José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasFestejos de 1897 e o cônsul de Hong Kong [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]residente da Direcção do Club Lusitano de Hong Kong em 1893, o conselheiro Agostinho Guilherme Romano em 1897 acumula já essa função com a de Cônsul. Da inicial proposta de se fazerem as celebrações da partida de Vasco da Gama para a Índia nada encontramos em Macau registado nos jornais e em Hong Kong, só no Club Vasco da Gama é festejado. Este Club, situado na Peel Street em Hong Kong, envia um folheto ao jornal de Macau, O Independente que o publica a 21 de Novembro de 1897 com o título, “Memória dos festejos celebrados no Club de Recreio, hoje Vasco da Gama, por ocasião do IV Centenário da Índia, na noite de 8 de Julho de 1897, e onde, com precedência da fotografia do quadro alegórico existente na sala do referido Club em Hong Kong, se faz desenvolvida narração da maneira briosa e patriótica como a festa correu.” Este o único registo que encontrei da comemoração do IV Centenário da partida de Lisboa da primeira armada para a Índia comandada por Vasco da Gama. No estrangeiro, o IV Centenário é comemorado em Munique no dia 14 de Fevereiro de 1898, na grande sala do Instituto das Artes e Indústrias da Sociedade Geográfica daquela capital com uma sessão solene e festival em honra de Vasco da Gama, que obteve um êxito brilhantíssimo. “Na presença dos presidentes de honra, suas altezas o príncipe Luiz e a princesa Thereza, do presidente da câmara alta, conde de Lercheufeld e de um selecto concurso de damas e cavalheiros fez o professor Eugénio Oberhummed uma descrição viva e interessantíssima dos conhecimentos geográficos na Idade Média, auxiliando-se de uma grande quantidade de mapas e cartas soberbamente coloridas pertencentes ao rico tesouro da Universidade. O Sr. Dr. Haunnerich, conferente da sessão, apresentou em fases eloquentes uma fiel e pitoresca imagem das navegações do grande descobridor e herói marítimo português e dos tempos que o precederam e lhe sucederam, comunicação científica e eloquente, principalmente baseada em novos documentos e estudos dos arquivos de Lisboa. Causou viva sensação no auditório a apresentação feita pelo pintor Adolpho Schmidt Celle, de uma cópia em tamanho natural do retrato original de Vasco da Gama existente no Museu de Lisboa. O painel ficará em exposição na Liga Artística”, notícia do Echo Macaense de 6 de Março de 1898. Tricas com o Cônsul Português Em 1898 publicam-se em Hong Kong dois jornais em língua portuguesa, O Provir, editado por Lisbello Jesus Xavier, presidente do Clube Vasco da Gama, com constantes reparos ao Sr. Conselheiro Agostinho Guilherme Romano, cônsul português desta cidade e presidente do Club Lusitano, que tem a seu favor o jornal Extremo Oriente. É numa rivalidade entre clubes portugueses com os seus jornais que o ambiente da preparação em Hong Kong do IV Centenário se desenrola. Ambos apenas estão de acordo ao pedir para Macau adiar por dois dias as datas dos festejos, para assim calhar no fim-de-semana de 21 e 22 de Maio, a permitir aos sócios aí se deslocarem. Não houve resposta de Lisboa. De Macau, o Echo Macaense de 13 de Março de 1898 envia um recado na primeira página do jornal, “Aos nossos compatriotas em Hongkong. É deveras penoso ler o que estão publicando os nossos dois colegas de Hongkong, o Extremo Oriente e O Porvir, a propósito da dissidência originada da formação da comissão executiva do centenário da Índia. Como de ambos os lados vieram à imprensa liquidar as suas responsabilidades, diremos francamente o nosso parecer, que, pelo que nos consta, se ajusta com o sentir geral das pessoas imparciais. Em vista de factos e documentos que vieram à luz da publicidade, se infere que de ambos os lados houve precipitação e falta de savoir faire. Em primeiro lugar é evidente que a comissão directora do Club de Recreio, tendo conhecimento de que havia sido convocada pelo Sr. Cônsul Romano uma reunião magna da comunidade portuguesa, para o dia 20 de Setembro [de 1897], no Club Lusitano, afim de a assembleia eleger uma grande comissão para elaborar o respectivo programa dos festejos do centenário, não devia de modo algum expedir na véspera, isto é, no dia 19 de Setembro, um expresso, convidando todos os sócios do Club, os seus amigos, e a comunidade em geral para uma reunião no mesmo dia 19 de Setembro, a fim de tratar dos festejos do centenário da Índia. Uma tal reunião, na véspera da outra, não podia deixar de ser considerada uma provocação, como realmente o foi. D’ outro lado, é também certo que, tendo o Sr. cônsul Romano convocado uma reunião magna da comunidade portuguesa no Club Lusitano, para eleger uma comissão executiva, devia ter deixado completamente ao alvedrio da assembleia eleger a comissão por meio do escrutínio secreto, o que evitaria toda a discussão acrimoniosa, e daria óptimo resultado, porque o bom senso da maioria teria pronunciado com acerto o seu veredictum. Mas longe de seguir esta orientação, o Sr. Cônsul Romano apresentou uma lista de 32 cavalheiros que propunha para compor a grande comissão. Esta proposta tirou à assembleia a liberdade de eleição, e inutilizou a reunião”. Não havia nada a censurar se o cônsul “desde o princípio tivesse agregado a si alguns dos nossos compatriotas mais conspícuos, constituindo entre si uma comissão, que levasse a efeito os festejos”. “Quis, porém, que a comissão fosse da sua escolha, e, ao mesmo tempo, fosse eleita, ou nomeada por aclamação, pela comunidade, sobre proposta dele. Não conseguiu o que desejava, e teve de dissolver a assembleia, dando lugar às tristes dissensões que aí vemos. Deu-se um passo falso, que trouxe consequências lamentáveis. Nas actuais circunstâncias, afigura-se-nos dificílima uma reconciliação; mas o que é fácil, e muito digno de todos, é a abstenção de mútuas hostilidades”. Está levantada “uma polémica desabrida em que de ambos os lados se procuram deprimir e rebaixar uns aos outros! É altamente triste tal situação!” “Ao Sr. Romano, que pela sua idade, posição social, e bom conceito de que goza, deve dar bom exemplo em tudo, pedimos que dê mais uma prova de patriotismo, de conduta, e de bom senso, e seja o primeiro a apresentar o ramo de oliveira, mandando cessar desde já essa triste polémica, e esses longos e fastidiosos artigos, que sob o pretexto de o defender, tendem a cavar mais funda a sizunia entre os nossos, e a acumular sobre o Sr. Romano mais ódio e mais rancor, falando dos seus meios de fortuna, que toda a gente conhece, e não é preciso assoalhar ao público com o fim de deprimir os outros. Que os nossos compatriotas de Hongkong façam as festas como cada grupo quiser e puder, mas que se abstenham de mútuas hostilidades, é o que pedimos em nome de bom senso, de cavalheirismo, e de patriotismo”, apelo do Echo Macaense de 13/3/1898. Faltam nove semanas para a realização das comemorações e dois diferentes planos de festejos vão sendo tratados em Hong Kong, ainda com a esperança do adiamento das datas em Macau para em fim-de-semana aí ir celebrar.