João Santos Filipe SociedadeCEAM | Grupo que discutia Macau em português faz nove anos e mantém-se no limbo Hugo Silva, também conhecido pelo nome satírico de Falamau da Silva, era o principal dinamizador da “Conversa Entre a Malta”. Com a sua morte, perdeu-se a password do grupo que se tornou conhecido por discutir os assuntos de Macau, de forma mordaz. Porém, para os outros administradores a suspensão é mesmo uma forma de homenagear o falecido [dropcap]D[/dropcap]urante anos o grupo Conversa Entre a Malta (CEAM) foi uma referência para discutir o quotidiano de Macau em língua portuguesa. E hoje faz nove anos. No entanto, desde Fevereiro que o grupo está suspenso. Já antes, em Outubro do ano passado, a publicação de novas mensagens tinha sido bloqueada, de forma temporária. O principal motivo que faz com que o CEAM, que no pico da participação chegou a ter mais de 2 mil membros, ainda esteja bloqueado prende-se com o facto de o administrador e amigo dos utilizadores mais activos ter falecido. Hugo Silva Junior, que também utilizava o perfil “Falamau” da Silva, faleceu em Abril deste ano, vítima de doença inesperada, e levou consigo a password da CEAM. Face a este desfecho, a restante administração em vez de criar um novo grupo, decidiu que a melhor forma de homenagear Hugo Silva Junior seria deixar o CEAM nesta situação de limbo. Foi o que explicou ao HM, Fernando Gomes, utilizador e comentador frequente. “O Hugo Silva foi um dos grandes impulsionares do Conversa Entre a Malta, que era um grupo que tinha muitos utilizadores, mas em que a maior parte se limitava a ver o conteúdo. No entanto, ele partilhava sempre as notícias, informações e tinha um jeito de deixar certas ‘provocações’ saudáveis que faziam com que mais pessoas participassem”, recorda Fernando Gomes. “Como ele morreu em Abril, de forma inesperada, acabou por levar com ele a password do grupo, o que faz com que também não possa ser reactivado”, acrescentou. Esta versão é corroborada pelo administrador Arnaldo Martins. “Por respeito à memória do Hugo Silva deixámos o grupo parado. Ele era sempre um dos elementos mais dinamizadores”, disse Martins, em declarações ao HM. Hong Kong e o futuro Porém, antes do falecimento de Hugo Silva, o grupo CEAM já estava suspenso, por decisão do elemento que era visto como a “alma” do grupo. Na altura, a interrupção era para ser temporária e foi motivada por duas razões. Por um lado, para acalmar os ânimos devido às discussões sobre as manifestações em Hong Kong, e, por outro, para tentar recentrar as discussões em Macau, o objectivo inicial da criação. “O grupo foi suspenso devido ao que se estava a passar em Hong Kong. Havia demasiada discussão pouco saudável, o que fazia com que ficasse um ambiente pesado entre pessoas amigas. E esse não era de todo o objectivo da Conversa Entre a Malta. Nós não somos assim tantos para nos andarmos a zangar”, justificou Arnaldo Martins. “Ali o objectivo era discutir Macau e os assuntos do quotidiano, mas já só se falava de Hong Kong. Não era o que se queria para o grupo”, acrescentou. Para Arnaldo Martins a ausência de um grupo como o CEAM acaba por fazer falta à comunidade que domina a língua portuguesa. “É um grupo que faz falta para falar de Macau, porque não existem muitos grupos para discutir o quotidiano em português”, considerou. Também Fernando Gomes recorda com saudades a interacção do grupo: “Era um grupo sobre a actualidade e as pessoas falavam sobre as informações, com opiniões e um pendor sempre mais satírico”, lembra. Por este motivo, não é afastado o cenário de no futuro ser lançado um grupo semelhante, para que a “malta” volte a discutir Macau. Mas, não só, além da actividade “online” da CEAM, ao longo dos anos foram também feitos alguns eventos de convívio de jantar ou mesmo de prática desportiva. E os encontros podem voltar, assim que se ultrapasse esta situação de pandemia. “Se no próximo ano terminar a pandemia, espero que possamos retomar as actividades do grupo […] A pandemia trouxe muitas dificuldades, mas espero que no futuro possamos voltar ao convívio. E também com o tempo, acho que se não for a CEAM haverá uma outra página para se discutir Macau”, deixou no ar Arnaldo Martins.