Andreia Sofia Silva EventosIndieLisboa | Covid-19 afasta filmes de Macau de cartaz com obras asiáticas Já é conhecido o cartaz do festival de cinema IndieLisboa, que arranca a 25 de Agosto. A pandemia da covid-19 não permitiu a concretização, este ano, da habitual parceria com o Turismo de Macau, mas mantém-se a presença de filmes asiáticos no cartaz. “Signal 8”, filmado em Hong Kong pelo realizador Simon Liu, é um dos exemplos [dropcap]O[/dropcap] IndieLisboa, como todos os eventos organizados este ano, teve de se adaptar e adiar datas para contornar os obstáculos trazidos pela pandemia. Ainda assim, o festival de cinema persiste e arranca a 25 de Agosto, em Lisboa, mas, ao contrário do que tem sido habitual nos últimos anos, o cinema de Macau não faz parte do cartaz devido aos constrangimentos causados pela pandemia. “Habitualmente, temos uma parceria com o Turismo de Macau, para ter alguns novos filmes de realizadores macaenses, mas este ano, devido à pandemia, esta parceria não foi possível concretizar-se”, contou ao HM Carlos Ramos, um dos directores de programação do festival. Apesar de não ter produções de Macau, o programa deste ano mantém a presença de filmes asiáticos, muitos deles em co-produção com países europeus. Na categoria “Silvestre” destaca-se a presença de “Signal 8” do realizador de Hong Kong Simon Liu, uma produção de 2019. O filme olha para o território como um local “à espera de uma ruptura trazida pelo crescimento constante”. Carlos Ramos descreve a curta-metragem experimental de Simon Liu como uma obra que “traça um olhar sobre a situação de Hong Kong neste momento, com todas as coisas que estão a acontecer, e com este sinal 8 [de tufão] em que para tudo”. “É um filme sem diálogo, só com imagens de 16 e 35 milímetros, em película, e som. O realizador foca-se em pormenores do dia-a-dia de Hong Kong em que praticamente não se veem pessoas, só o ambiente. É construída uma espécie de tapeçaria da cidade, em que por vezes há atrasos ou se acelera, à medida que se constrói essa tapeçaria do tráfego humano em Hong Kong”, comentou Carlos Ramos. Também na categoria “Silvestre” está o filme “A Bright Summer Diary”, do realizador chinês Lei Lei, uma co-produção China/EUA. Trata-se de uma obra de construção de memórias familiares e afectivas, conforme adiantou Carlos Ramos. “Ele [realizador] parte de uma fotografia tirada com a mãe, no final dos anos 80, e a partir daí começa a trabalhar sobre as memórias individuais e colectivas. Ele tirou a fotografia quando era criança e vai construir toda a história da sua família a partir dessa fotografia, mas também usando outras, e recorrendo à animação.” O género animação é, aliás, familiar a Lei Lei. “É um realizador que tem feito os seus filmes na China, mas que dá aulas nos EUA. Vem principalmente da animação, mas ultimamente tem começado a fazer trabalhos mais híbridos”, esclareceu Carlos Ramos. Falsificações em Shenzhen A fechar a lista de filmes asiáticos na categoria “Silvestre” destaque também para “The Works and Days (Of Tayoko Shiojiri in the Shiotani Basin)”, uma co-produção de C.W. Winter e Anders Edström entre países como os EUA, Suécia, Japão, Hong Kong, China e Reino Unido. Inspirado nos poemas gregos e latinos que elevavam artisticamente a agricultura — como são os casos de “Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo” e de “Geórgicas de Virgílio” – a obra acompanha o labor no campo de uma família japonesa, numa pequena vila perto de Quioto. “Catorze meses de rodagem convertem-se nestas nove horas que são uma magnífica ode ao trabalho, à terra, à paisagem sonora e à passagem do tempo e das estações”, lê-se no programa do festival. Carlos Ramos descreve a produção como “um filme observacional das tarefas diárias dela [de Tayoko Shiojiri], que vive perto de Quioto”. A exibição “será um dos grandes momentos do festival” IndieLisboa, denota o programador. Na categoria “Competição Internacional” o festival deste ano traz a obra “Shànzhài Screens”, uma co-produção entre a França e China do realizador francês Paul Heintz. O filme conta a história de pintores de réplicas da cidade de Shenzhen. “Temos acompanhado o trabalho deste realizador desde o primeiro filme. Ele trabalha essencialmente com a curta-metragem e este filme é todo filmado em Shenzhen. É um documentário experimental em que acompanha um conjunto de pintores de réplicas, e em que regista o seu quotidiano.” Carlos Ramos destaca o facto de, numa cidade altamente industrializada e dinâmica, a tecnologia estar sempre presente. “O engraçado é que vemos uma cidade completamente cheia de pessoas que são mediadas pela tecnologia, uma vez que, ao invés de olharem para a obra original, fazem o trabalho da réplica com a ajuda de um ecrã de telemóvel.” O festival encerra portas a 5 de Setembro e, apesar da pandemia da covid-19, acontece, como habitualmente, em várias salas de cinema da cidade de Lisboa, uma delas o Cinema São Jorge.
Andreia Sofia Silva Entrevista EventosCarlos Ramos, programador do IndieLisboa: “Macau está mais sólida” Os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China celebram-se este ano na tela graças ao festival de cinema IndieLisboa, que tem início no próximo dia 2 de Maio. Carlos Ramos destaca a contemporaneidade dos filmes escolhidos e a evolução do cinema de Macau, sem esquecer a busca pela diversidade daquilo que se vai filmando na Ásia [dropcap]O[/dropcap] que levou o Festival a homenagear os 20 anos da transição de Macau? Este é o terceiro ano consecutivo em que trabalhamos com o Turismo de Macau, devido às várias ligações que existem entre o IndieLisboa e Macau, não só ao nível de alguns programadores do festival que viveram em Macau, mas também devido a um conjunto de filmes que passamos do Ivo Ferreira ou do Guerra da Mata, por exemplo. Com essa colaboração mostramos uma nova cinematografia de Macau, algo que tem funcionado ao nível de sessões de cinema, com conjuntos de curtas e longas metragens que seleccionamos da produção anual de Macau. Já o ano passado queríamos fazer um programa que juntasse o novo filme do Ivo Ferreira, mas houve agora oportunidade de o fazer, dado o mote da transferência de soberania e dos 20 anos. O Ivo também vai estar no júri. Temos a oportunidade de mostrar o foco de alguém que viveu em Macau, e o filme fala um pouco sobre isso, dessa passagem de Macau de Portugal para a China. Por outro lado, queremos mostrar o que se está a fazer de novo em Macau. Estas sessões têm sido muito bem recebidas no Indie. Todos os filmes que vão estar em exibição foram feitos em 2018. Como chegaram a estes realizadores? Recebemos anualmente um conjunto de filmes desenvolvidos pelos vários apoios que existem em Macau para a produção cinematográfica. Um dos critérios é a diversidade do que é feito, porque o Indie é um festival generalista e isso tem eco na programação de Macau. A ideia é ir do documentário à ficção e animação. Temos algumas animações que funcionam por desenho e formato digital, mas depois temos o documentário “The Cricket Dinasty” que fala da luta de grilos que ainda se faz em Macau e na China e que é uma tradição que se tem vindo a perder. O programa complementa-se depois com duas ficções. Uma delas é bastante divertida e fala de um grupo de avós que se juntam, embora o que está por detrás disso seja sempre uma coisa universal, um capitalismo algo latente, pois estas avós não têm meios e juntam-se para assaltar um banco. Depois há outro filme que fala de jovens que trabalham em entregas e que têm de recorrer a outros meios para sobreviver. Há uma linha que mostra a nova cinematografia de Macau, mas que endereça também questões sociais globais. São filmes que mostram uma Macau contemporânea. O filme do Ivo fala-nos deste hotel Império que existia ainda no tempo português, e que depois resistiu e se