Venezuela| Rússia e China rejeitam qualquer acção militar

Os dois principais aliados de Nicolas Maduro expressaram esta semana o seu repúdio contra qualquer ingerência externa na Venezuela e deixam o aviso de que uma acção militar no país seria interpretada como um “acto de agressão contra um Estado soberano e uma ameaça à paz e à segurança internacional”

[dropcap]A[/dropcap]Rússia e a China opuseram-se esta quarta-feira a qualquer acção militar contra a Venezuela, numa altura em que os Estados Unidos querem avançar com uma resolução no Conselho de Segurança da ONU sobre a crise venezuelana.

Em Wuzhen (leste da China), o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, afirmou que Moscovo, um aliado do Presidente venezuelano contestado Nicolás Maduro, está a trabalhar com todos os países que encaram com preocupação o cenário de uma eventual interferência militar na Venezuela.

Nas mesmas declarações, Lavrov, que se encontrou em Wuzhen com os seus homólogos chinês e indiano, denunciou as tentativas “descaradas” de criar “pretextos artificiais” para uma intervenção militar, como, por exemplo, o argumento de uma operação humanitária.

A administração norte-americana liderada pelo Presidente Donald Trump, que contesta Nicolás Maduro e reconhece o opositor Juan Guaidó como Presidente interino venezuelano, já afirmou que não descarta nenhuma opção, inclusive militar, para lidar com a crise venezuelana.

E o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, já chegou a declarar que “os dias de Maduro estão contados”.

Washington pretende avançar esta semana com a votação de uma resolução no Conselho de Segurança da ONU sobre os últimos acontecimentos na Venezuela e focada na autorização para a entrada da ajuda humanitária naquele país.

É previsível que a Rússia, que como os Estados Unidos e a China é membro permanente do Conselho de Segurança e tem a capacidade de vetar a resolução, rejeite o texto norte-americano.

“Não é por acaso que as autoridades do Brasil, por exemplo, já declararam que não vão participar ou disponibilizar o seu território aos norte-americanos para uma agressão contra a Venezuela”, referiu ainda Lavrov.

 

Palavras ditas

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo também destacou que “nenhum” país latino-americano, incluindo o Grupo de Lima (13 países latino-americanos e o Canadá), expressou publicamente o apoio a uma intervenção militar.

“Acho que os Estados Unidos deveriam ouvir os países da região”, concluiu Lavrov.

As palavras de Lavrov surgem no mesmo dia em que o Senado russo (câmara alta do parlamento) advertiu, numa declaração, que uma intervenção militar na Venezuela seria interpretada como um “acto de agressão contra um Estado soberano e uma ameaça à paz e à segurança internacional”.

O Senado russo também apelou à comunidade internacional e a várias organizações, como a ONU ou o Parlamento Europeu, para apoiarem um diálogo, um processo político pacífico na Venezuela e para evitarem “qualquer tentativa de ingerência externa”.

Já a China, país que é tradicionalmente favorável a uma política externa fundamentada na não-ingerência, frisou que a actual crise política que abala a Venezuela é um assunto interno.

“A questão venezuelana é por natureza um problema interno da Venezuela”, afirmou o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, no seguimento das declarações do seu homólogo russo sobre uma eventual intervenção militar estrangeira.

O ministro dos Negócios Estrangeiros chinês também pediu respeito pelas “princípios básicos das relações internacionais” e pela “soberania” dos Estados.

Até à data, cerca de 50 países já reconheceram o presidente da Assembleia Nacional (parlamento), Juan Guaidó (que se autoproclamou em Janeiro), como Presidente interino da Venezuela.

Já Maduro conta com o apoio da Rússia e da China. As autoridades chinesas temem que um regime liderado pela oposição venezuelana não pague os milhões de dólares emprestados por Pequim a Caracas.

