Exame de mandarim II

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o meu artigo, publicado a 30 de Janeiro, analisei a situação dos estudantes da Universidade Baptista de Hong Kong que, devido à alta taxa de insucesso no exame de mandarim (70% de reprovações) ocuparam parte das instalações da Universidade. Este exame é condição necessária para a obtenção do grau de Bacharel, os estudantes têm de comprovar os seus conhecimentos de mandarim.

A prova foi implementada há cerca de 10 anos atrás. Numa votação realizada em Abril de 2016, 90% dos estudantes manifestaram-se contra a realização deste exame como etapa necessária à graduação. Desde essa altura, a Universidade entrou em negociações com os estudantes e, finalmente, em Novembro de 2017 a prova regressou. Durante as várias reuniões que tiveram lugar antes da reactivação do exame, a Universidade garantiu que iria ser uma prova simples, os estudantes precisavam apenas de demonstrar que possuíam as competências para comunicarem em mandarim. Era esperada uma taxa de 90% de sucesso no exame. No entanto, verificou-se o contrário e só passaram 30% dos alunos. A causa do fracasso dos estudantes terá sido a seguinte:

“Você fala mandarim fluentemente, mas o tom não corresponde ao que era pedido na pergunta, por isso não pode passar”.

Este tipo de razões causou um grande descontentamento nos estudantes e deu origem à ocupação das instalações. O género de linguagem com que o presidente da Associação de Estudantes, Lau Tsz-kei, se dirigiu aos professores provocou muitas críticas, porque revelava falta de respeito pelos docentes. Foram também acusados de ter posto em risco a segurança dos funcionários. A Universidade reagiu de imediato e Lau Tsz-kei, Andrew Chan Lok-hang e outros colegas foram suspensos a 24 de Janeiro último. No dia 30, todos eles apresentaram formalmente desculpa aos professores do Centro de Línguas. A 1 de Fevereiro, na sequência do pedido de desculpas, a Universidade anulou a ordem de suspensão dos estudantes. No entanto, dois destes alunos foram sujeitos a um processo disciplinar, que terá lugar no próximo dia 15.

Este incidente deu origem a grandes controvérsias. Em primeiro lugar, poucos dias após a ocupação do Centro de Línguas, apareceu escrito nas paredes “Mandarim, Não”. Os estudantes manifestaram-se para dar a conhecer os motivos do seu descontentamento. Os professores sentiam-se numa posição desconfortável. Mais de 100 docentes escreveram uma carta ao Reitor a testemunhar incómodo devido ao comportamento dos estudantes. Os que estiveram presentes no Centro de Línguas durante a ocupação, afirmaram que a sua segurança esteve em risco. Cheng Chung Tai, membro do Conselho Legislativo, escreveu à Comissão para a Igualdade de Oportunidades no dia 17 de Janeiro, salientando que as políticas adoptadas no exame de graduação poderiam estar em colisão com a lei contra a discriminação, porque os estudantes de Hong Kong são obrigados a estudar mandarim e os estudantes do continente não são obrigados a estudar cantonês. Além disso, os estudantes estrangeiros tanto podem aprender mandarim como cantonês.

A partir destes exemplos, podemos verificar que os estudantes lutaram para defender os seus interesses. Também lhes tinha sido dada uma expectativa de 90% de resultados positivos. Como esta percentagem baixou dramaticamente para os 30%, sentiram-se defraudados pela Universidade. A revolta e a frustração estiveram na origem da ocupação do Centro de Línguas. Mas os comportamentos excessivos provocaram criticas por parte da sociedade.

Será o mandarim uma língua difícil de aprender? A resposta será “provavelmente, não”, sobretudo, para os estudantes de Hong Kong. Eles já a escrevem, da mesma forma que os estudantes do continente. A questão aqui é saber pronunciá-la. Não parece ser muito difícil. A revolta destes jovens deve ter sido provocada pelo grande número de reprovações.

Antes de se fazer o exame, ninguém pode saber ao certo qual vai ser a taxa de sucesso. Apesar disso a Universidade apontou para uma taxa de 90% de êxito. Mas era só uma previsão. Com apenas 30% dos alunos a passarem o exame, é necessário analisar as razões deste fracasso e decidir o que fazer a seguir. O descontentamento dos estudantes é compreensível, mas não justifica a ocupação das instalações. A ocupação perturbou a actividade do Centro e afectou outros estudantes que não estavam envolvidos nesta prova, o que não deixou de ser injusto.

Em segundo lugar, estaremos perante um logro? Será que a Universidade quebrou uma promessa? Ou será que os estudantes falam mal mandarim? Até ao momento não existem respostas a estas perguntas. O melhor a fazer é procurar um entendimento entre a Universidade e os alunos. Os alunos terão de encontrar respostas a estas interrogações e decidir as medidas a tomar. Mesmo que os estudantes percebam que houve algum logro, devem tentar compreender os motivos e procurar um entendimento com a Universidade. Todos os problemas que ocorreram ficaram a dever-se à falta de comunicação e de negociação.

E porque é que os estudantes não negociaram com a Universidade? Talvez porque hoje em dia os jovens são demasiados auto-centrados. A baixa taxa de natalidade em Hong Kong leva as escolas a tratarem os estudantes com mil cuidados. Desde a escola primária, passando pela secundária e, finalmente, pela Universidade, os estudantes são sempre um trunfo. Usam-nos para receber benefícios. Se alguma coisa lhes desagradar, convencem-se que estão a ser maltratados. É natural que existam comportamentos menos razoáveis quando as pessoas acreditam que estão a ser maltratadas.

