Hoje Macau China / ÁsiaCoreia do Norte faz rara reunião sobre agricultura com país à beira da fome O líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un, deu início a uma rara reunião política para melhorar o setor agrícola, avançou hoje a imprensa estatal, numa altura em que observadores sugerem que o país está à beira da fome. Na reunião plenária maior, que começou no domingo, o Comité Central do Partido dos Trabalhadores reviu os trabalhos do ano passado para concretizar a “revolução rural na nova era”, referiu a Agência Central de Notícias da Coreia do Norte (KCNA, na sigla em inglês). A KCNA disse que a reunião do Comité Central do partido único norte-coreano irá identificar tarefas “imediatas e importantes” sobre questões agrícolas e “tarefas urgentes decorrentes do atual situação do desenvolvimento económico nacional”. Além de ser raro a Coreia do Norte convocar uma reunião plenária sobre um único tópico, esta foi a primeira reunião a dedicar-se à agricultura. Especialistas sul-coreanos estimam que a Coreia do Norte tem menos cerca de 1 milhão de toneladas de cereais do que o necessário para alimentar a população, o que representa 20% das necessidades alimentares anual. A Administração para o Desenvolvimento Rural da Coreia do Sul estimou em dezembro que no ano passado o Norte produziu 4,5 milhões de toneladas de cereais, menos 3,8% em comparação com 2021. Pyongyang precisa todos os anos de cerca de 5,5 milhões de toneladas de cereais para alimentar uma população de 25 milhões de habitantes, que sofre de desnutrição crónica. Nos últimos anos, metade da lacuna era geralmente preenchida com compras não oficiais de arroz vindo da China, de acordo com Kwon Tae-jin, economista sénior do Instituto GS&J, na Coreia do Sul. A emergência da pandemia da covid-19 forçou Pyongyang a proteger o sistema de saúde com controlos fronteiriços rigorosos que estrangularam o comércio com a China, o principal aliado económico do país. Kwon Tae-jin adiantou que as restrições prejudicaram as compras não oficiais de arroz da China e que os esforços das autoridades norte-coreanas para apertar os controlos e restringir a revenda privada de cereais também fizeram piorar a situação. A Coreia do Norte foi ainda atingida por tufões e inundações devastadoras em 2020, que dizimaram as colheitas. A invasão russa da Ucrânia terá agravado a situação ao fazer subir os preços globais dos alimentos, energia e fertilizantes, dos quais a produção agrícola da Coreia do Norte está fortemente dependente. O Ministério da Unificação sul-coreano, encarregado das relações com o Norte, alegou na semana passada, sem divulgar dados específicos, que a situação alimentar no país vizinho estava a piorar e mencionou mortes por fome em algumas regiões. “Acreditamos que a escassez de alimentos é grave”, disse o porta-voz do ministério, Koo Byoung-sam, acrescentando que Pyongyang terá pedido a ajuda do Programa Alimentar Mundial. Num estudo publicado no mês passado no ‘site’ 38 North, focado na Coreia do Norte, o analista Lucas Rengifo-Keller afirmou que a insegurança alimentar no país estava no pior ponto desde a fome que matou centenas de milhares de pessoas nos anos 90.
Hoje Macau SociedadeApoios | Residentes que recorrem à Caritas aumentaram dez por cento Há cada vez mais pessoas que recorrem à Caritas Macau para pedirem ajuda para comer. A organização acredita que a subida se deve ao facto de ter, neste momento, um serviço mais próximo da população que precisa. Mas ainda há quem tenha vergonha [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntre Janeiro e Julho deste ano, quase 2700 pessoas inscreveram-se no serviço de fornecimento temporário de alimentos da Caritas Macau. O número representa um aumento de dez por cento em relação ao período homólogo do ano passado, indicava ontem o canal chinês da Rádio Macau. Para a organização, esta subida poderá ter que ver com o facto de terem sido alterados os pontos de distribuição dos bens alimentares. Estão agora mais perto das habitações públicas, o que facilita o acesso dos cidadãos que precisam deste tipo de ajuda. Mok Lai San, coordenadora do serviço, falou à emissora das características das pessoas que procuram apoio para as refeições: