António Conceição Júnior VozesEspecial 24 Junho | O nome do santo nome [dropcap style≠’circle’] T[/dropcap]odas as coisas querem nome, de todas uma inominável, apenas duas se não explicam. Deus e o da Cidade do seu nome santo. Cidade nomeada, explicada em étimos de ilusão erudita, venha a deusa A-Ma e com Deus converse, os dois sorrindo da verdade dos homens, quantificadas em métricas de razão equívoca, história prolongada dos tempos da Babel, fabulosa origem dos desencontros. Esteve a verdade sempre tão à tona, mas não a direi, porque o pouco que sei aprendi, e cada um que aprenda, aprende-se não se ensina, encontre-se na perdição das fábulas da vida e distinga-se delas o joio do trigo. Coma o homem pão de joio antes de provar o trigo, saiba encontrar a ordem natural das coisas, todo o caos é ordem e o inverso também, equívocos não. Pela memória das ruas antigas povoadas de deuses mascarados de homens anónimos, quanto mais humildes mais deuses, salpicam o caminho altares tão humildes que mais valera serem baixares, tão próxima é a natureza dos manes ocultos pelo fumegar do incenso, deuses olhando deuses, fantasmas cheirando a poéticas de nostalgias diferentes, sons inaudíveis musicando o compasso do tempo dos pregões. De que terra és tu que não falas à minha, o meu pregão é outro, não compro nem tãopouco vendo, apenas olho entre o belo e o horrendo, e assisto da janela dos nomes à procissão do tempo deslizando pela cidade, dois préstitos e um caminho, todos passando, obra de deuses para quem todos os becos são saídas de onde remanesce a fragrância indescritível de odores que dão à alma o que o corpo precisa, não há nariz ou palavra que descreva, apenas se suspeita ou adivinha. Também António de Lisboa, Pádua e Macau é nome de santo, em tempos de desespero lembrado e lá vai mais um ai meu Deus e, quando passa, lá ficaram Deus e o santo para os outros que a vida continua e o resto pode esperar. Transforma-se a cidade na cadência do minuto, mas não o dia hoje como ontem igual, apenas nós diferentes, uns para igual outros crescendo, cada um em si mandando, alguns obedecendo, futuro não é do que se constrói, antes daquele que dispõe o que o homem põe, seja ovo seja calhau, diga-se assim e já não é mau. Tem a escrita a cidade que suscita, lugar ritmado de cidadania, utopia que não é mania, apenas matéria concreta do amanhã. Mas quem saberá senão nós, que esta história antiga de que não falo, é fio retalhado, nodulado, amarrado, sugado e consentido, abandonado e pressentido, dorido e ressentido, a factura está pronta, alguém terá de ficar, ficam os homens, e os últimos que paguem a conta. Não vai ninguém abaixo, homens são como árvores, morrem de pé à maneira de Goya, perdoe- -se aos crucificadores que cravos não ferem alma que não tem corpo, apenas corpo tem alma, e firam mais que por cada cravo cravado dez se irão cravar, assim diz Alá e não sei se existe, heterónimo dos deuses todos, um só da eternidade vindo, cada um crê no que quer. Incrédulo é o que vê sem se chamar Tomé a história que corre. Quisesse o homem ser fraterno e encontraria o irmão, que mando e poder são inverdades patenteadas, ontem disse, hoje não disse ontem. Mais fácil é julgar que amar, que julguem e odeiem, dói o ódio a quem odeia, perdido entre ser anás ou caifás, venha o diabo e escolha. Não te distraio que estás distraído, como se fosses o centro de um quadrado. Quadrado é raíz de cidade, módulo de passados antepassados, cidade velha, cidade nova, mas que é isto de arqueologia, a tua voz é de cá? Apenas existo vivendo, fingindo que escrevo escrevendo, escrevo assim e depois? Não me sabes ler assim ou queres que seja outro? Sou eu apenas, mero grão de arrozal, não enche o papo a galinha assim, cada grão outro e não felizmente igual, como cidadãos em dias de festa. Festas de faço minha cidade, pena que sejam festas contadas, contas breves de dias, fossem festa os anos e não dias, e talvez um querubim viesse e mudasse o tempo, e desse aos homens a suprema esperança do desafectado afecto, e estes à natureza se dessem, e transformasse por ordem do Supremo, que de onde está em lugar que não é, em tudo e todos mandando segundo a lei de Moisés, Buda e Pessoa, sabendo construír os dias em noites de vigília, porque já tudo está escrito muito antes de ser dito e nada se apaga , analfabetos somos da eternidade, desencontrados na festa, perdidos da fraternidade, mando de Deus e da sua natureza. Fraternidade, afectos apressadamente suprimidos em lugar interior, trocados pelo fácies social, pacto, tacto, olfacto, contacto, não me toques nem aqui nem ali, nem hoje nem ontem, amanhã não estou. Sou contrato de trato maltrato e… como está, contente-se e é muito. Não sabe o homem que hoje é já seu passado e outro dia se passará, rosário finito de diversas finitudes. Olhe-se o compósito propósito de restar o que resta. Só eu sei o que presta, hã? que dizes ó ponto, fala alto! um momento. Não ouço, estão-me a ouvir, repete depressa, onde foste ponto? ah que te pesponto! Máscaras e biombos, teatros de vidas consabidas na monotonia de uma pobre nota que não é sol, quando muito ré fingindo de lá para aqui. De novo se foram o santo, o dia e a festa, e uma solidão tremenda paira sobre os homens, esvaziados de cheios de nada, clepsidra quase vazia, fumegando memórias e aromas de ópio e de fantasmas de homens e mulheres daqui contemplando tudo na sua translucência sem tempo, equador às voltas no eixo, as horas a dar e a cobrar. Dobra-se também o fazedor de dobragens que sempre há montanha maior, e todas as verdades já eram mentiras antes de serem novas verdades. Olhe-se para dentro, onde reside o divino espezinhado, enclausurado e amordaçado, e invoquemos o santo nome do nome, e, se tempo tiver que tem, mesmo de longe e de toda a parte, perdoar e abençoar os nossos atalhos de barro, e com a vontade de um pensamento, transformar de novo o barro em homem.