. Representa-se por um círculo dividido em duas partes iguais com a forma de Ϩ, sendo yin a parte escura e yang a parte clara e dentro da parte escura existe um ponto claro e na parte clara um ponto escuro. Rodeando esse círculo, as oito fases da energia do Universo, (as oito forças fundamentais da Natureza), representadas nos oito trigramas.

No He Tu, o círculo exterior mostra-se com os números de 6 a 9, no círculo interior de 1 a 4 e no meio, o 5 e o 10, sendo de referir apresentarem-se os números ímpares (do Céu) em pontos brancos e os pares (os números da Terra) por pontos pretos. Disposição num eixo vertical (Eixo Celeste) a dar a direcção e o sentido, no horizontal (Eixo Terra). O encadeamento em progressão numérica no Ciclo da Criação dos Cinco Elementos, na ordem dos ponteiros do relógio aparece: (3,8) Madeira, Leste; (2,7) Fogo, Sul; (5-10) Terra, Centro; (4,9) Metal, Oeste; (1,6) Água, Norte.

Yu o Grande, conhecido por conseguir controlar as cheias alargando os leitos dos rios e a construir canais, ao estabilizar o Rio Luo viu emergir da água uma tartaruga e na carapaça encontrou o Livro do Rio Luo (Luoshu) com a Teoria do materialismo dos Cinco Elementos a representar a Ordem do Universo Manifestado.

Nove dígitos reproduzem as mudanças que ocorrem na Terra e daí representado em quadrado (mágico) de ordem 3, isto é 3x3x3. Tem três colunas na horizontal e outras três na vertical e a soma de cada uma e das oblíquas dá sempre 15 e os dígitos somados 45.

| 4 | 9 | 2 |
| 3 | 5 | 7 |
| 8 | 1 | 6 |

Ainda no recinto, numa pequena arrecadação um tanque guarda duas tartarugas, a branca foi em 1984 reencontrada e a segunda tartaruga, na carapaça tem desenhados caracteres, parecendo querer comunicar algo.
Após sair do Terraço Hua Gua, mais 500 metros para Sul estamos na cidade.

PING LIANG TAI

Na aldeia de Dalian, quatro quilómetros a Sudeste do centro de Huaiyang, visitamos a estação arqueológica de Ping Liang Tai onde, iniciadas as escavações em 1980, foram descobertas próximo da superfície as relíquias da dinastia Han, mais abaixo as de Zhou e Shang, seguindo-se as da Cultura Longshan (2800-2300 a.n.E.) e por fim, a uma profundidade entre três e cinco metros a Cultura Dawenkou (4300-2500 a.n.E.). Aí, as ruínas da cidade de Wanqiu, habitada por a tribo de Fu Xi, com uma área interior em quadrado de 34 mil m², fora cercada por muralhas com cerca de três metros de altura e um comprimento de 185 metros, havendo uma porta a meio dos muros Norte e Sul. Cidade com saneamento, pois existiam três linhas de canos em argila para conduzir a água, assim como no exterior dos muros tinha três fornos, um a Nordeste, outro a Sudoeste e no Leste.

Na Dinastia Han houve uma proliferação de túmulos com a imagem de Fu Xi e Nu Wa, tendo ambos cabeças humanas e o Pai da Humanidade corpo de dragão e a irmã e esposa corpo de serpente, com as caudas entrelaçadas, a representar a união entre os dois. Encontram-se representações de Fu Xi com um Sol, ou a segurar um compasso na mão esquerda e Nu Wa com a Lua, ou um esquadro na mão direita. Na China, as Eras começaram a ser contadas no ano de 2697 a.n.E., data ainda da existência de Fu Xi.

29 Mar 2022

太昊陵 Tai Hao Ling Templo mausoléu de Fu Xi

Dos dezoito mais importantes mausoléus da China, o Templo do Mausoléu de Tai Hao em Huaiyang é o ancestral e está desde 1996 na Lista Nacional de Relíquias Culturais Protegidas. Construído de acordo com a filosofia dos oito trigramas criados por Fu Xi, a arquitectura do templo serviu de padrão aos palácios imperiais e mausoléus depois edificados para sepultar os Imperadores.

Logo após a morte de Fu Xi, ocorrida nos inícios do terceiro século antes da nossa Era, entre os anos de 2838 e 2738 a.n.E., no mausoléu, situado a 4 km SE da sua capital Wanqiu, realizavam-se celebrações ao primeiro dos três Soberanos Imperadores e o mais importante dos cem reis.

Em Wanqiu, pouco tempo depois Yan Di reconstruiu a sua capital e renomeou-a Chen, aí vivendo por um curto período, segundo Sima Qian no ShiJi.

Os Anais de Chenzhou referem a existência do Mausoléu de Tai Hao no Período Primavera-Outono e Kong Fuzi (Confúcio), que por três vezes visitou Chenzhou (Huaiyang) e aí viveu três anos e meio, assegurou ali estar sepultado Fu Xi.

Ainda antes da Dinastia Han havia um templo a acompanhar a sepultura, feita por um monte situado no extremo Norte do recinto. As construções adicionais estenderam-se sobretudo nas dinastias Tang e Song.

Durante a Dinastia Tang, no ano de 630 o Imperador Tai Zong (626-649) ordenou a proibição de as pessoas colocarem no local os animais a pastar. Já em 960, o primeiro imperador da Dinastia Song, Tai Zu (960-976) mandou haver no local do mausoléu um guarda e este aí fosse viver com a família para sempre, continuando esta com as funções de tomar conta do lugar. Ordenou ainda a realização de três em três anos de uma cerimónia de oferenda de sacrifícios a Fu Xi. Em 966 existiam cinco famílias a tomar conta do mausoléu e as cerimónias de sacrifícios eram feitas duas vezes ao ano, na Primavera e no Outono.

Com a chegada da dinastia mongol dos Yuan deixaram de se realizar as cerimónias de veneração e as construções do templo ficaram em ruínas. Apenas o bei (estela) do mausoléu feito na Dinastia Song se manteve de pé.

