China-África | Fórum de cooperação decorre esta semana em Pequim

Arrancou ontem o 9º Fórum de Cooperação China-África, em Pequim, com a promessa de reforço das ligações comerciais e investimento. Analistas dizem que a China irá manter predominância política no continente africano, mas Pequim rejeita a ideia de “neocolonialismo”

 

Decorre esta semana, em Pequim, o Fórum China-África (FOCAC, na sigla em inglês), a nona edição de uma iniciativa que se realiza a cada três anos desde Outubro de 2000. Analistas ouvidos pela agência Lusa acreditam que o FOCAC deste ano será marcado pelo reforço do “alinhamento político” entre Pequim e o continente africano e por uma “maior clareza em relação à iniciativa chinesa de segurança global”.

O Fórum propriamente dito decorre entre amanhã e sexta-feira, mas algumas reuniões decorreram ontem. No total, estarão em Pequim 54 representantes africanos, incluindo numerosos chefes de Estado e de Governo, assim como largas centenas de ministros sectoriais.

“Todas as embaixadas em Pequim estão completamente ocupadas com o Fórum, todos os governos africanos estão ocupados. Há mais presidentes africanos a participar no FOCAC do que na Assembleia Geral da ONU, que é a maior cimeira do mundo. O FOCAC é o ponto mais importante do calendário diplomático de África”, sublinha Paul Nantulya, investigador do Africa Center for Strategic Studies (ACSS), especialista nas relações África-China.

Apesar das numerosas representações de alto nível e do “reforço do prestígio” deste FOCAC em relação ao anterior, Jana de Kluiver, investigadora do Institute for Strategic Studies (ISS), em Pretória, prevê que esta primeira cimeira pós-covid não será marcada pelo aumento da “dimensão do investimentos” anunciados.

Em primeiro lugar, refere, porque a China “está consciente do problema da dívida em África e da forma como a situação se apresenta a nível internacional”, e depois, porque se espera este ano mais envolvimento do sector privado, o que “coloca uma maior ênfase na rentabilidade dos projectos, o que implica projectos mais pequenos, com um retorno mais rápido”.

Em contrapartida, Kluiver acredita que se irá assistir ao anúncio do investimento em projectos de energias renováveis e no aumento de projectos relacionados com o “Crescimento Verde”, assim mais investimento tecnológico, em alinhamento com os objectivos internos da China.

É também apontada a importância que deverão assumir as três grandes iniciativas anunciadas pelo Presidente chinês, Xi Jinping, depois do último FOCAC de 2021, tal como a Iniciativa de Segurança Global (ISG), Iniciativa de Desenvolvimento Global (IDG) e Iniciativa de Civilização Global (ICG).

“Um elemento importante que sairá deste FOCAC é o alinhamento político”, sublinha Nantulya. “A China está a procurar um alinhamento político mais forte com os países africanos, como parte da sua estratégia para o Sul Global, que vê como uma espécie de contrapeso ao que chama o sistema internacional dominado pelo Ocidente”, acrescenta o investigador.

“Penso que teremos uma maior clareza sobre a nova ISG e a IDG, em particular. Este FOCAC será marcado pelo elemento da segurança, e na forma como Pequim tenta remodelar a ordem internacional” através destas iniciativas, afirmou Jana de Kluiver.

Reforma precisa-se

Nantulya sublinha que os países africanos têm reclamado uma reforma do sistema multilateral, que inclua uma representação permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas a China “não tem sido muito clara na sua posição” sobre este tema.

A estas exigências, a China tem respondido com a promessa de ajudar a “ampliar a sua influência e os seus interesses a nível internacional, por exemplo, defendendo os pedidos de mais financiamento para o desenvolvimento”, acrescenta o investigador.

“A China está a criar muitas organizações internacionais, muitas das quais são paralelas a organizações internacionais existentes, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, de que muitos países africanos são membros, ou o novo Banco de Desenvolvimento, que funciona no âmbito dos BRICS, e outras organizações de que os países africanos fazem parte”, ilustrou ainda.

Falta posição comum

Finalmente, ambos os analistas apontam falha importante que representa a falta, mais uma vez, de uma estratégia comum dos países africanos para negociações com um gigante como a China.

