Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFórum Macau | A antevisão de uma reunião há muito esperada A reunião extraordinária ministerial do Fórum Macau vai acontecer finalmente no próximo domingo, depois de a pandemia ter atrasado um novo encontro para definir objectivos de actuação. Investigadores acreditam que vêm aí novas medidas de combate à pandemia, de fomento económico e de maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda Desde 2019 que o Fórum Macau trabalha sem novos objectivos definidos. A pandemia veio atrasar a realização da sexta conferência ministerial depois de ter sido definido um plano de acção para os anos de 2017 a 2019. Este domingo, dia 10, acontece finalmente uma reunião extraordinária ministerial (REM), exclusivamente online, e o HM procurou saber o que poderá estar em cima da mesa. Pedro Paulo dos Santos, investigador da Universidade Cidade de Macau (UCM), actualmente a trabalhar no doutoramento sobre o Fórum Macau, acredita que deverá ser apresentado “um plano mais curto do que os emitidos nas conferências anteriores”. “O título da reunião, ‘Um mundo sem pandemia, Um desenvolvimento comum’ indica que as medidas principais neste plano de acção serão na cooperação no combate à pandemia. Podemos esperar também medidas para estimular o crescimento económico entre os membros do Fórum e em reforçar Macau como a plataforma entre a China e os PLP.” No caso de Cátia Miriam Costa, investigadora e docente no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, lamenta que o encontro de domingo seja online, “o que, de facto, não facilita um diálogo mais próximo”. “O contexto internacional em que decorrerá é bastante diferente dos anteriores, dada a situação de guerra na Europa, e a tensão comercial entre os EUA e a China. Acresce a estes factores o facto de o próprio Secretariado do Fórum ter agora novos representantes nos diferentes cargos. Creio que dado este enquadramento, poderemos esperar que seja reforçado o papel económico do Fórum”, começou por dizer. A responsável frisou também que poderá ser alargado o âmbito das actividades do Fórum Macau, nomeadamente para um espectro mais cultural. “Espera-se igualmente que a China proponha aos países de língua portuguesa um maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda. A nova dinâmica, representada pelo novo Secretário-Geral, que se tem multiplicado em contactos com os representantes dos vários países de língua portuguesa aponta nesse sentido.” Segundo uma nota de imprensa, a REM de domingo “estabelecerá consensos para o desenvolvimento cada vez mais consistente do papel do mesmo enquanto mecanismo de cooperação multilateral para o desenvolvimento comum”. Será assinada uma “Declaração Conjunta” que vai reflectir “uma nova fase de trabalhos, em diversas áreas, nomeadamente, o combate à pandemia, a restauração do crescimento económico e o aperfeiçoamento do funcionamento de Macau enquanto plataforma de intercâmbio entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. A ideia é “elevar a cooperação nas áreas de economia, comércio, cultura e saúde entre o Interior da China, Macau e os Países de Língua Portuguesa, para um novo patamar”. Atraso, que efeitos? Questionada sobre o facto de este atraso poder ter condicionado, nos últimos anos, a actuação do Fórum Macau, Cátia Miriam Costa defende que houve “uma diminuição de algum entusiasmo por parte dos países de língua portuguesa que já estavam a retomar, em pleno, a sua actividade política internacional, e não havia uma previsão para este encontro”. “Esta situação pode explicar parcialmente a actividade de contacto directo com os vários estados-membros por parte do novo Secretário-Geral, de forma a reactivar uma certa proximidade a esta organização internacional que estava a perder dinâmica ao nível do contacto político. Relativamente à China, estou segura de que se manteve a trabalhar no tema e a avaliar as propostas que considerou mais adequadas para apresentar nesta Conferência Ministerial”, adiantou Cátia Miriam Costa. Pedro Paulo dos Santos acredita que as autoridades de Macau e da China têm continuado a trabalhar nos bastidores para manter o funcionamento do Fórum Macau de forma regular, bem como os serviços do foro comercial e económico que tem prestado. “O atraso no anúncio das datas deve-se apenas à situação da pandemia. A China tem, neste momento, em