os utentes enfrentam pressões económicas e são, por norma, pessoas com poucos recursos sociais e familiares. Muitos indivíduos não têm apenas que lidar com problemas de natureza financeira, acrescentou a responsável, sem entrar em detalhes. Mas por terem outros dilemas que necessitam de intervenção, Mok Lai San garante que a Caritas Macau está atenta e avalia a situação em que se encontram. Se forem necessários outros recursos, os casos são encaminhados para serviços perto da área da residência, sendo as pessoas em causa incentivadas a procurarem ajuda. A coordenadora do serviço de fornecimento temporário de alimentos diz também que há muitos utentes preocupados com a discriminação, que se sentem envergonhados por terem de recorrer à Caritas. Mok Lai San afiança que, para estes casos, existe uma solução: a instituição apoia igualmente quem opta por se deslocar aos serviços fora da comunidade a que pertence. Consumo | Centros de explicações sem regras por escrito [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m terço dos centros de explicações do território não disponibiliza aos utentes o regulamento de admissão. A conclusão é do Conselho de Consumidores (CC). Em Macau, existem cerca de 300 centros de explicações com alvará válido, o que, para o CC, reflecte que existe “uma procura intensa” em relação aos serviços de explicações. Mas nem todos têm o cuidado de informar por escrito os consumidores acerca dos preços praticados e das formalidades de inscrição. “O regulamento de admissão serve de prova em caso de surgir litígio de consumo, dado que define previamente os direitos e deveres das partes da transacção”, sublinha o organismo. “Tendo em conta a diferenciação nas cláusulas de reembolso e de confirmação da reserva dos serviços de explicações”, o CC aconselha os centros a reforçarem a transparência das informações sobre os serviços prestados, nomeadamente sobre o âmbito e horário, o preçário e o reembolso. Crime | Onda de burlas não pára [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Polícia Judiciária disse ontem que o número de casos de burlas telefónicas aumentou e, em 30 casos, os prejuízos foram de cinco milhões de patacas. “Recentemente houve um enorme pico no número de burlas telefónicas em Macau. Trinta casos foram registados com perdas de aproximadamente cinco milhões de patacas”, informou a PJ numa mensagem enviada aos residentes. Na mensagem, a polícia alertou que o ‘modus operandi’ dos burlões está a mudar e, além de se fazerem passar por agentes dos serviços de migração de Macau ou da China, dizem também ser da própria Judiciária. No início desta semana, a PJ tinha indicado que entre 20 de julho e o passado dia 6 tinha registado 2247 denúncias de cidadãos que se queixaram terem sido alvo de burlas. Destes, 30 transferiram o dinheiro exigido. Só entre sexta-feira e domingo foram feitas 257 denúncias, com oito casos de prejuízos que totalizaram 1,24 milhões de patacas. Apesar do elevado número de casos, a PJ só deteve ainda um suspeito, no passado dia 31.
Hoje Macau China / ÁsiaCoreia do Norte arrisca uma grave escassez de alimentos [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Coreia do Norte poderá sofrer uma grave escassez de alimentos devido à pior seca dos últimos 15 anos no país, advertiu onde a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). As culturas foram penalizadas devido à falta de chuvas, num país onde a desnutrição já é um flagelo, referiu a FAO num relatório. “A chuva que caiu entre Abril e Junho nas principais regiões agrícolas do país foi muito abaixo da média a longo prazo, o que causou graves perturbações nas atividades de plantio e danos às culturas na principal estação”, indicou o documento. Isso poderá traduzir-se em “uma forte deterioração da segurança alimentar para uma grande parte da população”, de acordo com Vincent Martin, representante da FAO para China e para a Coreia do Norte. “É necessário implementar ações agora para ajudar os agricultores afetados e para prevenir que os mais vulneráveis se voltem para estratégias de adaptação não sustentáveis, como reduzir a sua ingestão diária de alimentos”, acrescentou. “É vital que esses agricultores beneficiem agora de uma