Ambiente | China trava luta constante contra desertificação às portas do Gobi

Nas margens do deserto de Gobi, no noroeste da China, vinhas, grelhas de palha e sistemas de irrigação inteligente ilustram a luta constante para travar a desertificação e criar meios de subsistência em terrenos outrora áridos

 

“É irrealista pensar que podemos eliminar os desertos. A luta é constante para garantir que não causam danos às populações”, afirmou à agência Lusa Wang Xiaolin, responsável pela Reserva Natural Nacional de Baitan, na província chinesa de Ningxia, transformada ao longo de 70 anos por três gerações de trabalhadores dedicados ao combate à desertificação numa das zonas áridas mais extensas do planeta.

Com cerca de 1,3 milhões de quilómetros quadrados, o deserto de Gobi é o maior da Ásia e o quarto maior do mundo, estendendo-se do sul da Mongólia ao noroeste da China, ao longo das províncias de Gansu, Ningxia e Mongólia Interior.

Com mais de 46 mil hectares de deserto tratados e o avanço das dunas recuado mais de 20 quilómetros, a reserva de Baitan é hoje um modelo de reflorestação ecológica. Plantas resistentes à seca e ao frio, como a jujuba-do-deserto, o saxaul (Haloxylon ammodendron) ou o capim-prateado (Miscanthus), que cresce apenas um metro acima do solo mas com raízes que se estendem até sete metros, permitem a sobrevivência sem irrigação, apenas com a chuva, explicou Wang.

“A Reserva de Baitan, que era 90 por cento deserto, foi quase totalmente recuperada. Dos 987 quilómetros quadrados de terra, quase todo o deserto foi tratado. Restam apenas cerca de 13 quilómetros quadrados como zona de demonstração e investigação”, frisou.

A técnica de grelhas de palha para fixar a areia, introduzida nas décadas de 1980 e 1990, permitiu aumentar drasticamente a taxa de sobrevivência das espécies plantadas. Mais recentemente, foi desenvolvido o método de controlo de desertificação “1+4″, baseado em dados de precisão.

Zhang Xueyun, camponês que há mais de três décadas trabalha na recuperação do deserto, recorda quando “não havia estradas, nem electricidade, nem água”. “Tudo era carregado à mão”, explicou. “Com o tempo, mecanizámos parte do processo e recuperámos centenas de hectares por ano”, disse.

O efeito é duplo: menos tempestades de areia – fenómeno que todos os anos atinge o norte da China, destruindo colheitas e cobrindo cidades de poeira – e mais vegetação, que tem contribuído para o aumento da precipitação.

Copos salvadores

Também a viticultura desempenha um papel importante. Christelle Chene, embaixadora da marca Xige, uma das maiores vinícolas da região, sublinhou à Lusa o impacto ambiental e social do sector: “As vinhas ajudam a fixar a areia, reduzem as tempestades de areia e criam empregos na região”.

A densidade de plantação é baixa e quase todo o trabalho é manual. “Não há ninguém no mundo a vindimar 2.000 hectares à mão. Mas, por causa da forma como tratamos a vinha, é impossível usar máquinas”, afirmou. A vinícola emprega 1.500 trabalhadores a tempo inteiro e beneficia de um sistema de arrendamento facilitado pelo Governo. “O vinho trouxe empregos e criou comunidades”, contou. “Antes, não havia nada aqui. Só terra árida”.

Para proteger as videiras do frio extremo, da seca e dos ventos fortes, estas são cultivadas de forma horizontal, sendo depois enterradas durante o Inverno. A rega é feita com sistemas gota-a-gota inicialmente importados de Israel, agora replicados por empresas chinesas, controlados por plataformas digitais que integram dados meteorológicos, humidade do solo e necessidades hídricas.

“Usamos a água do rio Amarelo, mas com rigor”, observou à Lusa Lu Chao, director do Museu da Conservação Hídrica de Ningxia. “Há pouca chuva e grande evaporação, por isso cada gota conta”, frisou.

Segundo o responsável, a região irrigada com água do rio cresceu de menos de 1.330 km² antes de 1949 para mais de 6.660 km² actualmente.
Projectos como o sistema de irrigação de Qingtongxia, construído nos anos 1950, e as obras modernas de controlo de cheias e abastecimento têm assegurado não só a agricultura, mas também o abastecimento urbano, industrial e ecológico.

“A desertificação é um desafio prolongado, mas Ningxia mostrou que é possível conter o avanço do deserto, restaurar ecossistemas e criar desenvolvimento sustentável”, apontou Wang Xiaolin.

29 Set 2025

China abre primeiro centro de cultivo espacial para evitar desertificação do Gobi

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China abriu, no norte do país, o primeiro centro de cultivo espacial do mundo, onde cultivará sementes, previamente enviadas ao espaço, de plantas e árvores resistentes a ambientes hostis, visando combater a expansão do deserto de Gobi.

Segundo avança o jornal de Hong Kong South China Morning Post, o centro de investigação, inaugurado na localidade de Yangling, província de Shaanxi, na semana passada, estabelecerá um banco de sementes, para selecionar as de maior qualidade produzidas através daquele método de cultivo.

Um dos patrocinadores é o Grupo Espacial de Biotecnologia, que está sob tutela da Academia de Tecnologia Espacial da China, equivalente chinês à agência espacial norte-americana NASA.

O outro patrocinador é a empresa Yangling Seeds, cujo diretor, Guo Rui, declarou aos meios locais que a “criação espacial pode acelerar o cultivo de sementes de alta qualidade, reduzindo o tempo de oito para quatro anos”.

O centro enviará sementes de vinte espécies de árvores para o espaço, entre as quais fará uma seleção para cultivo, parte do combate à desertificação, através da “grande muralha verde”.

Essa “muralha” estende-se desde Ningxia, no noroeste da China, até Liaoning, no nordeste, e procura deter a expansão do deserto de Gobi.

A tecnologia de cultivo especial consiste no transporte das sementes para o espaço, para que durante um determinado período se adaptem a condições extremas, como a alta radiação.

15 Ago 2018