David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireito ao sossego [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o passado dia 11, o website “money.cnn.com” publicou um artigo sobre a proposta de um novo direito a implementar em França. Designado por “direito a desligar”, assegura que os funcionários não serão obrigados a responder a emails de serviço, durante os períodos de descanso. Se a proposta for aprovada entrará em vigor em Julho de 2017. A norma prevê que uma empresa com mais de 50 funcionários não poderá enviar emails ao pessoal fora do horário de serviço. Aos empregados é assegurado o direito a não responder. O intuito desta norma é reforçar a ideia das 35 horas de trabalho semanais que se quer levar à prática. Os franceses acham que os patrões mantêm os empregados a trabalhar para lá do horário normal através do mail. A pressão continua fora das horas de serviço. Os emails funcionam como um laço que prende os trabalhadores às preocupações laborais e invadem as suas vidas privadas. A casa deixa de se distinguir do escritório. Um dos pontos interessantes deste direito é não implicar qualquer sanção. Funciona mais como um incentivo e o governo espera que o empregador implemente a regra voluntariamente, não estando prevista qualquer penalização em caso de infracção. O “direito a desligar” confere obviamente protecção aos empregados. Mas, digamos, existem alguns princípios fundamentais que sustentam este direito. Os franceses acreditam em dois conceitos de tempo, “Chronos” e “Keiros”. Consultemos as respectivas definições na “Wikipedia”, “Chronos é a personificação do tempo na filosofia pré-socrática, sendo mencionado em obras literárias posteriores.” Keiros é outro deus grego. Representa a ocorrência de um acontecimento especial num determinado período de tempo. O “tempo K” é o tempo de produção, o tempo criativo. Por isso, quanto mais prolongado for o tempo de trabalho menor será o “tempo K”, e a capacidade de produção e criação diminuirá. Este direito permite a liberdade depois do horário laboral e garante que as pessoas deixem de ser incomodadas pelos emails dos patrões. Reforça também a ideia das 35 horas de trabalho semanal, que se quer ver respeitada em França. Mas será esta história é assim tão simples? O “direito a desligar” traz consigo algumas implicações. Em primeiro lugar, se a empresa for francesa e não precisar de estabelecer comunicações para outros fusos horários, não haverá consequências de maior para ninguém. Mas se a empresa for estrangeira e, ou, tiver de lidar com clientes que se encontrem noutros fusos horários, pode causar várias perturbações. A empresa terá nesse caso de indigitar os responsáveis pelas relações internacionais, sobretudo nos casos que impliquem diferença de horários. O trabalho por turnos, com horários nocturnos, poderá ser uma solução para o problema. Mas implicará certamente um aumento das despesas empresariais, na medida em que estes horários rotativos implicam um pagamento extra. Em segundo lugar, nos tempos que correm, os emails fazem parte das comunicações electrónicas. O Whatsapp, o Wechat, o Facebook e etc. são todos ferramentas de comunicação electrónica. E se a lei que regulamenta a recepção dos emails não se estender a outras plataformas de comunicação? Por exemplo, se um empregador enviar uma mensagem a um funcionário via Whatsapp, após o horário laboral, para o avisar que na manhã seguinte tem de efectuar determinada tarefa. O empregado só vai ter de se ocupar desse serviço posteriormente, dentro do seu horário de trabalho e não tem de responder à mensagem logo a seguir. Mas se o “direito a desligar” não cobrir outras plataformas, como por exemplo o Whatsapp, então o empregado poderá arranjar problemas, se não responder de imediato ao patrão. Neste sentido, a protecção oferecida por este direito pode não ser suficiente. Em terceiro lugar, por vezes os emails são identificados como lixo, e nesse caso, não aparecem no “Correio Recebido”. Noutros casos, por qualquer motivo, podem extraviar-se. Em ambas as situações os emails foram enviados, mas não foram recebidos. O “direito a desligar” garante ao empregado a possibilidade de não responder fora do horário de trabalho, mas se o email se perder, nunca mais poderá responder. Nesse caso quem será responsabilizado pela perda do email? É obviamente uma questão que não é abrangida por este direito, mas na nossa vida de todos os dias a perda de emails é um problema que não conseguimos evitar. A pressão laboral em Hong Kong é enorme. É comum receber-se emails e mensagens dos patrões fora das horas de serviço. Podem ser 11.00 h da noite, sendo que a pessoa tem de estar no escritório às 9.00h da manhã, mas mesmo assim, tem de responder às mensagens do patrão, se não quiser arranjar lenha para se queimar. A injustiça nas relações laborais pode ser facilmente demonstrada. Em Macau a pressão talvez não seja tanta como em Hong Kong. Mas ainda assim não impede os patrões de enviarem mensagens às 11.00h da noite. O empregado talvez possa não responder, mas uma coisa é certa; no dia seguinte vai ter de apresentar explicações. O “direito a desligar” é uma boa ideia. Mas, na prática, levanta algumas questões. Para o concretizar será necessário encontrar respostas antecipadamente. A implementação desta norma pode assegurar que os trabalhadores de Hong Kong e Macau deixem de sofrer a interferência dos patrões fora das horas de serviço e garantir-lhes o direito ao sossego Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau