Arte | Eric Fok, um dos artistas da nova geração, mudou-se para Portugal

Vendas Novas, pequena cidade no Alentejo, é agora a casa de Eric Fok, um dos mais reputados artistas da nova geração em Macau. Diz ter deixado “de saber sorrir” na sua terra, Macau, e continua a explorar a sua veia artística em mapas trabalhados que contam histórias de uma terra multicultural

 

Mudou-se para Portugal de olhos postos em lugares distantes e numa altura em que em Macau “se deixou de saber sorrir”. Nos mapas que reinventa, Eric Fok também conta histórias tristes, “para que mais pessoas se preocupem”.

Eric Fok até admite ter um fraquinho pelo norte português, mas Vendas Novas, no Alentejo, ficou em primeiro lugar entre as áreas permitidas pela política portuguesa do visto ‘gold’. Aí, comprou uma moradia e mudou-se com a mulher em Junho deste ano.

A Lusa encontra-se com o artista num regresso a Macau. Do estúdio improvisado onde trabalha por estes dias, no centro da cidade, Fok aponta na direcção da varanda: logo ali, a poucos metros, está um outro edifício, com as tradicionais gaiolas metálicas fixas nas janelas, a esconder estendais de roupa e a bloquear a luz de fim de tarde.

Não foi só a ideia de ter mais espaço e uma vida sossegada, com manhãs passadas no jardim e uma chávena de café na mão, que levou o artista a trocar Macau – com cerca de 33 quilómetros quadrados de área e uma das cidades com maior densidade populacional do mundo – por Vendas Novas, uma cidade de pequena dimensão na região alentejana, a cerca de 1h30 de Lisboa.

Aos 34 anos, quando Eric Fok quis partir, Portugal fazia todo o sentido, por razões históricas e de trabalho, pelo “sentimento de proximidade”. E outros países europeus não conhecem esta pequena região do sul da China, assume.

“Espero também que os meus trabalhos cheguem a outros lugares, como a Europa, sejam conhecidos por mais pessoas e se aproximem do âmbito da minha criação”, diz.

Fok, formado em Artes Visuais pelo então Instituto Politécnico de Macau (hoje Universidade Politécnica de Macau) e com mestrado em Belas Artes concluído na Universidade Nacional de Taiwan, é uma espécie de artista-cartógrafo.

Foi ainda enquanto percorria os corredores do ensino superior, e já na era dos telemóveis inteligentes e das imagens de satélite, que o artista começou a reinterpretar a antiquíssima arte de traçar mapas.

Neles, alia tempos diferentes, coloca caravelas e navios de cruzeiro a navegar as mesmas águas e fá-lo num trabalho de extremo detalhe, com caneta técnica preta e uma tela sépia, cor que se aproxima da de antigos documentos e que obtém ao juntar tinta acrílica e chá.

Mudanças na transição

O início da carreira de Fok apanhou Macau entre “mudanças velozes”, após a transição do território para a China e a liberalização do sector do jogo, que contribuíram para o rápido crescimento da economia local.

Fok pegou nessa nova cidade e explorou-a. Num dos quadros, pintado há cerca de dez anos, abordou a construção da primeira linha de metro do território, “com constantes atrasos e derrapagens”. Passou para o papel “as fundações do metro, como se de antigas ruínas greco-romanas se tratassem”.

Depois, este ávido consumidor de História quis saber de outros mundos. Seguiu-se a “era das descobertas geográficas, incluindo a globalização, bem como o colonialismo, e nos tempos modernos, os efeitos da Guerra Fria, as ondas de imigração”, recorda.

“O meu estudo centrou-se no início numa pequena cidade, depois estendeu-se lentamente a outras cidades, às relações sociais e internacionais”, nota o artista, que também diversificou os materiais de trabalho, usando, entre outros, madeiras, mobílias antigas e azulejos portugueses.

Mais recentemente, traçou guerras no mapa, motivado pelos conflitos actuais e imagens de crianças deslocadas. “As histórias de pessoas mais vulneráveis, as histórias tristes são necessárias, para que mais pessoas se preocupem”, defende.

No entanto, diz que, recentemente, tem sentido por parte do público de Macau falta de entusiasmo pelo trabalho que faz, onde “parece não haver espaço para discussão”.

“Deixou de se saber sorrir (…) E porque é que não gosto de falar muito [sobre os temas que desenvolvo]? Porque a sociedade não quer saber a verdade, não quer tocar na verdade”, constata, reflectindo também que, após um início de carreira com muito trabalho, está a passar por uma fase “com menos inspiração em termos de criação”. Questionado sobre se o ambiente político está a influenciar o trabalho que desenvolve, Eric Fok diz que “o impacto é enorme”.

Eric Fok conta com perto de 20 exposições individuais, várias dezenas de participações em mostras colectivas, além de ter assinado obras em diversas colecções, em Macau, incluindo em dois hotéis-casinos, Hong Kong e Portugal (Museu do Oriente), e em colecções privadas um pouco por todo o mundo.

Uma das últimas exposições com trabalhos do artista pode ser vista em Lisboa na UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa. Chama-se “Ensemble” e conta também com trabalhos de James Chu e Kit Lee.