A construção do actual templo provém de um decreto de Zhu Yuanzhang, (Tai Zu, 1368-1398) o primeiro imperador da Dinastia Ming, que tornou o mausoléu o número 1 de toda a China, quando em 1371 ele mesmo aí foi oferecer sacrifícios a Tai Hao. Informação do livro MingShi LiZhi (História da Dinastia Ming), que indica ser Chenzhou o único lugar permitido para existir um templo a Fu Xi. Depois colocou uma pessoa e a família a guardar o mausoléu.

Os inúmeros templos em honra dos Três Ancestrais por toda a China levaram Tai Zu, ainda em 1371, a mandar destruir os que não fossem templos dos mausoléus. Por isso, o único templo a Fu Xi preservado foi o de Chenzhou, apesar de na Colina de Gua Tai ser discretamente mantido um templo em honra de Fu Xi, por aí ser o local do seu nascimento.

Entre 1448 e 1576, no templo de Chenzhou novos edifícios foram construídos, como as torres do Sino e do Tambor e arranjados os existentes. Em 1745, o governo da Dinastia Qing deu dinheiro para uma grande reparação dos edifícios do templo. Chenzhou passou em 1913 a ter definitivamente o nome de Huaiyang.

Em 1949, já no tempo da República Popular da China foi criada uma Associação para tomar conta da área do templo mausoléu. Em 1984, aí foi construída uma esquadra da polícia e no ano seguinte o Museu de Huaiyang, que segundo se diz nunca chegou a abrir. Em 1996, Tai Hao Ling tornou-se Património Cultural da China.

HISTÓRIAS TERRENAS

Yue Fei, um general da Dinastia Song, por três vezes foi com as suas tropas defender a cidade de Chenzhou e talvez por isso, dentro do recinto de Tai Hao Ling, num pequeno pátio encontra-se o Templo a Yue Fei, sendo o único dos heróis nacionais a merecer tal honra. As estátuas de bronze de Yue Fei e Qin Hui aqui estão desde a Dinastia Ming e na Qing, a elas se juntaram as de Wang Shi, Mo Qixie, Wang Jun e Zhang Jun.

Para saber quem são estas personagens, teremos de referir a História da Dinastia Song do Norte (960-1127) e a razão da mudança para a Dinastia Song do Sul.

Após Zhao Kuangyin se tornar o primeiro Imperador da Dinastia Song do Norte, com o nome de Tai Zu (960-976), compreendendo serem as causas da queda da Dinastia Tang o ter comandos militares demasiado fortes e independentes do controlo dos imperadores, passou a governar com uma grande centralização de poder, reforçado pelas doutrinas confucionistas. Reduziu o exército, enfraquecendo a defesa nacional e por isso, em 1126 a Dinastia Jin (1115-1234) conquistou a capital Bianjing (Kaifeng), levando da corte Song quase três mil presos para Harbin (capital da tribo tártara Jurchen, que criou a Dinastia Jin). O que restou da Dinastia Song retirou-se para Sul e fugindo das investidas dos Jin, instalou-se em Nanjing (actual Shangqiu, na província de Henan) onde Zhao Huan foi feito Imperador Qin Zong (1125-1127). O irmão Zhao Guo, no ano de 1127 proclamou-se imperador com o nome de Gao Zong e iniciou a Dinastia Song do Sul (1127-1279), mudando em 1138 a capital para a cidade de Hangzhou, que tomou o nome de Lin‘an.

O exército Jin continuou a atacar-lhes o território e Yue Fei (1103-41), um dos quatro famosos generais Song, foi vencendo os invasores tártaros que pelo Norte faziam constantes incursões. Mas nem mesmo após a Batalha de Yancheng, na província de Henan, em 1140, quando Yue Fei de novo lhes ganhou, bastou para conter o exército Jin, que obrigou o Imperador Gao Zong (1127-62) a fugir pelo Mar da China e depois, a negociar a paz cedendo muitas terras.

O Imperador Gao Zong apontou para primeiro-ministro Qin Hui, um homem fugido do campo do inimigo, que tomou como missão negociar a paz com os Jin, apesar das importantes vitórias conseguidas sobre estes por o general Yue Fei.

Chamado à corte de Gao Zong e por exigência dos Jin, Yue Fei, com uma acusação forjada escrita por Wang Jun, um seu desleal subordinado, foi metido na prisão e executado. Estava-se em 1141 e nesse Inverno os Song cederam aos Jin um vasto território, tornando-se como vassalos, pois pagavam-lhes um tributo anual. Após o Imperador Gao Zong abdicar em 1162, subiu ao trono da Dinastia Song do Sul o filho adoptivo, o Imperador Xiao Zong (1162-89), que reabilitou o general Yue Fei, passando desde então a ser venerado como Deus da Guerra.

Nesse pequeno templo, a Yue Fei são feitos sacrifícios com três vénias e incenso por muitos peregrinos e à frente da sua estátua encontram-se no pátio exterior encostadas ao muro, com um ar de humilhação, cinco figuras de bronze ajoelhadas. Representam o primeiro-ministro Qin Hui, a esposa Wang Shi, os serventes Zhang Jun e Mo Qixie, assim como o traidor Wang Jun, que recebem pontapés, murros e estaladas, quando as pessoas por elas passam, dadas com a emoção de quem partilha esse momento histórico ainda vivido pela dor resultante dessa acção. E batem forte, saindo com as mãos a arder! É o incenso para purificar da maldade e deslealdade essas personagens.

1 Mar 2022

淮阳 Huaiyang celebra Fu Xi

Visitar a província de Henan, situada na parte média do Rio Amarelo, é como entrar nas primeiras páginas do longo livro da História da China por ser um dos berços da civilização chinesa e onde se registam do período Neolítico muitas culturas como, a Peiligang (6100-5000 a.n.E.), a Yangshao (5000-3000 a.n.E.), a Longshan (2500-2000 a.n.E.) e a Erlitou (c.1900-1500 a.n.E.), esta ligada à dinastia Xia (2070-1600 a.n.E.), a primeira das dinastias imperiais que duraram até 1911. Já a Cultura de Erligang (1600-1400 a.n.E.) está relacionada com o início da dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.).