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCEAM | Um grupo macaense onde a opinião pública impera Chama-se “Conversa entre a Malta”, existe no Facebook desde 2011 e tem pouco mais de dois mil membros. No grupo discutem-se temas da actualidade mas um dos seus administradores garante que muitos não expõem publicamente a sua opinião por medo de represálias no emprego [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]erão poucos os macaenses ou falantes de português que não conhecem o grupo intitulado “Conversa entre a Malta” (CEAM). Activo na rede social Facebook desde 2011, o grupo foi criado por um grupo de amigos macaenses, mas depressa passou a ser um espaço onde se toma o pulso à opinião pública e à actualidade local. Alguns dos seus administradores usam pseudónimos como “Falamau da Silva” ou “Zico Fantasma” e são os principais dinamizadores da página, publicando diariamente notícias sobre o que se passa em Macau, sobretudo nas áreas da política e sociedade. Ao HM, Hugo Silva Júnior, ou “Falamau da Silva”, considera que o CEAM se tornou num importante meio de debate, numa altura em que tem mais de dois mil seguidores. “Começámos por ser um grupo pequeno e estão a entrar membros que vivem em Macau e que estão interessados em saber mais sobre a vida quotidiana aqui. Se entram como membros é porque o grupo tem algum interesse.” Hugo Silva Júnior, que trabalha como funcionário público, conta que muitos membros não revelam a sua opinião por receio de sofrerem represálias no trabalho. “Há muitos que, por razões óbvias, não fazem comentários, mas depois ligam a dizer que gostaram muito das publicações. Há muita gente com esse medo.” No entanto, Hugo Silva Júnior assegura que nunca deixou de escrever e de partilhar aquilo que pensa. “Sou funcionário público e acho que em Macau ainda temos liberdade de expressão. Não sou daqueles que come e cala. Há algumas pessoas que ficam no grupo só a observar as publicações para garantir o emprego e para não terem pressões, porque houve pessoas que sentiram pressões por terem feito críticas”, contou. Sem ofensas A ideia inicial dos fundadores do CEAM era utilizar a rede social para comentar não apenas as notícias mas outros assuntos. “Queríamos aproveitar a rede social para debater assuntos do quotidiano local, apesar de não constituírem matéria noticiosa.” O CEAM, além de ser um espaço de debate, assume-se como um lugar onde a coscuvilhice pode acontecer. “Há um outro tipo de influência cultural, arreigada num costume típico local, que é praticado entre a malta e que supostamente beneficia a nossa saúde e nos torna mais produtivos – a coscuvilhice ou a bisbilhotice.” Apesar disso, há um código de conduta para que não haja lugar a discriminações ou ofensas. “Tentamos não ter ofensas pessoais, em ter atenção naquilo que escrevemos para não haver difamações ou queixas. Nós, administradores, temos as nossas regras de conduta que temos de seguir.” O nome do grupo está intimamente ligado à própria cultura macaense. “A ‘malta’ confunde-se, na sua história secular, com o sentido singular atribuído por alguns à identidade macaense. Para a ‘malta’ ser-se macaense não basta ser de Macau. O macaense até poderá, eventualmente, nascer fora de Macau, mas ele encontra-se inelutavelmente ligado a esta terra, quer por laços sanguíneos, quer por qualquer circunstância que evoque sentimentos fortes de pertença a um mundo enraizado em Macau.” No CEAM não há temas preferidos, mas as notícias sobre o trânsito e os problemas relacionados com a acção governativa dominam. Os jornais portugueses têm lugar de destaque e não apenas pelo facto de alguns dos seus administradores não dominarem o chinês escrito. “Penso que há mais liberdade na imprensa portuguesa. A imprensa chinesa é muito limitada”, rematou.