Fu Xi e Nu Wa em Tianshui

A área onde em 1985 foi criado o distrito de Tianshui (天水), na actual província de Gansu, era no século IX a.n.E. chamada Quanqiu e o reino Qin aí teve a sua capital até 770 a.n.E., quando a dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.n.E.) foi substituída pela Zhou do Leste e o Rei Ping (770-720 a.n.E), o primeiro da nova dinastia, mudou a capital de Hao (próximo de Xian, Shaanxi) para Luoyi (hoje Luoyang, Henan), levando o reino Qin a mover-se para Leste passando a capital para Yongcheng (actual Fengxiang, em Shaanxi). Seria a população desse reino Qin a descendente da tribo Feng (风, Vento) que em Gansu se quedou aquando da migração para Leste de uma parte da tribo, conduzida dois mil anos antes por Fu Xi e Nu Wa e que formou o povo Yi após chegar à Planície Central em Henan.

Fu Xi fora concebido em Langzhong, na parte Nordeste de Sichuan, de onde era natural a mãe, Hua Xu Shi (华胥氏), que pertencia à tribo matriarcal Hua Xu, mas foi em Tianshui, entre o ano 2953 e 2852 a.n.E. que nasceu, tal como três meses depois a irmã Nu Wa, ambos com o apelido Feng (风) do pai e por isso se compreende ser a tribo já patriarcal e serem filhos de diferentes mães.

Daí a visita a Tianshui (天水), que significa Céu e Água, nome dado em 118 a.n.E. no reinado de Wu Di da dinastia Han do Oeste, quando desde o século IX a.n.E. era chamada Quanqiu. A cidade Tianshui está dividida em dois pólos: Beidao (北道) construída com a chegada do caminho-de-ferro e a 16 quilómetros para Leste, a parte antiga chamada Qincheng (秦城), que teve o nome Chengji (成纪) e mais tarde, entre 220 e 1913, era denominada Qinzhou (秦州).

Sendo Tianshui a terra natal de Fu Xi e Nu Wa percorremos esse distrito à procura dos templos em sua honra. Relacionados com Fu Xi encontramos um na parte Oeste da cidade de Qincheng e o outro a 30 km, na colina Gua Tai (卦台山) situada em San Yang Chuan, 15 km a Noroeste de Tianshui, onde Fu Xi terá nascido.

Já Nu Wa viu a luz do dia em FengGu (风谷), localizada na montanha FengWei (风 尾山) hoje povoação de Loncheng na prefeitura de Qin’an, 40 km a Norte da cidade de Tianshui.

Cresceram juntos pois ambos eram filhos do deus do Trovão (雷公, Lei Gong, o deus Lei Ze, com cabeça humana e corpo de dragão, que começou por ser mortal, mas ao comer um dos pêssegos do pessegueiro celeste ganhou a imortalidade e tornou-se um humano com asas, tendo recebido uma maça e um martelo com que criava os trovões).

Segundo a tradição oral, perpetuada numa canção do grupo étnico Miao (洪水朝天, Hong Shui Chao Tian), há muitos anos o deus do Trovão e do Vento eram irmãos, tendo-se separado e enquanto Lei Gong (雷公), o deus do Trovão habitava no Céu, Jiang Yang (姜央), o deus do Vento vivia na Terra. Ao desentenderem-se entraram em guerra, dando origem a uma grande inundação que levou a água a chegar quase ao Céu.

A VINGANÇA DE LEI GONG

A história que se segue provem da província de Guangxi, perpetuada oralmente e mais tarde registada no livro Min Jian Gu Shi Zi Liao (民间故事资料).

O deus do Trovão (Lei Gong), representado com um rosto de macaco, bico de pássaro e asas que seguram um machado e um maço, tinha como esposa a deusa dos Relâmpagos (Dianmu) que com os seus raios punia. Lei Gong constantemente aparecia nos céus e com tempestades, de intensas trovoadas e diluvianas chuvas, fustigava os agricultores, arruinando-lhes nos campos as culturas.