Chegamos a Zhengzhou, capital da província de Henan, para a 230 km ir a Huaiyang, na prefeitura de Zhoukou, assistir às festividades em honra de Fu Xi, que se estendem entre o segundo dia do segundo mês lunar até ao terceiro dia do terceiro mês. Ana Maria Amaro lembra-nos, “no segundo dia do segundo mês do calendário lunar chinês celebra-se a tradicional festa conhecida por ‘O Dragão levanta a cabeça’ que anuncia as primeiras chuvas da Primavera.” O dragão é considerado a divindade que domina a chuva e para um povo de agricultores como eram os chineses, esta era-lhes essencial para os campos.

Ainda nessa prefeitura, no concelho de Luyi celebra-se na mesma altura o aniversário de Lao Zi, enquanto Xihua, ligado a Nu Wa e onde tem o mausoléu, é outro dos oito concelhos da prefeitura de Zhoukou localizada no Sudeste da província.

Da cidade de Zhoukou partimos para Huaiyang numa viagem de 45 minutos de autocarro. Chamada Wanqiu no tempo de Fu Xi, ficou em 200 a.n.E. a ser Huaiyang por se encontrar a Norte do Rio Huai e daí o nome, pois yang designa Norte. Local onde Fu Xi e Nu Wa escolheram fazer as suas capitais, tal como também aí, já com o nome Chen, viveu Yan Di, estando assim relacionada com os Três Ancestrais Soberanos (San Huang) e mesmo considerando Nu Wa não ser um dos três, mas sim Sui Ren, o deus do Fogo, este era de Shangqiu, na fronteira para Nordeste da prefeitura de Zhoukou.

A FEIRA

Em Huaiyang (淮阳), após sair do autocarro, ao caminhar o quilómetro e meio até ao Templo de Fu Xi temos a sensação de pertencer ao imenso grupo proveniente da tribo Feng (风, Vento), que há 4800 anos viera da província de Gansu para Leste chefiada por Fu Xi. Percorreu desde a bacia do Rio Wei até ao Rio Amarelo onde encontrou terras férteis na Planície Central, na actual província de Henan e aí se instalou.

Criou a povoação amuralhada de Wanqiu para albergar o grupo, que então passou a designar-se tribo Yi e escolheu como totem o Dragão. Após a realização de festas onde se promoveram casamentos, parte da tribo separou-se e Nu Wa com as suas gentes seguiu para Norte dessa área, estabelecendo-se em Xihua.

Chegando pelo lado Oeste contornamos o Lago Dragão (Long hu), que separa o templo de Fu Xi da vila de Huaiyang, encontrando-se no meio da água uma escultura com dois dragões semi-submersos. A moldura humana caminha e avolumando-se dá lugar a uma multidão, ladeada por um sem número de vendedores. Dois pormenores logo rapidamente saltam à vista. Um grande número de pessoas em sentido inverso vem da festa trazendo bolas de basquete e outras, tigres feitos de tecido laranja com a face pintada, que pela forma parecem ser comprados para servir de almofadas.

A confusão é grande e as tendas de circo, instaladas num recinto descampado ao lado do muro do complexo do templo, animam com os altifalantes o som geral do local, anunciando animais ferozes, famosos artistas malabaristas e tudo o que pudesse causar espanto e estupefacção aos habitantes da região aí apinhados. Por detrás dos muros do complexo do templo pode-se ver um monte e os telhados de alguns dos pavilhões que constituem o Tai Hao ling (太昊陵), Templo-mausoléu de Tai Hao, a divindade de Fu Xi.

Na porta lateral Oeste (Xi Hua men) o rebuliço é ainda maior, pois muita gente tenta por aí entrar no templo, não deixando sair os que acabam de o visitar.

Prosseguimos em direcção à porta Sul, a principal do templo e por onde se deve entrar, entre tendas com esculturas de deuses e imagens de muitos dos soberanos mitológicos à venda, havendo ainda as bancas com geomantes entendidos no Feng-Shui e no Yi Jing.

CÃO DE ARGILA DE HUAIYANG

Da grande praça em frente ao templo, o nosso olhar é atraído pela água do lago e expande-se até aos edifícios da vila de Huaiyang, na margem oposta. O que parece uma ampla praça está interrompida por um canal, não perceptível devido às inúmeras tendas colocadas em frente. É o Rio Cai, cujo significado antigo era o de tartaruga. Segundo os registos do livro Chenzhou Fu Zhi, foi no Rio Cai que Fu Xi encontrou a tartaruga branca a trazer-lhe a base para criar os oito trigramas. Este rio nasce a Noroeste de Huaiyang, atravessa Wanqiu, a cidade construída por Tai Hao, que foi a primeira capital da China, e passa em frente do templo mausoléu.

Como viemos pelo lado Oeste, para o atravessar escolhemos a ponte mais próxima das três existentes e assim, entramos no recinto limitado entre o Rio Cai e o Lago Dragão (Long hu). Aí, a imensa feira, que para além do lado comercial tem uma parte de diversão, estende-se desde o lago até à entrada do templo.

Nas tendas vendem-se os papéis votivos e incenso, assim como estátuas de porcelana de muitos deuses, sobretudo os da Riqueza, contando com uma variedade de outros produtos típicos apresentados nas normais feiras de pendor rural. As pessoas ao passarem pelos carrinhos cheios de lingjiao, fruta com sabor a castanha e forma em miniatura de pares de cornos de búfalo, esperam a vez para a adquirir.

Encontramos então os famosos tigres (ou serão cães?) em vários tamanhos e feitos de tecido cor de laranja com pinturas a dar as feições e outros pormenores, parecem ser uma novidade. Produção actualizada, mais ao gosto dos compradores, inspirada nas pequenas esculturas antigas de barro pintado com fundo preto, ornamentadas por cores vivas a criar as feições das formas primitivas de seres humanos e pássaros. Servem como instrumento musical pois ao soprar-se por um buraco dão um assobio.

Assim, os locais camponeses artesãos entre a multidão chamam a atenção, pois vão com elas na boca usando-as como apitos, enquanto transportam cestas de vime cheias dessas pequenas esculturas para vender. São os ‘Cães do Mausoléu’, que por terem formas amórficas muito diversas, revelam ser provenientes de uma figuração muito antiga. Também conhecidos por Cão de Argila de Huaiyang, ou Cão Ling, é o nome dado a estas figuras no seu todo, não importando a representação que têm. Está relacionado, segundo o conhecimento popular, com o nome de Fu Xi, em cujo primeiro caractere (伏) existem dois radicais, um de homem (人) e outro de cão (犬). Segundo especulações de alguns estudiosos, a tribo de Fu Xi tinha como totem o cão e após o seu chefe deixar esta vida, os cães tornaram-se as divindades que guardam o mausoléu. Confúcio confirmou passados dois mil anos estar ali enterrado o corpo do inventor dos trigramas.