assistência agrícola adequada, incluindo ferramentas e equipamentos de irrigação”, sublinhou Martin. “Um aumento nas importações de alimentos (…) também será necessário durante os próximos três meses (…) para garantir um abastecimento alimentar adequado para os mais vulneráveis, incluindo crianças e idosos”, referiu a FAO. Desgoverno A Coreia do Norte experimentou na década de 1990 uma falta de alimentos que deixou várias centenas de milhares de mortos. Mesmo em anos sem a seca, mais de 40% da população norte-coreana sofre de subnutrição, segundo a ONU. Segundo especialistas, a escassez alimentar resulta de uma má gestão por parte do Governo norte-coreano, que consagra uma importante parte do seu orçamento aos programas balísticos e nucleares. As entregas internacionais de alimentos, nomeadamente pelos norte-americanos e sul-coreanos, diminuíram fortemente com a escalada da tensão ligada aos programas militares de Pyongyang. Um outro relatório da FAO sobre a Coreia do Norte estimou que em 2016 a produção agrícola foi penalizada pela falta de terras aráveis, pela degradação do solo devido a exploração intensiva, a falta de sementes, pesticidas e fertilizantes de qualidade. A FAO, que tem um escritório permanente no país asiático, estima que 50.000 hectares de terras agrícolas foram afetados este ano pela seca, nomeadamente as culturas de arroz, milho, batatas e soja. “A produção ligada às culturas do início da safra de 2017 caiu mais de 30% em relação ao ano anterior, passando de 450.000 para 310.000 toneladas”, advertiu ainda a FAO. Duterte diz que não visita Estados Unidos porque “não prestam” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente das Filipinas declarou que nunca irá visitar os Estados Unidos enquanto for chefe de Estado, afirmando que “já viu a América e não presta”. Rodrigo Duterte fez o mais recente ataque verbal contra os Estados Unidos quando foi instado, numa conferência de imprensa na sexta-feira, a reagir às declarações do congressista Jim McGovern. McGovern afirmou que irá liderar um protesto se o Presidente filipino aceitar um convite do Presidente norte-americano, Donald Trump, para visitar a Casa Branca. “O que o leva a pensar que eu vou à América?”, questionou Duterte. “Em nenhum momento durante a minha administração irei à América, ou depois… Eu já vi a América e não presta”, afirmou. O porta-voz de Duterte disse, em Abril, que Trump tinha convidado, durante um telefonema, o Presidente filipino a visitar Washington, o que causou protestos de ativistas dos direitos humanos, que pediram a Trunp para não receber um líder acusado de violações dos direitos humanos e de execuções extrajudiciais.
Joana Freitas Manchete SociedadeVenezuela | Fome e insegurança num país que já não é o que era Os dias passam devagar para quem está na Venezuela: a maior crise que o país já enfrentou tem levado vidas, trazido fome e parece estar longe de chegar ao fim. Venezuelanos dão o testemunho do que se passa e falam de uma história de “terror” [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]á não se vive. Sobrevive-se. A Venezuela está, neste momento, a passar por uma crise sem precedentes, que deixa milhões à fome, sem acesso a bens essenciais e a medicamentos. Bebés recém-nascidos morrem diariamente e o Governo mantém-se impávido. É por isso que, para Maritza Margarido, lá “não se vive. Sobrevive-se.” “É um país em guerra. A Venezuela atravessa agora o pior momento da história. Não há comida e quando há, não há como pagar a preços tão elevados”, começa por explicar ao HM. Não há produtos de primeira necessidade em nenhum supermercado e, quando chegam alguns, as pessoas têm que “ir para a fila”. Fila essa que se estende por quilómetros, como provam imagens que Maritza envia ao HM e que tira da varanda de sua casa. E como os média, os poucos que falam do assunto devido à falta de abertura/conhecimento da situação, relatam. Filas para comprar comida estendem-se por quilómetrosCada pessoa tem um dia específico para ir às compras. O de Maritza é a sexta-feira e começa às duas ou três da manhã. Nem pensar faltar à chamada. “As pessoas só podem adquirir esses produtos no dia que lhes foi designado e segundo o número de bilhete de