Mas este caso já assumiu contornos políticos. A carta que Cheng Chung Tai dirigiu à Comissão para a Igualdade de Oportunidades, apontando para uma possível infracção à lei contra a discriminação, pode causar problemas. Uma questão que poderia ter sido resolvida internamente está a complicar-se. Esta queixa não é bem-vinda.

O Ano Novo Chinês está a chegar. Desejo a todos os meus leitores o melhor para este Ano do Cão. Feliz Ano Novo.

13 Fev 2018

Exame de mandarim

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s estudantes Lau Tsz-kei e Andrew Chan Lok-hang foram suspensos na sequência do envolvimento nos protestos contra a obrigação do exame de mandarim. Os incidentes ocorreram no campus da Baptist University, Hong Kong. Inicialmente estiveram envolvidos 30 alunos nos protestos. Os estudantes começaram por abordar os funcionários do Centro de Línguas da Universidade. Um vídeo clip mostra Lau a falar de forma rude e incorrecta.

Este exame é obrigatório há muito tempo e é condição necessária à formatura. No entanto, alguns alunos alegam que o exame é bastante difícil e requerem a sua isenção, se puderem provar que o seu domínio do mandarim é suficientemente bom.

Lau e Andrew eram dirigentes activos de um grupo de apoio à língua cantonesa na Universidade. Lau afirma que nem ele, nem nenhum dos seus colegas, ameaçou qualquer funcionário, no entanto admite que os manifestantes estavam um pouco “acalorados”. “Só queríamos dialogar e colocar dúvidas. Não penso que isto fosse uma ameaça à segurança destas pessoas. Na realidade, eles podiam entrar e sair à vontade do gabinete. Por acaso até os ajudamos a recolher algumas cartas … não houve qualquer contacto físico.”

Mas Roland Chin Tai-hong, Presidente da Universidade, não partilha desta opinião e acredita que os comportamentos dos estudantes puseram em causa a segurança dos funcionários. A suspensão temporária, independente da conclusão do processo disciplinar, foi necessária. “Investigações preliminares determinaram que, nesse dia, a conduta dos estudantes fez com que os professores se sentissem ameaçados e insultados. Este comportamento vai contra o código de conduta do aluno. Todos os estudantes, funcionários e professores se sentiram insultados com este incidente.”

Roland Chin, adiantou que, a partir deste pressuposto, o director dos assuntos estudantis, Gordon Tang Yu-nam, recomendou de imediato a suspensão dos dois alunos. “Ficam impedidos de assistir a aulas e comparecer a exames, mas podem entrar no campus.”

Os estudantes reagiram mal e apelidaram o Presidente da Universidade de “insensível”. Lau declarou: “Estou chocado. Normalmente estas decisões são tomadas depois da conclusão da investigação.”

No seguimento da divulgação deste caso na imprensa, Andrew recebeu mais de 100 mensagens com ameaças de espancamento e morte no Facebook. Acabou por decidir suspender o seu internato de um ano no Hospital de Medicina Chinesa da Província de Guangdong e regressar a Hong Kong, porque o Hospital estava a receber telefonemas com ameaças.

O outro estudante suspenso, Andrew, afirmou: “Continuo a receber inúmeras mensagens com insultos e ameaças e o Presidente não toma quaisquer medidas, só pensa em castigar-nos e não faz nada quanto à nossa segurança.”

Mas o Presidente da Universidade diz que isso não é verdade e que está preocupado com a situação. Afirma que pediu à Escola de Medicina Chinesa que enviasse um professor para acompanhar Andrew no seu regresso a Hong Kong.

Tanto quanto se pode perceber, a maior parte das pessoas condena o comportamento destes estudantes. Só porque não conseguem passar no exame de mandarim, alguns alunos criaram um movimento contra esta prova. Daqui resultaram comportamentos abusivos e, aparentemente, funcionários e professores foram insultados. Os estudantes negam estas alegações e afirmam que ninguém sofreu danos físicos e que é não é aceitável castigar antes da conclusão da investigação.

Mas a que é que se devem estes comportamentos dos estudantes?

Nos anos 90, o Governador de Hong Kong David Wilson alargou o leque de Universidades para combater a saída de estudantes para o estrangeiro. Desde essa altura, existem cada vez mais Universidades de Hong Kong, o que aumenta significativamente a competição entre elas. Os alunos são tratados mais como “clientes” do que como “estudantes”. Diria mesmo que são tratados como “VIPs”. Estão ao dispor serviços de “excelência”, nomeadamente passar o maior número de alunos possível. Um grau elevado de reprovações não é um bom cartão de visita para a Universidade, pode conduzir a um decréscimo de inscrições. Os estudantes apercebem-se desta “condição” e, portanto, esforçam-se pouco. Deixaram de estar concentrados no estudo.

Para além disto, por causa dos preços elevadíssimos da habitação, hoje em dia em Hong Kong a maioria dos casais tem apenas um filho. Os pais concentram todo o seu afecto nessa criança. Quando cresce, pode ser levada a acreditar que é merecedora de toda a atenção deste mundo. Acrescenta ainda uma certa tendência, inclusivamente veiculada através do Conselho Legislativo de Hong Kong, que pode criar nos jovens a ilusão de que têm direito a tudo. Neste enquadramento social, não é de estranhar que os estudantes se sintam à vontade para gritar, protestar e dizer os disparates que quiserem. É também por isto que acham que, se ninguém sair ferido, não fizeram nada de mal.

Tratar os estudantes como VIPs pode dar origem a grandes problemas.

30 Jan 2018