15 Fev 2022

Relíquias perdidas do Templo de Gua Tai shan

Acima do nível do mar 1363 metros, a Colina de Gua Tai encontra-se no vale de SanYang, por onde corre em S o Rio Wei. Em viagem, numa estrada feita em 1993, embalados na cabaça (Hulu, 葫芦), já que o nome de Fu Xi significa oriundo de uma cabaça, chegamos ao recinto do Templo.

Há cinco mil anos, Fu Xi na juventude explorava o local pois habitava ali próximo, numa gruta, talvez onde nascera. Enquanto criança habituara-se a olhar à sua volta, vendo o comportamento dos seres vivos, animais, humanos e pássaros. Já jovem, em reflexão, do cume da colina contemplando, entendeu o Espaço onde prescreveu as relações da Natureza, e até aos 12 anos compreendeu as Leis Naturais. Nesse estar, questionando os anciãos quando necessário, se fez o primeiro dos Ancestrais Soberanos ao visualizar os oito diagramas, matematizando-os em trigramas.

No palácio central, Xian Tian dian, encontrava-se a meio do enorme salão a estátua de Fu Xi, e diz quem ainda a viu, ser da dinastia Ming e estar coberta por argila. Mas em 1966, quando a Revolução Cultural por aí passou para destruir as velharias, descobriu-se ser feita de ferro e cheia de caracteres onde um registo indicava a data: Jianxing (建, jian=eregir, 兴, xing=próspero), imperial nome da Era só usado entre o século III e o IV. Primeiro fizeram rolar a estátua até ao rio e dentro de água por alguns dias foi depois levada para um depósito, onde se colectava ferro e aí vendida por 13 yuan. Pago o quilo a 0,06 yuan dá a massa de 217 kg.

Xian Tian dian, apesar de existir já durante as dinastias Jin e Yuan, não se sabe como era o palácio e só ao de 1531 se conhece a arquitectura. Este, reconstruído em 1656, foi destruído em 1966, e de novo construído em 1987. Com três portas, tem nove colunas de madeira talhadas de dragões enrolados a trepar e um telhado com uma única trave de suporte. No interior, ao centro está a estátua de Fu Xi, à direita a estátua do Cavalo Dragão (龙马, Long Ma) e na esquerda, uma pedra onde gravados estão os 64 hexagramas e as 28 Su (宿, constelações de estrelas).

Outro objecto desaparecido de Gua Tai Shan foi o prato com trigramas (Gua pan, 卦盘), feito de madeira de pereira, que se encontrava no interior do templo. Este prato era quadrado (a representar a Terra) com 64 cm de lado e no seu interior, de maior espessura, um plano redondo (representando o Céu) com desenhos. [Teixeira de Pascoais explica, “Nós somos um edifício construído por fora com toda a terra, por dentro, com todas as estrelas. Nele vive silencioso e prisioneiro o fantasma do seu arquitecto.”]

Nesse círculo, na parte mais exterior estão representadas linhas yin e yang, a seguir os 64 hexagramas (64 Gua, 8×8 trigramas) e no interior da circunferência, as 28 constelações chinesas (28 Su, 宿, segundo os dauístas, habitadas por espíritos tutelares). Depois os 10 Caules Celestes (10 Tian Gan), seguindo as 12 Raízes Terrestres (12 Di Zhi) e os 24 Termos Solares (24 Jie Qi). Este gua pan (卦盘) era usado em estampagem por quem aqui vinha com papel fazer uma prova a tinta vermelha e levava para casa, colocando-o por cima da porta a afastar as más energias, impurezas (避邪, bi xie). Em 1966, quando os jovens revolucionários vieram para destruir o templo, este gua pan foi levado por um habitante da povoação Wu Jia Zhuang (吴家庄), situada na base desta colina, que o guardou, escondendo-o.

Importante edifício em todos os templos era o Chao fang, existente no templo de Fu Xi na Colina de Gua Tai desde as dinastias Jin e Yuan, mas o actual estilo apresentado é igual ao de 1531. Tanto no Chao fang do Oeste como no do Leste há três quartos. Reconstruído em 1656, em 1966 destruído e em 1994 de novo construído. O do Oeste serve como sala de reunião e no do Leste encontra-se outra estátua de Fu Xi, havendo caracteres escritos nas traves a revelar ter sido pago pela província de Taiwan.

Em Junho de 1994, estavam de novo edificadas as torres do Sino e do Tambor (钟鼓楼, Zhong Gu lou), construídas entre 1531 a 1533 e reparadas várias vezes, foram deitadas a baixo em 1966. Segundo os locais, antigamente na Torre do Sino havia um sino todo gravado com caracteres e a sua forma de octógono representava o Bagua. Ao ser tocado, o som ouvia-se a mais de trinta quilómetros. Segundo a lenda, quando no Outono as colheitas estavam prontas para serem feitas e aparecia no céu uma tempestade de fortes chuvas ou granizo, o toque do sino a repique fazia afastar as nuvens negras.

Pouco depois de deixar a Colina de Gua Tai, a caminho de Tianshui, passamos pela gruta de Fu Xi, mas por estar fechada não a visitamos. O mesmo aconteceu com o Museu de Tianshui, que mais tarde quando aí voltamos em 22 de Junho de 2010 estava a ser inaugurado.

Bagua

De acordo com o Yi Jing, (o mais antigo livro cuja versão actual, o Livro das Mutações da dinastia Zhou, Zhou Yi, tem três mil anos) deve-se a esse antiquíssimo sábio, Fu Xi, a imagem do dragão de onde retirou os oito trigramas, criando o desenho do Tai ji, pelo pulsar yin-yang da vida. O dragão é yang e terá sido escolhido como totem por Fu Xi, conhecido por isso como Rei Dragão, para representar o seu povo Jiuli, que formou a tribo Yi.

