João Romão Confeitaria VozesEuropa periférica São os países menos desenvolvidos da Ásia que vão registar neste e no próximo as maiores taxas de crescimento económico do continente, estima um relatório recentemente publicado pelo Banco Asiático para o Desenvolvimento. O documento revê com manifesto pessimismo as anteriores previsões para o desempenho da economia chinesa, ainda severamente afectada pelo impacto das restrições relacionadas com a pandemia de covid-19. De qualquer maneira, a China deverá ter um crescimento do PIB próximo dos 3,5 por cento este ano – nada mal, para tempo de crise – ainda assim acima dos menos de 3 por cento que se projectam para o crescimento económico médio na União Europeia. Diga-se, no entanto, que a incerteza quanto à evolução da economia dos países da Europa justifica inabituais cautelas: são tempos de guerra no Velho Continente e avizinha-se longo e frio Inverno, com escassez energética, preços despropositadamente altos, processos de recomposição acelerada das transações comerciais globais de combustíveis vários, numa inevitável transição pouco preparada dos fornecimentos de energia com origem em território russo para outras origens mais distantes, com as grandes empresas do lado ocidental do Atlântico a marcar nova posição dominante – e com os inerentes lucros monopolistas de empresas dos Estados Unidos em território europeu. Estão naturalmente por fazer as contas a estas pouco subtis transformações geo-económicas mas parece certo que a Europa continua a perder boa parte da sua centralidade na economia e política globais: não só tem tido fraca autonomia face à liderança dos Estados Unidos em relação aos posicionamentos políticos e militares relacionados com a guerra na Ucrânia, como parece remetida a um papel cada vez mais periférico e dependente (dos EUA) nos mercados globais de distribuição energética. Não será difícil prever que este longo Inverno com inusitadas taxas de inflação também se manifeste numa degradação generalizada da posição cada vez menos dominante das economias europeias no contexto planetário. É por isso que a notícia de que o crescimento económico no sudoeste asiático superou o chinês é menos problemática para a China do que para a Europa: na realidade, esta quebra ocorre no contexto de um contínuo e intenso processo de crescimento que tem caracterizado a economia da China nas últimas décadas e pouco afectará os benefícios que a sociedade chinesa foi acumulando ao longo do século 21: na realidade, não só a China mantém o seu papel cada vez mais central e preponderante na economia mundial, como vê este ano países vizinhos como a Índia, o Paquistão, as Filipinas, a Indonésia, a Malásia ou o Vietname a assumir maior relevo nas dinâmicas económicas globais. Não são certamente más notícias para a China. Esta tendência vai marcando gradual mas inexoravelmente uma transição para novos desequilíbrios no desempenho das economias mundiais, em que a Ásia vai assumindo cada vez maior centralidade e onde a Europa se vai posicionando cada vez mais como um espectador interessado mas pouco consequente no seu posicionamento na economia global deste nefasto capitalismo contemporâneo: nem se apresenta como uma alternativa ecologicamente viável, socialmente justa ou politicamente pacifista, nem se posiciona como uma economia competitiva, capaz de aproveitar as oportunidades da super-liberalização vigente nos mercados mundiais. Está hoje sob ameaça permanente o que sobra na Europa dos Estados Providência que a social-democracia foi construindo ao longo do século 20, sobretudo no centro e no norte do continente: economias dinâmicas, prósperas, com políticas sociais activas que promoveram educação, saúde, habitação ou mobilidade para quase toda a gente, num contexto de paz generalizada. Não faltaram os recursos para as infra-estruturas, nem para os serviços necessários para promover a eficiência dos sistemas económicos ou a equidade das condições sociais – incluindo o acolhimento sistemático de pessoas refugiadas que se foi fazendo até quase final do século 20. Hoje começa a faltar quase tudo: as cartilhas neo-liberais impõem exíguos orçamentos públicos que comprometem as políticas sociais, enquanto a economia especulativa dos mercados globais vai mobilizando recursos financeiros cada vez menos orientados para o investimento produtivo. É uma economia onde muito se fala de inovação mas em que na realidade pouco se inova na capacidade de criar e distribuir riqueza. O modelo social europeu é cada vez menos exemplar e as pessoas que ficam para trás – ou à margem dos processos de desenvolvimento – são cada vez mais, num processo relativamente acelerado de concentração de rendimentos e poder. O dinamismo e o crescimento movem-se noutras paragens – neste caso na Ásia. Sobram, entretanto, os dejectos desta prolongada crise no continente europeu: os movimentos de inspiração abertamente fascista que vão ganhando protagonismo e até governos, outra vez.