 

1 Mar 2019

Venezuela | Possibilidade de intervenção militar norte-americana no horizonte

Uma nota no caderno de Conselheiro para a Segurança Nacional norte-americano, John Bolton, onde se lê “5000 tropas para a Colômbia”, voltou a trazer para a ordem-do-dia a possibilidade de intervenção militar para mudança do regime de Nicolás Maduro. Entretanto, falando de negócios, Pequim tenta pôr água na fervura ao mesmo tempo que encara o petróleo venezuelano como uma alternativa viável ao crude iraniano

[dropcap]O[/dropcap] ambiente de caos continua a ser o prato-do-dia na Venezuela. Enquanto a comunidade internacional se divide entre quem manda no país, uma nota do Conselheiro para a Segurança Nacional norte-americano, John Bolton, acrescentou gasolina ao fogo diplomático.

John Bolton, que tem um percurso político extremamente belicista e próximo de lobbies do armamento, já havia ventilado que na questão da Venezuela “todas as opções estavam em cima da mesa”. Uma expressão utilizada para dizer que a intervenção militar é uma possibilidade a considerar.

Entretanto, a forma como Bolton “revelou” a frase “5000 tropas para a Colômbia” tem dividido analistas. Há quem diga que se trata de um descuido que pode enunciar um bluff, ou um aviso a Nicolás Maduro, há quem ache que o conflito é uma possibilidade credível.

Independentemente da intervenção norte-americana em mais uma operação de mudança de regime na América Latina, Maduro denunciou a possibilidade de haver forças em território colombiano com intenção de invadir a Venezuela. Nomeadamente, militares que desertaram e se tornaram “mercenários”, estando em curso uma conspiração contra Maduro, a partir Colômbia, com o objectivo de dividir o exército venezuelano.

“Um grupo de militares desertores, que se tornaram mercenários ao serviço da oligarquia colombiana, conspira a partir da Colômbia para dividir as forças armadas (…). E onde aparecer um traidor, justiça!”, disse Maduro antes de começar uma marcha ao lado de 2.500 militares.

Toque de reunião

Em cenas transmitidas pela televisão estatal, Nicolás Maduro pode ser visto a andar pela base militar do Forte Tiuna, em Caracas, com os principais comandantes e dezenas de soldados. “Amam a vossa pátria? Defenderão a constituição? Defenderão o seu comandante em chefe?”, perguntou Maduro às tropas, que responderam com gritos: “sim, comandante em chefe!”.

Desde que o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se declarou Presidente interino na semana passada, Maduro apareceu quase diariamente na televisão estatal com os seus militares, projectando uma imagem de invencibilidade, mesmo quando a pressão internacional aumenta contra o seu Governo. O Presidente da Venezuela disse à agência de notícias russa RIA Novosti que está disposto a sentar-se com a oposição para dialogar com uma agenda aberta, sobre a “paz e o futuro” do país. As declarações de Nicolás Maduro à RIA Novosti surgem em plena crise política, que se agravou em 23 de Janeiro, quando o líder da Assembleia Nacional autoproclamou-se Presidente da República interino e declarou que assumia os poderes executivos de Maduro.

E o petróleo?

Com tem vindo a ser frequente nos conflitos armados desde a segunda metade do século passado, a presença de petróleo num país torna-o inevitavelmente mais apetecível em termos de intervenção militar. Se por um lado os recursos energéticos da Venezuela fazem salivar empresas como a Exxon Mobil, que teve como antigo CEO Rex Tillerson, ex-secretário de Estado da Administração Trump, também Pequim está atenta à possibilidade que a Venezuela representa.

Como tal, não é de espantar que os importadores chineses de crude olhem com atenção para Caracas, vendo aí uma oportunidade para comprarem petróleo a preços apetecíveis, beneficiando das sanções dos EUA e de menos exportações do Irão, afirmam analistas contactados ontem pela agência Lusa. As sanções impostas pelos EUA às exportações de petróleo do Irão deixaram, temporariamente, a China com um regime de excepção, o que fez com que as petrolíferas iranianas privilegiassem o país asiático nas suas vendas.