Esta tribo um pouco mais tarde, já com Chi You como chefe, entrou em guerra contra as tribos Jiang de Yan Di (Shen Nong) e a Ji (originária do Nordeste) de Huang Di, e sendo derrotada, dividiu-se em três diferentes ramos. Muitos integraram-se nos Ji e tornaram-se no povo Han (Huaxia), sendo na dinastia Han colocados na península da Coreia.

Outros partiram para Sul, seguindo o grupo Li para Hainan e talvez Taiwan, enquanto a Sudoeste se formaram os Miao, e para Leste os povos Qiang e Ba.

Fu Xi explicou aos seres humanos a essência de todos os aspectos do Universo contidos nos oito trigramas que inventou, e as inter-relações entre eles. Pelo conhecimento dos oito estados da Natureza e seu domínio poderiam, tal como os deuses, evitar muitos prejuízos causados pelas calamidades naturais e utilizar todas as coisas ao serviço da harmonia para com o que nos rodeia.

Fu Xi deu novos usos ao fogo, inventou instrumentos musicais como o lusheng e outros de agricultura, escolheu seis tipos de animais domésticos, como porcos e carneiros, ensinou a caçar e na pesca fez as redes, ao olhar para as teias das aranhas. Assim, com abundância de comida, promoveu há 4800 anos os casamentos, iniciando com Nu Wa essas celebrações. Depois, estas anualmente ocorriam na Primavera, no terceiro mês lunar, sendo celebradas num vale, protegido por uma montanha de vertente côncava, onde para propiciar encontros, os jovens se reuniam com a finalidade de se conhecerem e daí unindo-se, criar família. Daqui Fu Xi e Nu Wa serem os Ancestrais Soberanos do povo chinês, pois promoveram os casamentos e deram o nome às famílias. Nas acções mostrou aos seus a igualdade entre mulher e homem, reformou costumes e na administração como chefe reorientou o Neolítico estar, dando começo à Civilização Chinesa.

10 Jan 2022

Templo de Fu Xi na Colina de Tai Shan

O templo em Gua Tai Shan, local onde Fu Xi criou o Bagua (oito trigramas), teve desde 1516 permissão oficial para, a par de Chenzhou (陈州, actual Huaiyang, em Henan, local da sua capital e mausoléu) também poder fazer cerimónias de sacrifício a Fu Xi. Saia assim da lista dos templos a destruir editada em 1371 por o Imperador Ming Zhu Yuanzhang (Tai Zu, 1368-1398), devido à proliferação na dinastia Yuan de templos a homenagear os Três Ancestrais (San Huang), e permitia apenas preservar os templos dos mausoléus.

Abandonado durante anos, o templo na Colina de Gua Tai, construído na dinastia Sui (581-618), fortificado na Song do Norte (960-1127) e os palácios e outras salas na dinastia Jin (1115-1234), preparava-se em 1521 para ser reparado quando serviu de base ao pedido do governo de Gansu para o imperador permitir a construção de um novo templo agora dentro da cidade, em Qinzhou (秦州), hoje Qincheng (秦城), a parte antiga de Tianshui.

Em Fevereiro de 1531, o templo em Gua Tai Shan começou também a ser reparado, obra terminada em 1533, tendo sido construída uma muralha em torno do recinto, situado no cume da colina e virado para Sul. De arquitectura usada depois nos mausoléus dos imperadores, o templo com um eixo central constituído a partir do Sul por um par de arcos de pedra decorativos (牌坊, paifang), colocados lateralmente, aparecia de seguida o arco memorial de pedra (Wu men, 午门, a porta=men do meio-dia=wu), tendo no lado Leste, a Torre do Sino e a Oeste, a Torre do Tambor (钟鼓楼, Zhong Gu lou). Continuando para Norte, um pátio, havendo a Leste e Oeste casas (Chao fang, 朝房) para os preparos dos governantes às cerimónias. Ao fundo, o Palácio XianTian (先天殿, Xian Tian dian), de um enorme e único salão e a meio a estátua de Fu Xi. No pátio, 17 pinheiros baseados nos 9 Gong (九宫, Jiugong) e nos oito Gua (八卦, Bagua). Jiugong, quadrado mágico de ordem 3 (isto é 3X3), contém sinais de ordem supernatural do Universo. O Bagua, os oito trigramas, representa os oito estados da Natureza, constituídos pelas oito possíveis combinações de três linhas (inteiras e quebradas).

Como o templo na cidade de Qinzhou passou a ser onde os governantes faziam as cerimónias de sacrifício a Fu Xi, o de Gua Tai Shan perdeu importância. Em 1654, durante a dinastia Qing, houve um grande tremor de terra em Qinzhou e em Gua Tai Shan tudo ruiu. Dois anos depois, um oficial de Qinzhou deu dinheiro para a sua reconstrução, baseando-se a edificação no anterior templo existente na dinastia Ming, sendo em 1656 a última vez que os governantes se interessaram pelo templo da Colina de Gua Tai.

Longe do centro do poder, muralhado era nos conflitos armados um lugar de refúgio para a população e por isso, visto como um sítio sagrado protegido pelos deuses. O templo ficou à guarda dos habitantes locais e apesar de já não se prestar homenagem a Fu Xi, tornou-se um popular lugar de sacrifício aos deuses. A Leste de Wumen, nos finais da dinastia Qing, passou a haver um templo-sala em honra de Cai Shen (财神, deus da Riqueza e da Abundância) e outro a Ling Guan (灵官, o deus do Fogo). Na parte Oeste de Wumen foi construído um templo a Tu Di (土地, deus da terra) e outro a Niang Niang (娘娘, Senhora que ajuda as crianças). Em frente ao Wumen o palco para teatro (戏楼, Xi lou).

Durante os reinados dos imperadores Tongzhi (1862-1874) e Guangxu (1875-1908) alguns monges aqui viveram, pregando e propagando os ensinamentos budistas. Em 1875 e 1895, a população local arranjou dinheiro para reparar os edifícios do templo e no período de guerras as pessoas de novo dentro das muralhas se resguardaram, sendo a Colina Gua Tai então conhecido por Xi Tai Bao.