28 Out 2024

Artistas locais levam a “verdade sobre Macau” a Milão

A Casa degli Artisti em Milão recebe a partir de amanhã uma exposição colectiva de criadores de Macau intitulada “Truly False – Exploring Factualness from Macao”. Com a curadoria de Livia Dubon, os artistas locais Eric Fok, Ieong Man Pan, Leong Chon, Wong Ka Long e Wong Weng Io exibem na capital da Lombardia a verdade artística das terras da Deusa do Mar

 

Que valor e significado têm os conceitos de “realidade” e “verdade” nos conturbados dias que correm? Como podem artistas oriundos de um enclave quase mitológico e contraditório como Macau responder a estas questões através da sua visão?

Estes são alguns dos mistérios no cerne da exposição colectiva de artistas locais “Truly False – Exploring Factualness from Macao”, ou “Verdadeiramente Falso – Explorando a factualidade de Macau, que estará patente na Casa degli Artisti em Milão a partir de amanhã, até 12 de Dezembro. A mostra, com curadoria de Livia Dubon, reúne obras de Eric Fok, Ieong Man Pan, Leong Chon, Wong Ka Long e Wong Weng Io.

A relação nebulosa entre realidade e ficção traça a indefinida fronteira que dá mote à exposição. “A pandemia e as notícias falsas que se seguiram dominaram-nos, confundiram-nos e, em alguns casos, abalaram as relações com outros e a confiança nos nossos governos e valores culturais. Como é que este sentimento de incerteza se repercute num lugar “híbrido” como Macau?”, contextualiza a apresentação da mostra.

“Entre as visões eurocêntricas e a integração na China, Macau representa hoje em dia uma posição de fantasia entre reflexões pós-coloniais e a inovação tecnológica, entre ideais de colectivismo e individualismo, entre as políticas de preservação patrimonial e o diálogo com o Interior da China.” Partindo desta colecção de dicotomias, a curadora apresenta ao público italiano os trabalhos de cinco artistas de Macau.

 

 

Camadas intangíveis

As obras de Eric Fok da série “Paradise” reflectem esta multiplicidade existencial, servida em camadas sobrepostas, com representações cruzadas de horizontes ultramodernos rasgados por arranha-céus, em cima de paisagens ancestrais e edifícios com arquitectura alfacinha.

A curadora descreve o universo visual de Eric Fok como “mundos especulativos e fantásticos que distorcem as linhas entre ficcional e real, figuras renascentistas e personagens fictícios, tornando Oriente e Ocidente, passado e presente, em realidades inseparáveis”.

A estética de contraste é uma linha comum a muitos artistas que, com base na imagem de Macau, esboçaram um local imaginário que capta “desejos de fuga”.

Também o fotógrafo Ieong Man Pan navega por esses mares conceptualmente indefinidos, na série “72 dpi Landscape”.

Escapando da natureza reflexiva que costuma caracterizar a fotografia convencional, Ieong joga com imagens que, à primeira vista, parecem reproduções de paisagens naturais, mas que afinal são fotografias de plantas num cenário pobre em pixels de baixa resolução (72 dpi). Onde estará a factualidade, a verdadeira natureza num cenário falso?

Numa acepção de três dimensões, a instalação “Gate” de Wong Ka Long materializa uma fronteira. Panos vermelhos e brancos, com crus caracteres negros esmurram o espectador com frases como “doenças entram pela boca e adversidades saem pela boca”. Controlo e comportamento são dois pratos da balança artística que constitui “Gate”.

 

 

Paraíso virtual

A Casa do Artista de Milão irá receber ainda trabalhos da jovem artista Wong Weng Io da série “Confusion of Confusions”. Estas obras exploram a relação sensível entre aparelhos digitais, fluxo informativo e a origem dos mitos. A busca identitária é um dos propósitos da expressão artística de Wong. Em “Genesis” a artista junta 600 ecrãs num mosaico que forma um espelho negro, procurando encontrar o ponto entre o mundo perfeito e o paraíso virtual.

Na óptica da curadora, “o ecrã é o caos prévio à criação e o espaço que separa os planos terrestre e celestial”, onde as telas animadas se intrometem no corpo humano, anexando máquina e biologia e multiplicando uma série de gestos e comportamentos nunca antes vistos na espécie humana. Wong Weng Io pergunta onde estará a verdadeira essência humana, num mundo de repetidas acções e de explosões de estímulos artificiais.

Além das obras que compõem “Truly False – Exploring Factualness from Macao”, a Casa degli Artisti irá organizar duas palestras, que podem ser acompanhadas online, no dia 24 de Novembro, às 18h locais, e a 2 de Dezembro à mesma hora.

A primeira é sobre as descrições poéticas de Macau, “entre a realidade e a imaginação”, conduzida por Michela Graziani, professora de literatura portuguesa da Universidade de Florença. A segunda palestra será uma reflexão identitária sobre o conceito de se ser “chinês” e “italiano” e da busca por autenticidade cultural. Valentina Pedone, professora de Estudos Chineses da Universidade de Florença, é a oradora do evento.

16 Nov 2021