Mas, os analistas dizem que o clima de crescimento das importações a partir do Irão deverá terminar em 2019 e a China olha para a Venezuela como o país alternativo à sua necessidade energética, antecipando que podem ali comprar petróleo a preços baixos, devido à crise que o país atravessa. “É expectável que o interesse chinês na América do Sul faça aumentar as exportações de crude venezuelano para a Ásia até aos 500 mil barris por dia”, afirmou ontem Lim Jit Yang, director de análise de mercado petrolífero da S&P Global Analytics.

Diplomacia oleosa

Por outro lado, uma visita do Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, à China, em 2018, abriu caminho a mais intensas relações comerciais na área petrolífera.

Em 2018, devido ao regime de excepção à China nas sanções norte-americanas ao Irão, este país tornou-se o sétimo cliente mais importante das refinarias chinesas, que registaram aumentos de importações na ordem dos 30 por cento relativamente ao ano anterior, atingindo números recorde de 506 mil barris de petróleo por dia, segundo dados da S&P Global. Contudo, os analistas consideram que 2019 será um ano de inversão desta tendência, depois de o Irão ter anunciado, em Dezembro passado, que vai diminuir a sua produção, deixando as refinarias chinesas, sobretudo as do nordeste e sudoeste (as principais clientes de crude iraniano) particularmente preocupadas.

Ao mesmo tempo, a China não esconde a preocupação com o facto de o Governo norte-americano poder terminar a qualquer momento o regime de excepção permitido à China, nas sanções impostas ao Irão, que abrangem a proibição de venda de petróleo. Perante este cenário, as empresas chinesas importadoras de crude começaram a olhar com muita atenção a capacidade de exportação de petróleo por parte da Venezuela.

O interesse cresceu, nas últimas semanas, após o anúncio, de sanções do Governo norte-americano para as importações de crude oriundo da Venezuela, que obrigará a empresa estatal, a PDVSA, a procurar novos mercado, oferecendo preços competitivos.

Outros interesses

Até ao momento, os principais importadores asiáticos de crude venezuelano encontram-se na Índia, mas as empresas chinesas têm já fortes relações com o país sul-americano e podem intensificar o seu interesse. Contudo, analistas chamam a atenção para o facto de algumas refinarias chinesas não estarem preparadas tecnologicamente para o tipo de crude exportado pela Venezuela, o que poderá arrefecer este interesse.

Em contrapartida, a PDVSA aceita pagamentos em euros e em dólares, o que facilita as contas-correntes dos importadores.

“A flexibilidade de pagamento e os baixos preços que a empresa estatal venezuelana pode permitir são variáveis importantes para um redirecionamento das exportações em direcção à China”, explica Oceana Zhou, analista sénior da S&P Global Analytics.

Para tornar este cenário ainda mais complexo, o interesse chinês pelo crude venezuelano pode ser mal visto pela Rússia, que é o maior exportador de crude para a China e pretende manter, e aumentar, as suas quotas de mercado na segunda maior economia mundial.

Em 2018, a Rússia aumentou as exportações para a China em 20 por cento, para 1,44 milhões de barris de crude por dia, reforçando a sua posição de maior cliente energético. As empresas de análise dizem que as expectativas para 2019 são para um crescimento das importações desde a Rússia pelo quarto ano consecutivo, mas referem que a China pode querer diversificar os seus mercados, nomeadamente na Venezuela, beneficiando de preços mais competitivos do que os russos.

Em Setembro de 2018, o Presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, fez uma visita de quatro dias a Pequim e regressou com 28 acordos bilaterais, incluindo um empréstimo de cerca de cinco mil milhões de euros, para fortalecer a indústria petrolífera venezuelana. O empréstimo, segundo foi anunciado na altura, destina-se a melhorar e a aumentar a capacidade de produção de 300 furos petrolíferos na região de Ayachucho, onde são produzidos milhares de milhões de barris de crude.