Em 1920 outro grande tremor de terra em Gansu e de pé apenas ficaram as traves mestras dos edifícios XianTian dian, Wumen, paifang e as torres do Sino e do Tambor. Tudo o resto ficou destruído, sendo reconstruídos os pavilhões com as traves mestras de pé, assim como o palco de teatro (Xi lou), o local Oeste onde os governantes se prepararem para as cerimónias (Xi Chao fang) e a casa dos monges (僧房, Seng fang). Não voltaram a ser construídos os templos a Tu Di, a Niang Niang, a Ling Guan, a Cai Shen e Dong Chao fang que ruíram.

As cerimónias de sacrifício aos deuses pararam em 1958 e as pessoas deixaram de aí aparecer.

Em 1966, durante a Revolução Cultural, os edifícios foram destruídos e mesmo, o sino datado da dinastia Ming, a estátua de Fu Xi feita em ferro e muitos das estelas desapareceram. Do par de paifang feito em 1533, apenas um restou, o de três portas, que fora reconstruído em 1656, mas colocado de frente em vez de estar perpendicular ao Wumen.

Em 1981 recomeçaram no templo as celebrações dedicadas a Fu Xi, que acorrem a 15 do segundo mês lunar.

Actual templo

O governo de Tianshui iniciou em Setembro de 1981 a reconstrução do templo em Gua Tai Shan, seguindo com ligeiras modificações a matriz do reconstruído entre 1531 e 1533, durante a dinastia Ming. Ainda em 1981, foram colocadas de pé as duas estelas, as únicas então encontradas.

Os dezassete pinheiros plantados em 1531, baseados nos Nove Gong (九宫, Jiugong) e nos Oito Gua (Bagua), cortados alguns em 1966, voltaram em 1982 a perfazer os dezassete.

Em Março de 1984, o palco de teatro (Xi lou) estava pronto e em Outubro de 1987 foi a vez de Xian Tian dian (o palácio central, feito de um enorme salão e a estátua de Fu Xi a meio) ficar terminado.

O arco memorial de pedra (Wumen) com cinco portas, reconstruído em Abril de 1993 seguiu o modelo do existente na dinastia Ming, feito em 1531, reparado em 1656 e destruído em 1966. Dong e Xi Chao fang e Zhong Gu lou (as torres do Sino e do Tambor) estavam em Junho de 1994 também edificadas.

Como em cada reconstrução ou visita de governante era de norma colocar uma estela (bei, 碑), para comemorar e fazer a descrição sobre tal ocorrência, estivera o recinto do templo recheado de estelas, mas em 1966 a maior parte foi deitada fora e agora apenas três existem no templo. Uma delas não tem já nada escrito e as outras duas, em frente ao Palácio (Xian Tian dian), a estela do lado Oeste era de 1531, do sexto mês lunar, período da construção do templo, durante a dinastia Ming e encontra-se inteira. Com uma altura de 183 cm e largura de 86 cm, conhecida por QinZhou HuaGua TaiXinJian FuXi MiaoJi 《秦州画卦台新建伏羲庙记》, tem texto escrito por o Alto Oficial Civil Kang Hai (康海, 1475-1540, nascido em Shaanxi), professor da Academia Han Lin (Han Lin Yuan, 翰林院).

Já a estela do lado Leste é uma junção de duas diferentes estelas de distintas épocas. A parte de cima julga-se ser da dinastia Yuan (1279-1368), enquanto a pedra da parte inferior é da dinastia Qing, do ano 1656 e foi escrita por Guo Zhen Du. Como a este bei desapareceu a parte superior, apenas um terço dos caracteres se lêem, sugerindo na altura fazer-se a reconstrução do templo da Colina de Gua Tai.

5 Jan 2022

Fu Xi e Nu Wa em Tianshui

A área onde em 1985 foi criado o distrito de Tianshui (天水), na actual província de Gansu, era no século IX a.n.E. chamada Quanqiu e o reino Qin aí teve a sua capital até 770 a.n.E., quando a dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.) foi substituída pela Zhou do Leste e o Rei Ping (770-720 a.n.E), o primeiro da nova dinastia, mudou a capital de Hao (próximo de Xian, Shaanxi) para Luoyi (hoje Luoyang, Henan), levando o reino Qin a mover-se para Leste passando a capital para Yongcheng (actual Fengxiang, em Shaanxi). Seria a população desse reino Qin a descendente da tribo Feng (风, Vento) que em Gansu se quedou aquando da migração para Leste de uma parte da tribo, conduzida dois mil anos antes por Fu Xi e Nu Wa e que formou o povo Yi após chegar à Planície Central em Henan.

Fu Xi fora concebido em Langzhong, na parte Nordeste de Sichuan, de onde era natural a mãe, Hua Xu Shi (华胥氏), que pertencia à tribo matriarcal Hua Xu, mas foi em Tianshui, entre o ano 2953 e 2852 a.n.E. que nasceu, tal como três meses depois a irmã Nu Wa, ambos com o apelido Feng (风) do pai e por isso se compreende ser a tribo já patriarcal e serem filhos de diferentes mães.

Daí a visita a Tianshui (天水), que significa Céu e Água, nome dado em 118 a.n.E. no reinado de Wu Di da dinastia Han do Oeste, quando desde o século IX a.n.E. era chamada Quanqiu. A cidade Tianshui está dividida em dois pólos: Beidao (北道) construída com a chegada do caminho-de-ferro e a 16 quilómetros para Leste, a parte antiga chamada Qincheng (秦城), que teve o nome Chengji (成纪) e mais tarde, entre 220 e 1913, era denominada Qinzhou (秦州).

Sendo Tianshui a terra natal de Fu Xi e Nu Wa percorremos esse distrito à procura dos templos em sua honra. Relacionados com Fu Xi encontramos um na parte Oeste da cidade de Qincheng e o outro a 30 km, na colina Gua Tai (卦台山) situada em San Yang Chuan, 15 km a Noroeste de Tianshui, onde Fu Xi terá nascido.

Já Nu Wa viu a luz do dia em FengGu (风谷), localizada na montanha FengWei (风 尾山) hoje povoação de Loncheng na prefeitura de Qin’an, 40 km a Norte da cidade de Tianshui.

Cresceram juntos pois ambos eram filhos do deus do Trovão (雷公, Lei Gong, o deus Lei Ze, com cabeça humana e corpo de dragão, que começou por ser mortal, mas ao comer um dos pêssegos do pessegueiro celeste ganhou a imortalidade e tornou-se um humano com asas, tendo recebido uma maça e um martelo com que criava os trovões).