“África não tem uma posição comum em relação à China, nem em relação a qualquer actor externo. Há certas orientações continentais que seriam altamente positivas, se os países e os seus compromissos bilaterais com a China pudessem ter em mente o quadro mais vasto do desenvolvimento do continente”, diz Kluiver.

“Mas não existe uma agenda definida ou uma abordagem comum, o que prejudica os países africanos, em termos do seu poder de negociação”, acrescentou.

A China dispõe de muitos recursos, especificamente em termos de desenvolvimento da conectividade, tecnologias de informação e comunicação, recursos humanos, bem como de financiamento de projectos, mas, para que pudesse realmente ser aproveitado, seria preciso que os países africanos alcançassem um “nível de coordenação” mínimo, que lhes permitisse, por exemplo, articular de forma eficaz grandes projetos como o Acordo de Comércio Livre Continental Africano e a iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”, sublinha a analista sul-africana.

É fundamental, sublinha Kluiver, que “exista um nível de concordância” entre os países africanos, que “garanta que estes grandes projetos estão alinhados, porque é importante desenvolver projetos de infraestruturas regionais que, em última análise, promovam o comércio intra-africano e não se limitem a reforçar as cadeias de valor e as ligações com, por exemplo, a China ou qualquer potência externa”.

Predominância continental

Também à Lusa o director de pesquisa da consultora Oxford Economics Africa considera que a China vai manter um papel predominante nas economias africanas, nomeadamente na reestruturação da dívida.

“O FOCAC vai definir a direcção e o foco dos empréstimos, subvenções e créditos à exportação para os países africanos, e é particularmente importante nesta altura devido ao papel primordial que a China está a desempenhar nos processos de reestruturação da dívida externa de vários países africanos, como a Etiópia e a Zâmbia”, disse Jacques Nell.

Para o responsável, “a China tem apoiado os países africanos em termos de alívio da dívida e reescalonamento dos pagamentos desde antes dos processos de abordagem dos credores, apresentado pelo G20, e continua a desempenhar um papel importante nos processos de reestruturação da dívida externa na sequência da pandemia de covid-19”.

A elevada dívida externa dos países africanos, principalmente quando analisada em termos do rácio sobre o PIB e sobre as receitas fiscais, tem levado muitos analistas a alertar para a existência de uma crise da dívida africana.

O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA) defendem uma reformulação da arquitetura financeira mundial e a introdução de mecanismos de alívio ou perdão de dívida para os países sobre-endividados, que abrangem mais de metade das nações africanas.

Questionado sobre a importância da China, o maior credor do continente e o maior credor externo de países como Angola, Jacques Nell respondeu que os chineses têm ajudado os países africanos, mas diz que há alguma dualidade do papel da China em África e lembra críticas por causa da confidencialidade dos contratos financeiros.

Estes contratos, apontam os críticos, dão azo a especulações sobre as condições prejudiciais e fomentam a ideia de uma ‘armadilha da dívida’, em que os fluxos financeiros eram acompanhados de influência geopolítica e económica nesses países e de represálias duras em caso de incumprimento financeiro.

“As cláusulas de confidencialidade introduzem alguma incerteza sobre as modalidades do alívio da dívida, especialmente porque já há vários processos de reestruturação em curso, o que demonstra a dualidade do papel da China em África – por um lado, os chineses oferecem alívio da dívida e fazem investimentos, o que é muito necessário, mas por outro lado os termos da maior parte dos negócios estão envoltos em secretismo, o que só por si é criticável”, conclui o analista.

Sementes de discórdia

Entretanto, uma análise publicada na agência Xinhua rejeita a ideia de que os investimentos chineses são uma forma de neocolonialismo. Com o título “Porque é que é absurdo acusar a China de praticar ‘neocolonialismo’ em África”, o texto cita analistas que defendem os enormes benefícios do investimento chinês em alguns países.

“Ao acusar a China de fomentar a dependência africana através de investimentos maciços e de dar prioridade aos interesses chineses em detrimento das necessidades locais, o Ocidente está a tentar semear a discórdia nas relações China-África e minar a sua cooperação, tudo num esforço para proteger os interesses de alguns países ocidentais em África, afirmam os especialistas”, lê-se.