Farto de ser vítima de tais calamidades e desesperado por trabalhar para no fim nada colher, certo dia o agricultor Zhang Bao Bo (张宝卜) ao aperceber-se pelo adensar das nuvens no Céu que o deus do Trovão se aproximava, resolveu confrontá-lo. Preparou uma gaiola de ferro e dependurando-a num poste, na parte de fora da casa, desafiou o deus para um combate. Furioso perante o desplante daquele terreno ser, irado atirou-se dos céus para acabar com o provocador. Mas o agricultor com a sua forquilha de ferro e cabo de madeira apanhou-o e num rápido movimento colocou-o dentro da gaiola, fechando-lhe a porta. Assim aprisionado, o deus perdeu o poder de fazer chover, voltando o Sol a raiar.

Precisando de sair para ir fazer umas compras, antes de partir o agricultor avisou os dois filhos para se afastarem da gaiola, não se dirigirem ao deus, nem com ele falarem e muito menos darem-lhe água.

As duas crianças, o rapaz de nome Fu Xi e a rapariga chamada Nu Wa, fartas de estarem em casa devido às constantes intempéries, aproveitando o Sol que voltara a aparecer ao fim de longos dias de chuva, brincavam no pátio da casa.

O deus do Trovão, que precisava de comunicar com o deus das Águas para conseguir reaver a sua poderosa força, apercebendo-se poder tirar partido da inocência das crianças, começou a lamentar-se do imenso calor que fazia. Estas lembrando-se dos avisos do pai tentaram ignorá-lo, mas a insistência do deus a clamar por compaixão, agora mirrado e com um aspecto inofensivo, mexeu com elas e perante as constantes e tormentosas súplicas, começaram a vacilar e a ficar condoídas. Percebendo tal, o deus prometeu não lhes tocar se lhe dessem apenas umas gotas de água para apaziguar a sede. Pensando não haver grandes consequências, deram-lhe assim um pouco de beber. Mas mal o deus tocou na água, logo a sua força e poder voltaram, libertando-se da jaula. As crianças assustadas iam para fugir quando o deus do Trovão lhes lembrou não lhes querer fazer mal e entregou-lhes um dos seus dentes dizendo para o plantarem na terra, pois este as iria salvar da grande calamidade que ele iria provocar, devido à ousadia humana de o terem preso.

Mal o deus do Trovão partiu e após se encontrar com o deus da Água deu início à vingança e tão grande foi que em poucos dias toda a Terra estava coberta por água. Seguindo o conselho do deus, os dois irmãos viram sair da terra uma grande cabaça que se dividiu mal a água chegou, embarcando cada um numa das metades.

O lavrador, com o cair das primeiras gotas, percebeu logo que Lei Gong se tinha libertado. Mas nada pôde fazer pois o deus do Trovão conjuntamente com o deus das Águas rodopiando abriram tamanha tempestade que durante dias inundaram todas as terras e até as mais altas montanhas ficaram submersas. Ninguém se salvou excepto os dois irmãos, que navegando cada um na sua metade de cabaça foram levados pelas agitadas águas e durante dias andaram à deriva, tendo-se perdido um do outro devido às correntes provocadas por o deus do Vento, que os levaram por caminhos diferentes, separando-os. Estavam as águas a chegar ao Céu quando o Imperador de Jade ordenou aos deuses seus subordinados para pararem e voltarem a colocá-las nos seus normais leitos.

Mitológica história perpetuada via oral contada com variantes por diferentes grupos étnicos como os Miao, Yao e Zhuang, mas a solução para a insanável questão sobre o pai das duas crianças aparece explicada no actual livro GuShenHua Xuan Shi (古神话选释) escrito por Yuan Ke (袁珂) que refere Lei Gong e o lavrador poderiam ser irmãos e ter havido na tribo lutas internas.

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