Segundo a tradição oral, perpetuada numa canção do grupo étnico Miao (洪水朝天, Hong Shui Chao Tian), há muitos anos o deus do Trovão e do Vento eram irmãos, tendo-se separado e enquanto Lei Gong (雷公), o deus do Trovão habitava no Céu, Jiang Yang (姜央), o deus do Vento vivia na Terra. Ao desentenderem-se entraram em guerra, dando origem a uma grande inundação que levou a água a chegar quase ao Céu.

A VINGANÇA DE LEI GONG

A história que se segue provem da província de Guangxi, perpetuada oralmente e mais tarde registada no livro Min Jian Gu Shi Zi Liao (民间故事资料).

O deus do Trovão (Lei Gong), representado com um rosto de macaco, bico de pássaro e asas que seguram um machado e um maço, tinha como esposa a deusa dos Relâmpagos (Dianmu) que com os seus raios punia. Lei Gong constantemente aparecia nos céus e com tempestades, de intensas trovoadas e diluvianas chuvas, fustigava os agricultores, arruinando-lhes nos campos as culturas.

Farto de ser vítima de tais calamidades e desesperado por trabalhar para no fim nada colher, certo dia o agricultor Zhang Bao Bo (张宝卜) ao aperceber-se pelo adensar das nuvens no Céu que o deus do Trovão se aproximava, resolveu confrontá-lo. Preparou uma gaiola de ferro e dependurando-a num poste, na parte de fora da casa, desafiou o deus para um combate. Furioso perante o desplante daquele terreno ser, irado atirou-se dos céus para acabar com o provocador. Mas o agricultor com a sua forquilha de ferro e cabo de madeira apanhou-o e num rápido movimento colocou-o dentro da gaiola, fechando-lhe a porta. Assim aprisionado, o deus perdeu o poder de fazer chover, voltando o Sol a raiar.

Precisando de sair para ir fazer umas compras, antes de partir o agricultor avisou os dois filhos para se afastarem da gaiola, não se dirigirem ao deus, nem com ele falarem e muito menos darem-lhe água.

As duas crianças, o rapaz de nome Fu Xi e a rapariga chamada Nu Wa, fartas de estarem em casa devido às constantes intempéries, aproveitando o Sol que voltara a aparecer ao fim de longos dias de chuva, brincavam no pátio da casa.

O deus do Trovão, que precisava de comunicar com o deus das Águas para conseguir reaver a sua poderosa força, apercebendo-se poder tirar partido da inocência das crianças, começou a lamentar-se do imenso calor que fazia. Estas lembrando-se dos avisos do pai tentaram ignorá-lo, mas a insistência do deus a clamar por compaixão, agora mirrado e com um aspecto inofensivo, mexeu com elas e perante as constantes e tormentosas súplicas, começaram a vacilar e a ficar condoídas. Percebendo tal, o deus prometeu não lhes tocar se lhe dessem apenas umas gotas de água para apaziguar a sede. Pensando não haver grandes consequências, deram-lhe assim um pouco de beber. Mas mal o deus tocou na água, logo a sua força e poder voltaram, libertando-se da jaula. As crianças assustadas iam para fugir quando o deus do Trovão lhes lembrou não lhes querer fazer mal e entregou-lhes um dos seus dentes dizendo para o plantarem na terra, pois este as iria salvar da grande calamidade que ele iria provocar, devido à ousadia humana de o terem preso.

Mal o deus do Trovão partiu e após se encontrar com o deus da Água deu início à vingança e tão grande foi que em poucos dias toda a Terra estava coberta por água. Seguindo o conselho do deus, os dois irmãos viram sair da terra uma grande cabaça que se dividiu mal a água chegou, embarcando cada um numa das metades.

O lavrador, com o cair das primeiras gotas, percebeu logo que Lei Gong se tinha libertado. Mas nada pôde fazer pois o deus do Trovão conjuntamente com o deus das Águas rodopiando abriram tamanha tempestade que durante dias inundaram todas as terras e até as mais altas montanhas ficaram submersas. Ninguém se salvou excepto os dois irmãos, que navegando cada um na sua metade de cabaça foram levados pelas agitadas águas e durante dias andaram à deriva, tendo-se perdido um do outro devido às correntes provocadas por o deus do Vento, que os levaram por caminhos diferentes, separando-os. Estavam as águas a chegar ao Céu quando o Imperador de Jade ordenou aos deuses seus subordinados para pararem e voltarem a colocá-las nos seus normais leitos.

Mitológica história perpetuada via oral contada com variantes por diferentes grupos étnicos como os Miao, Yao e Zhuang, mas a solução para a insanável questão sobre o pai das duas crianças aparece explicada no actual livro GuShenHua Xuan Shi (古神话选释) escrito por Yuan Ke (袁珂) que refere Lei Gong e o lavrador poderiam ser irmãos e ter havido na tribo lutas internas.

6 Dez 2021

Fu Xi e Nu Wa o casal divino

Escrever sobre personagens que viveram num período anterior aos registos escritos e cujas histórias chegaram até aos nossos dias, ou pelas letras de canções, ou oralmente transmitidas em forma de mitos e só muito mais tarde, milénios depois, registadas nos livros, traz-nos o problema de interligar todas essas informações para criar uma inteligível e coerente imagem, que represente os seres aqui a tratar. Fu Xi (伏羲, em cantonense Fok Hei) e Nu Wa (女娲, Nôi-Vó), figuras lendárias e da mitologia chinesa, contam com poucos trabalhos académicos e nos livros antigos aparecem apenas esparsas referências às suas pessoas como as feitas por Kong Zi (Confúcio), Sima Qian, o historiador da dinastia Han do Oeste e Sima Zhen.

Fu Xi transportando o conhecimento das culturas existentes no Paleolítico para a Era do Neolítico deu início à Civilização Chinesa, tornando-se o seu primeiro Soberano e por isso, também conhecido por Tian Huang Shi (天皇氏, Tin Wong Si), Imperador Celeste. Conjuntamente com Nu Wa, após um grande dilúvio tornaram-se as únicas pessoas mas, como irmãos que eram não podiam casar e ter filhos por receio de desagradar ao Céu. Então resolveram subir à montanha sagrada Kunlun (em Qinghai), fazendo cada um uma fogueira e como o fumo de ambas se uniu, interpretaram favorável esse sinal e casaram, ficando a ser considerados o casal divino, o Pai e a Mãe dos Seres Humanos.