identidade. A mim calhou-me a sexta-feira. Para fazer as compras é através de impressão digital e, mal a coloquemos, ficamos bloqueados não podendo fazer as compras em mais lado nenhum, nem voltar a comprar nada até que volte a ser a nossa vez. Isto é controlado pela identificação digital”, conta a portuguesa nascida na Venezuela, ao HM. A escolha de ir cedo para a fila é justificada pelo facto de os primeiros a entrar poderem ser os mais “sortudos” – se o supermercado abrir às 8h00, na hora seguinte pode já não haver bens para comprar. Quem faltar no dia que lhe foi indicado, por exemplo por estar a trabalhar, não tem outra solução que não a de esperar até à semana seguinte. E quem consegue comprar os poucos produtos que ainda vão existindo corre o risco de ser assaltado à saída do supermercado, num país onde a lei também parece já não existir. [quote_box_right]“Já não há estado civil, está destruído. A Venezuela já não é o país maravilhoso que foi dos anos 50 aos 90” – Eliana Calderón, venezuelana a morar em Macau[/quote_box_right] À mingua Um dos grandes lemas de Nicolás Maduro, presidente do país, para ‘enfrentar’ a crise é que “Deus providenciará”. Mas Deus não está a providenciar. A Venezuela tem a maior reserva de petróleo das Américas, sendo que este produto equivale a 95% das exportações do país. As receitas do ouro negro, como relembra a BBC, foram até utilizadas para financiar alguns programas sociais, possibilitando a construção de um milhão de casas para os mais pobres. Mas os preços dos barris de petróleo desceram mais de metade de um ano para o outro – 88 dólares por barril foram, agora, substituídos por 35 dólares. Consequentemente, o dinheiro já não chega aos cofres do governo que, por si, também não sabe como gerir receitas. E nunca soube. A crise actual no país é difícil de explicar. À pergunta como é que a Venezuela chegou à situação em que está, as respostas que nos são dadas são semelhantes: má gestão financeira há décadas. “O governo justifica-se com a questão do petróleo, mas acho que foi é má gestão dos governos, tanto do Chavez, como do Maduro. É o resultado da corrupção”, diz-nos Marisol Arroz da Silva, portuguesa nascida na Venezuela e radicada em Macau. Comida para uma semana para uma família de cincoO mesmo diz Eliana Calderón, venezuelana a morar em Macau, que concorda com Maritza quando esta fala em “sobrevivência” no país. Eliana vê um país a deteriorar-se ao longo dos anos, onde já quase não há humanidade, segurança pessoal ou tranquilidade. “Já não há estado civil, está destruído. A Venezuela já não é o país maravilhoso que foi dos anos 50 aos 90”, refere ao HM, relembrando que há pessoas a sobreviver “umas às custas das outras” e tudo muito graças ao chavismo e madurismo que imperam no país (ver texto secundário). Hugo Chavez, que governou a Venezuela de 1999 até 2013, criou medidas de controlo dos preços para os bens necessários em 2003, com o intuito de que os mais pobres pudessem também ter acesso a açúcar, café, leite, arroz, óleo de milho e farinha. Mas essa decisão foi vista como forma de chamar seguidores, além de ter tido repercussões ingratas: produtores queixaram-se de que essas novas regras os faziam perder dinheiro: alguns recusaram-se a providenciar produtos para os supermercados públicos, outros pararam mesmo a produção. Resultado? A importação passou a ser ainda mais necessária à Venezuela. Hoje, a inflação chega agora quase aos 200%. O bolívar venezuelano desceu 93% e as pessoas estão a comprar produtos com uma moeda que nada vale – 300 bolívares equivalem a 70 cêntimos de dólar americano. Como nos conta Maritza, “o salário mínimo é irrisório e insuficiente para o que quer que seja”. Ainda que tenha aumentado recentemente, o preço dos produtos continuam a subir, “sendo a situação igual ou pior do que antes”. Algumas famílias passam fome, porque agora “comer é um luxo”, como dá conta uma família de cinco pessoas ao New York Times. No seu frigorífico têm cinco bananas, meio pacote de farinha, meia garrafa de óleo de milho, uma manga e meio frango. “O povo tem criado um mercado informal nos bairros onde vive a que chamamos de ‘bachaqueros’, onde, depois de adquirirem os produtos no mercado normal aos