O acordo previa também que a empresa petrolífera estatal venezuelana PDVSA cedesse 9,9 por cento das suas acções na empresa chino-venezuelana Sinovensa à empresa petrolífera estatal chinesa CNPC (que já detinha 40 por cento das acções).

 

1 Fev 2019

Crises

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]inguém gosta muito da ideia de que está a envelhecer. A determinada altura das nossas vidas recusamos aniversários porque são a lembrança de que estamos a contabilizar anos nos nossos ossos, músculos e pele. A meia idade talvez seja dos momentos mais difíceis: lembramo-nos que a melhor metade das nossas vidas já se foi e que a próxima provavelmente será de declínio. Daí que haja um momento de profunda confusão onde o passado e o futuro se encontram, que é como quem diz, a ‘crise de meia idade’.

As consequências para a forma como nos vemos sexual e romanticamente, são tremendas. Vemo-nos menos desejáveis e, sexualmente, começamos a encontrar outro tipo de obstáculos ao prazer pleno, inerentes ao envelhecimento do corpo. Estes são normais momentos de transformação física e psicológica que têm que ser trabalhadas de forma individual ou em casal. Muitas vezes os divórcios coincidem com estas alturas – Por alguma razão será, não é? As nossas identidades têm que se ajustar a uma realidade do envelhecimento… numa sociedade que preza o culto da juventude. Ninguém ensina ninguém a envelhecer graciosamente, a sociedade ensina-nos que temos que controlar a corrida do tempo de todas as formas possíveis.

Tanto os homens como as mulheres nestas condições de meia-idade, e particularmente, no estatuto de recém-solteiros, começam a perceber que não é tão fácil engatar. As mulheres temem confirmar que a sociedade já não as acha bonitas como antigamente e os homens procuram desesperadamente provar que ainda têm controlo das suas vidas amorosas e sexuais. Eu sugiro que as tentativas de adaptação serão diferentes dependendo do género a que nos referimos. Por uma questão prática, e não factual, vamos pôr uns homens num saco estereotípico e as mulheres noutro.

A crise de meia idade masculina vai ter a minha particular atenção. As tentativas de lidar com uma auto-estima estilhaçada passam por comprar carros desportivos e ‘experimentar’ coisas novas. Coisas novas que passam por fazer novos piercings, começar frequentar saídas nocturnas e dançar ao som do novo milénio, com os mesmos passos de dança dos anos 90. E sim, esta é uma fase de vida que já foi gozada vezes sem conta na cultura popular, mas se me permitem o tom pessimista, acho muito triste que a ansiedade e depressão sejam alimentadas pelo simples reconhecimento de que ninguém vai para novo. O envelhecimento é um facto irrefutável da condição humana, que se tentarmos lutar contra ele, o resultado será longe de positivo – vai ser destrutivo. Entretanto aturamos as dificuldades psico-emocionais de alguns homens que não conseguem olhar para os desafios da outra metade da vida de forma saudável.

Ora, todos nós passamos por momentos difíceis, mas estas crises mostram-se particularmente relacionais e desenvolvem-se nas expectativas dos papéis de que homens e mulheres desempenham. Se me permitem a queixa, homens com quase 50 anos que procuram jovenzinhas para puderem saciar os desejos de juventude é um cliché daqueles que já me irrita. A semana passada tive a oportunidade de explorar a ideia de que o amor não escolhe idades e acredito genuinamente nisso. Mas também sei que certas dinâmicas relacionais dão espaço para perpetuar estas ‘crises’, particularmente masculinas, que evitam agarrar pelos cornos a ideia de que estão a ficar mais velhos, mais feios e mais flácidos. Mas se há quem consiga viver em negação é o homem que consegue seduzir mulheres mais novas. Não há nada como a fantasia de que o tempo na verdade não passa, e que a continuidade ou descontinuidade desta dimensão, é irrelevante.

6 Jul 2017