O Ser Humano tomara consciência da sua existência há 65 mil anos e se nessa primitiva sociedade não havia distinções de classes, famílias e propriedade privada, entre o L e o XL milénio antes da nossa Era foi substituída por uma comunidade baseada na família com a formação gradual de uma sociedade matriarcal há 30 mil anos. Por volta do VI milénio antes da nossa Era o sistema de crenças mudou e a sociedade matriarcal começou a dar lugar à patriarcal, substituindo-se a Deusa da Fertilidade por o Deus da Guerra, aparecendo as classes e o conceito de propriedade devido ao movimento adquirido pela caça a reorientar um novo estar. Assim, a sociedade patriarcal iniciou-se há cinco mil anos, quando na China as tribos se começaram a unir entre si.

Como ponto de partida deveremos questionar se Fu Xi e Nu Wa tiveram existência real? Se sim, quando viveram e quem foram? Questões que para tais figuras nunca poderão ter respostas formais mas, como representação de uma imagem feita pelo espaço de consciência, em função de onda preparam o além da realidade. Por isso não se consegue em projecção realizar tal estudo, sendo apenas na reflexão que este toca espaços fora dos limites da matéria. Por outro lado, como figuras lendárias que ocupam um lugar na História da China, elas foram o espírito e a substância de muitos arquétipos para a construção da Civilização Chinesa.

 

ANCESTRAIS SOBERANOS

 

Num túmulo da dinastia Han do Leste em Pixian (província de Sichuan) e do mesmo período, no mural do templo de Wuliang em Jiaxiang (província de Shandong), encontram-se representações de Fu Xi e Nu Wa, ambos com cabeça humana mas corpos de dragão e entrelaçados pelas caudas, a representar a união entre os dois, simbolizam o poder e quando ligados com a tartaruga perpetuam-se pela eternidade.

Fu Xi, considerado Imperador do Ser Humano conjuntamente com Nu Wa são o casal divino. Fu Xi, deificado como Taihao (太昊), ou o Imperador Verde, representa o Leste e contém a virtude da madeira, simbolizando a Primavera e Nu Wa, encarregue da reprodução de todas as coisas vivas, é a deusa primitiva da fertilidade. Para alguns estudiosos ambos não eram Seres Humanos, mas representantes de um período, Nu Wa a sociedade matriarcal e Fu Xi, a patriarcal.

Quando considerados pela História como figuras históricas chegam-nos integradas no grupo San Huang Wu Di, isto é, os ancestrais dos chineses conhecidos pelos Três Soberanos e os Cinco Imperadores. Apesar de irmãos eram de diferentes tribos e como os “únicos” sobreviventes de um grande Dilúvio, Fu Xi e a sua consorte Nu Wa ficaram considerados os primeiros seres humanos e para que estes se reproduzissem e fosse criada a Humanidade tornaram-se patronos dos casamentos.

Já quanto às datas da existência histórica de Fu Xi variam desde o ter nascido entre 2953 e 2852 a.n.E. e ter deixado a Terra entre os anos de 2838 e 2738 a.n.E., mas há autores a referir ter o lendário chefe tribal reinado durante 115 anos, de 4477 a 4362 a.n.E.. Nascera em Tianshui, hoje província de Gansu e numa jornada para Leste como chefe levou a sua tribo Yi até às Planícies Centrais, actual província de Henan, onde se instalou em Huaiyang e aí se encontra o seu mausoléu, como Kong Zi atestou. A sua meia-irmã Nu Wa nasceu três meses depois em Loncheng, a Norte de Tianshui, tendo ambos o apelido Feng (风, Vento) do pai. Acompanhou Fu Xi na procura de terras férteis e em Henan, após promoverem casamentos, separaram-se. Nu Wa seguiu para Norte, onde na povoação de Wihua se encontra o seu mausoléu.

Fuxi era um observador atento, tanto do Céu, como do que se passava na Terra, e ao olhar para o Céu observou os fenómenos celestes vendo-os espelhados na Terra. Assim atingiu a ideia do todo inserido nas mudanças sazonais e na geografia, descobrindo ser dentro de si o mesmo do que se passava no seu exterior. Ao viajar por muitos lugares conheceu outras formas de estar e fazer, assim como outros objectos. Apercebeu-se das diferentes qualidades e propriedades dos materiais e dos solos. Terá usado nós numa corda para fixar certos factos e criou um método de fazer redes de pesca inspirando-se nas teias de aranhas. No entanto, a maior das suas contribuições foi a criação dos oito trigramas a representar os oito estados da natureza usados depois no mais antigo livro existente, o Livro das Mutações (Yi Jing, 易经) cuja versão actual, o Zhou Yi é da dinastia Zhou e tem três mil anos.

Segundo refere Kong Zi nos dez Asas (Xi Ci), que complementam o Livro das Mutações, deve-se ao sábio Rei Fuxi a imagem do dragão de onde retirou os oito trigramas (bagua), criando o desenho do Tai ji pelo pulsar yin-yang da vida. O dragão é yang e terá sido escolhido como totem por Fu Xi, conhecido por isso como o rei Dragão, para representar o seu povo da tribo Yi. Explicou aos seres humanos a essência de todos os aspectos universais contidos nos oito trigramas que inventou, e as inter-relações entre eles. Pelo conhecimento dos oito estados da Natureza e seu domínio poderiam, tal como os deuses, evitar muitos prejuízos causados pelas calamidades naturais e utilizar todas as coisas ao serviço da harmonia para com o que nos rodeia.

Considerado o primeiro dos Três Ancestrais Soberanos (San Huang, 三皇), que deram origem à Civilização Chinesa, transportou os conhecimentos de uma Era em que a Terra ainda se reflectia pelo Céu e talvez por essa razão, Fu Xi e a sua meia-irmã e consorte Nu Wa, considerados os primeiros seres humanos, são o Pai e Mãe, que significam o Céu e a Terra e representam-se no yang e yin de todas as coisas.

8 Nov 2021