preços regulamentados, as pessoas os vendem na rua até cem vezes acima do valor real”, continua a descrever Maritza. “Estou a referir-me a produtos como carne, leite, açúcar, farinha, papel higiénico ou produtos de higiene pessoal, entre outros.” A população também utiliza a troca directa, com as redes sociais a serem invadidas com “pessoas pedindo medicamentos e produtos essenciais”. Notícias do New York Times, Daily Mail e The Guardian dão conta de testemunhos que indicam que “cães abandonados têm desaparecido das ruas” e que as pessoas estão a caçar pombos para comer. O governo diz que muitos dos bens estão a ser levados para a Colômbia, o que levou a que Maduro ordenasse o encerramento parcial da fronteira com o país, em Agosto de 2015. Os bens podem não sair. Mas, assim, também não entram. E as pessoas nem sabem o que se passa. “Os meios de comunicação não dizem nada, tudo o que se passa no país sabemos pelas redes sociais. A televisão proibiu que se mostre o que se passa e o mundo inteiro sabe melhor do que nós. Sem contar que levam os nossos filhos, que se manifestam pacificamente, presos e maltratam-nos”, diz-nos Maritza. Saúde malparada “A morte de bebés é o pão nosso de cada dia.” É assim que Osleidy Canejo, médico no Hospital de Caracas, descreve a situação vivida nos estabelecimentos de saúde do país. Hugo Chavez, antecessor de Maduro, dizia muitas vezes no seu discurso que “não há água, nem luz, mas há pátria”. Mas a pátria está a precisar de electricidade. Ao New York Times, médicos explicam que as mortes de recém-nascidos acontecem logo pela manhã – só num dia há testemunhos de sete bebés que morreram por falta de electricidade que alimente os ventiladores. “Alguns são mantidos vivos à mão, com médicos a bombearam ar durante horas para os manter a respirar”, refere o jornal. Maritza diz-nos que não há medicamentos, pílulas anti-concepcionais, anti-alérgicos. Não há medicamentos para os doentes de SIDA, cancro ou para aqueles em diálise. “As pessoas ricas vão buscar a sua medicação à Colômbia. Quando entramos aqui numa farmácia as prateleiras estão vazias, para não mencionar que não existem medicamentos para crianças.” Fotogalerias dão conta de métodos de desenrasque – dois homens que foram alvo de cirurgias nas pernas têm os membros elevados com recurso a duas garrafas de água cheias que contrabalançam o peso – e de agonia. “Homem sem metade do crânio há mais de um ano ainda espera tratamento pós-cirurgia”, pode ler-se na legenda. O Canada Times fala de um depoimento de um médico que confessa que os instrumentos utilizados em operações cirúrgicas são “esterilizados” e “reutilizados até não darem mais”, porque deitá-los fora está fora de questão. Mas, para Maduro, a dúvida é só uma: “que algures no mundo, além de Cuba, o sistema de saúde seja melhor que na Venezuela”. Bombas prestes a explodir Em declarações aos média, os venezuelanos identificam-se como “bombas prestes a explodir”. Maritza Margarido fala de um país sem lei, onde “se pode matar e nada acontece”. Um estado fome, onde o que se passa “não é terrorismo”, mas quase, como refere Eliana Calderón. Raptos e mortes nas ruas são uma realidade, como nos relata relembrando uma visita que tentou fazer à sua cidade, Mérida, há um ano e meio. Uma cidade tranquila, mas, agora, isolada. “Chego ao aeroporto e temo poder ser assaltada. Podemos ser marcados por causa do carro onde vamos, podemos ter armas apontadas. Isto não é vida e não é fácil de aceitar para um sítio que era tranquilo.” Um carro incendiado na rua onde vive MaritzaTambém Maritza nos diz que “os bandidos são mais poderosos do que as armas da polícia”. Matam por um relógio ou um telefone. Sequestram pessoas e roubam carros para poder pedir resgates e, quando não os conseguem, matam ou atiram à rua os primeiros e incendeiam os segundos. Como Maritza Margarido “infelizmente” sabe bem. “O meu filho foi sequestrado com a noiva e sua família em Setembro de 2015, num sequestro que aqui se chama de “sequestro relâmpago”. Andaram durante cinco horas num carro com a cabeça enfiada no meio das pernas, foram ameaçados e espancados. Ainda me ligaram a pedir resgate mas depois acabaram por ter a sorte de ser libertados num bairro