A nona edição do FOCAC, com o lema “Unir as Mãos para avançar a modernização e construir uma comunidade de alto nível sino-africana com um futuro partilhado”, apresenta-se como “uma plataforma para um diálogo colectivo, unindo a China com a Comissão da União Africana e com os 53 países africanos que mantêm relações diplomáticas com a China”, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

2 Set 2024

China-África | Portugal diz que fórum representa esforço para promover cooperação e desenvolvimento

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo português considera o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que decorre esta segunda e terça-feira, um esforço internacional para a promoção da cooperação e desenvolvimento, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, à agência Lusa.

“Portugal vê com agrado todos os esforços internacionais de promover a cooperação para o desenvolvimento e é nesse quadro que entendo a realização desse evento”, afirmou Santos Silva em declarações enviadas à Lusa.

A FOCAC realiza-se esta segunda a terça-feira, em Pequim, e contará com a presença de dezenas de chefes de Estado e de Governo de países africanos, nomeadamente todos os de língua portuguesa, casos de Cabo Verde, São Tomé e Princípe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.

“Naturalmente, Portugal está sobretudo empenhado quer na cooperação entre a União Europeia e a União Africana, sendo de relevar que as duas primeiras cimeiras se realizaram ambas em presidências portuguesas da União Europeia, quer no Fórum Macau, que é um excelente instrumento de cooperação entre a China, Portugal e os países africanos de língua portuguesa”, destacou Santos Silva.

Todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) estarão representados na cimeira. África e China têm entre si uma relação que já envolve um investimento direto anual de 2.500 milhões de euros em setores como indústria, finanças, turismo e aviação.

Entre janeiro e junho de 2018, o comércio bilateral cifrou-se em 98.800 milhões de dólares. Dados oficiais divulgados no dia 29 estimam que a cooperação com Pequim leve ao continente africano 30.000 quilómetros de auto-estradas, uma capacidade anual portuária de 85 milhões de toneladas e uma capacidade de produção elétrica de 20.000 megawatts.

Esperado papel na Rota Marítima Atlântica

A Associação Amigos da Nova Rota da Seda considera que o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) contribuirá para “o desenvolvimento” da Rota Marítima Atlântica, “em que Portugal poderá ter um papel importante”.

A presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda, Fernanda Ilhéu, vincou as “muitas afinidades” do objetivo da cimeira entre China e nações africanas, entre os quais países de língua portuguesa, de criar “uma comunidade ainda mais forte com um futuro partilhado através da cooperação ‘win-win’”.

Em declarações à agência Lusa, Fernanda Ilhéu sublinhou as “muitas afinidades com a visão e os objetivos da iniciativa da China ‘Uma Faixa, Uma Rota e a Nova Rota da Seda Marítima do Século XXI'”, sustentando que “será previsível que sejam assinados projetos de cooperação no âmbito dessa iniciativa”.

A Nova Rota da Seda foi lançada em 2013 pelo Presidente chinês, Xi Jinping, e inclui uma malha ferroviária intercontinental, novos portos, aeroportos, centrais elétricas e zonas de comércio livre, visando ressuscitar vias comercias que remontam ao Império romano, e então percorridas por caravanas.

Os projetos são sobretudo construídos por empresas chinesas e financiados pelos bancos estatais da China, estendendo-se à Europa, Ásia Central, África e Sudeste Asiático.

“Temos a expetativa de que os países de língua portuguesa, que irão estar quase todos presentes, fazendo-se representar pelos seus Presidentes, adiram a essa iniciativa, contribuindo para o desenvolvimento da Rota Marítima Atlântica em que Portugal poderá ter um papel importante, perspetivando parcerias estratégicas enquadradas por uma outra iniciativa da China complementar da ‘Uma Faixa, Uma Rota’, que consiste em promover a cooperação em projetos da China com a Europa em terceiros países, neste caso da China com Portugal, em projetos em países de língua portuguesa”, afirmou.

Salientando que o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) da China em África “nos últimos três anos foi de cerca de 30 mil milhões de dólares” (25,6 mil milhões de euros), Fernanda Ilhéu frisou que “o comércio entre a China e a África tem crescido de uma forma robusta”, com “programas de cooperação em empresas do setor industrial, financeiro, turismo e aviação”.

“Também foram lançados projetos de infra-estruturas como 30.000 quilómetros de auto-estradas, 85 milhões de toneladas de capacidade portuária, 20.000 MW de energia elétrica e 9 milhões de toneladas ano de capacidade de tratamento de águas”, acrescentou, referindo ainda os “cerca de 900.000 postos de trabalho” criados.

2 Set 2018