mantém, e fala também um bocadinho destes fantasmas e de como os vestígios da presença portuguesa vão desaparecendo. Por outro lado, faz-se um contraponto com umas curtas que mostram Macau hoje em dia. A cinematografia de Macau está pouco desenvolvida se compararmos com o que se faz na China e em Hong Kong. Nota, ainda assim, alguma evolução? Macau já tem uma cinemateca, por exemplo. Nota-se alguma evolução. Consegue notar-se alguma evolução nestes filmes em relação aos primeiros, e acho que isso é fruto, por um lado, dos apoios que estão a existir, e por outro do trabalho da Cinemateca Paixão, com quem nós também colaboramos e que é um dos pontos de ligação do Indie com Macau. Trazemos a Lisboa os realizadores macaenses, mas depois levamos umas curtas portuguesas para Macau para mostrar um pouco a contemporaneidade do cinema português. Esse trabalho da cinemateca tem sido muito importante para desenvolver o cinema em Macau e também a forma como ele é feito. Lembro-me que, da primeira vez que vimos algumas películas para programar para o festival, havia alguma dificuldade na obtenção dos filmes e que também não havia muitos disponíveis. Este ano foi completamente diferente. Macau ainda está longe dessas cinematografias de que falou e tem algumas fragilidades, mas está mais sólida. FOTO: IndieLisboa Que realizadores são mais representativos do cinema de Macau dos dias de hoje? Ivo Ferreira e Tracy Choi são fundamentais. Mostrámos a longa da Tracy Choi na primeira edição e ela veio ao IndieLisboa. Queremos promover o contacto profissional entre os realizadores de Macau e os meios dos festivais europeus. E a Tracy é uma das pontas de lança do cinema em Macau. Na altura, os contactos que se fizeram foram muito importantes. O que é que o público pode esperar dos restantes filmes asiáticos? O festival tem sempre um maior pendor europeu mas procuramos sempre ter uma diversidade regional. Este ano destacaria alguns filmes, como por exemplo uma longa-metragem na secção de competição internacional que estreou na Holanda este ano, intitulada “Present Perfect”, e que é um documentário muito contemporâneo que retrata seis ou sete pessoas que vivem nas suas casas e nos seus quartos e transmitem toda a sua vida pela Internet. É uma reflexão sobre os dias de hoje, mas também sobre a solidão que a tecnologia pode trazer à vida das pessoas. Destacaria também três curtas metragens. Uma delas é uma animação delirante, com personagens que andam num autocarro e galinhas que gostariam de ir para o exército. É uma coisa muito surreal. Temos um filme do Camboja que tem uma ligação com os filmes de Macau, porque também fala de uma transição e de uma região que existia e que deixa de existir para se tornar num campo de golfe. O filme vive no presente, passado e futuro. A curta-metragem “A Fly in the Restaurant” é também um conto de animação, mas o mais interessante neste filme é mesmo a parte formal, porque funciona como se fosse uma câmara que roda à volta de si própria e as histórias vão acontecendo de forma circular. Como descreve o cinema do sudeste asiático, por comparação com o cinema chinês? Este já é mais conhecido na Europa, o que se faz no sudeste asiático começa a despertar mais interesse? Sempre despertou interesse. A questão é que num festival como o Indie vamos sempre à procura de novas cinematografias em todo o mundo. A China, também por causa da sua dimensão e por estar mais cimentada no cinema internacional, tem uma maior oferta. Mas não olhamos para a China como algo diferente do sudeste asiático, vamos é à procura de novas vozes e gerações de realizadores. No cartaz Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local. O IndieLisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com as curtas-metragens chinesas “A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, será também exibida. O IndieLisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.