perigoso de Caracas. Vivemos isto e este receio todos os dias. Tiveram sorte em não ser mortos, o que acontece muito”, diz-nos. Um “terror”, como classifica Eliana Calderón. [quote_box_left]Coca-cola? Zero. A bebida mais famosa do mundo parou de ser produzida no país, porque não há açúcar[/quote_box_left] Um governo inactivo e os seguidores que ainda acreditam Para Eliana Calderón não há dúvidas que a mudança na Venezuela só poderá acontecer com “um novo governo” e “com ajuda militar”. A venezuelana radicada em Macau diz que esta é a única solução que vê, mas notícias sobre o que se passa no país mostram que os militares parecem também ser a solução de Nicolás Maduro. É que o presidente da Venezuela acredita que o país pode vir a ser invadido por forças exteriores, ainda que não haja evidências – ou ameaças – de que tal virá a acontecer. “Naquilo que foram descritos como os maiores exercícios militares alguma vez vistos em solo venezuelano, no fim-de-semana passado, o presidente declarou orgulhosamente que mais de 500 mil tropas das forças armadas e milícias civis leais ao Governo participaram na ‘Operação Independência 2016’”, indica uma notícia desta semana da BBC. “Nunca estivemos mais preparados do que isto”, disse Maduro, acompanhado pelo General Vladimir Padrino Lopez, Ministro da Defesa, que disse haver “aviões espiões dos EUA” a violar o espaço aéreo venezuelano por duas vezes este mês. Desde o colapso económico do país que Maduro pouco fala da crise. O responsável dedicou muito do seu tempo a elogiar os pontos fortes da Venezuela – por exemplo por esta “ser” a maior potência ao nível do petróleo, ainda que o preço do barril tenha descido a pique – e a acusar outros países de se meterem na sua política. Comida por votos Segundo a agência Associated Press, é verdade que há países a meterem-se na política da Venezuela. São eles o Brasil e a Argentina, ainda que estes se digam apenas preparados para servir de “mediadores para uma possível reconciliação”. A imprensa internacional, e alguns venezuelanos, criticam a inacção do governo de Maduro face à crise que se vive, tido como sendo o único “a não perceber a urgência” de fazer algo. A declaração de “estado de emergência” saiu da boca de Maduro, mas apenas face ao golpe que este se diz vítima: a oposição recolheu cerca de dois milhões de assinaturas, num país de 30 milhões, para que se faça um referendo para retirar o presidente do poder antes do final do seu mandato em 2019. Mas a problemática pode ir mais longe, como explica ao HM Eliana Calderón. “Nós venezuelanos é que temos destruído o nosso país, eu incluída que saí de lá, fugi”, começa por dizer, admitindo que se sente culpada mas que pensou primeiro na segurança do filho e na sua própria. “Mas o grande problema é que os venezuelanos sofreram lavagem cerebral, primeiro com o chavismo, depois com o madurismo. Uma lavagem cerebral muito grande”, diz-nos. “É verídico, é incrível como as pessoas são fracas, há cultos de seguidores [dos líderes].” Nem a morte de Chavez há três anos fez terminar essa “lavagem”. O motivo? “Quando se dá comida grátis em vez de se trabalhar, sem ser preciso lutar, os seguidores querem mais, ficam à espera”, indica Calderón. A votação em Maduro é tida como um desses casos, onde comida foi distribuída em troca de votos, ainda que tenha havido manifestações contra o seu governo. Beco com saída? Com nacionalidade portuguesa, Maritza Margarido tem a “sorte” de ter um “plano B que a maioria não tem”, que é mudar-se para Portugal. Ainda assim, mantém-se no país. Tanto Maritza, como Marisol Arroz da Silva, nascida na Venezuela mas a morar em Macau, respondem à pergunta que parece ser óbvia – porque é que quem lá vive não foge – da mesma forma. “Muitos já foram. Eu tenho uma filha de 28 anos que vive no Panamá há um ano, eu ainda estou aqui porque tenho o meu filho de 24 anos. No meu caso já conversei com ele e estamos organizar tudo para sair, mas não é possível explicar o quão difícil é deixar para trás uma vida [inteira], a sua história, a sua casa, as suas memórias, os seus hábitos”, confessa Maritza ao HM. “É uma situação complicada, a riqueza de uma vida e a família está lá”, indica-nos Marisol. (com Sofia Mota)