mãos uma crise de infecções que é, sem dúvida, a sua prioridade nesta conjuntura”, apontou. O investigador recorda que “havia grandes planos e mudanças em vista no Fórum para 2021 que infelizmente não se realizaram devido à pandemia”. No entanto, “todos os envolvidos mantiveram as suas funções e responsabilidades”, além de que, após a realização desta reunião e de “alguma normalidade pós-pandemia, iremos assistir a um Fórum mais activo e dinâmico”. Cenário internacional Desde 2019 que o mundo e a diplomacia têm sofrido várias crises de grande dimensão, primeiro com a pandemia e agora com o conflito na Ucrânia. Questionados sobre se a situação na Europa pode, de certa forma, ter impacto na realização deste encontro, ambos os analistas acreditam que os efeitos serão reduzidos. “A pandemia, em particular, tem tido um grande impacto em todas as organizações internacionais, e o Fórum Macau não é excepção. Quando temos representantes de várias nações que não podem viajar para conferências, reuniões ou eventos, obviamente que interfere com o dia a dia e com os objectivos traçados. O facto de a última conferência ter sido em 2016 obviamente que tem condicionado os trabalhos do Fórum.” Tal facto deverá também “condicionar o plano de acção que será emitido nesta reunião extraordinária”, frisou. Relativamente a outros conflitos internacionais, tal como na Ucrânia, Pedro Paulo dos Santos não acredita “que tenham um grande impacto nesta reunião ou no Fórum Macau em si”. Cátia Miriam Costa alerta para o facto de a conjuntura internacional “ser sempre muito relevante”. “O caso da existência de uma guerra na Europa e de uma competição comercial e até económica mais incisiva entre os EUA e a China não vão estar ausentes da conferência. Contudo, não me parece que o cenário de guerra seja determinante na negociação das áreas de cooperação a aprofundar. É preciso lembrar que apenas um país está mais envolvido nessa guerra, se bem que não seja de forma directa, que é Portugal”, concluiu. A 10 de Janeiro deste ano tomou posse o novo secretário-geral do secretariado permanente do Fórum Macau, Ji Xiazheng, anteriormente subdirector-geral do departamento de assuntos europeus do Ministério do Comércio da China, tendo sido responsável pelos assuntos económicos e comerciais entre a China e os Países europeus. Nos últimos meses, o diplomata tem tido diversos encontros com entidades públicas de Macau e os seus dirigentes, incluindo com Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Na reunião de Fevereiro, Ji Xianzheng mostrou disponibilidade para “continuar a reforçar o contacto e a cooperação com o consulado-geral, de modo a conjugar esforços no apoio à construção de Macau enquanto Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, aponta uma nota então publicada. Alguns dos objectivos traçados para o último triénio, passam por uma maior “conexão das indústrias e a cooperação da capacidade produtiva” entre a China e os países de língua portuguesa através do Fórum Macau. Segundo o último plano de acção aprovado, o Fórum Macau trabalhou no sentido de “estimular as empresas a construírem ou renovarem as zonas de cooperação económica e comercial nos referidos países, para além de promover a industrialização dos países de língua portuguesa da Ásia e África”. Para atingir este objectivo, o Fórum Macau propôs-se conceder empréstimos concessionais acima dos dois mil milhões de renminbis para os países de língua portuguesa a fim de “promover a conexão industrial e cooperação na capacidade produtiva”. Ainda em matéria de cooperação para o desenvolvimento, a China prometeu isentar os países de língua portuguesa presentes no Fórum das dívidas já vencidas provenientes de empréstimos sem juros no valor de 500 milhões de renminbis.
Andreia Sofia Silva Grande PlanoFórum Macau | Próxima conferência ministerial poderá “incrementar pendor político” Cátia Miriam Costa, investigadora do ISCTE, defende que a próxima conferência ministerial do Fórum Macau, que tem sido adiada devido à pandemia, deverá revelar uma China apostada em investir mais no pendor político nas relações com os países de língua portuguesa e não apenas no lado económico. A académica defende ainda que o Fórum Macau devia divulgar mais dados e informações sobre o trabalho que faz A próxima conferência ministerial do Fórum Macau, ainda sem data marcada, deverá trazer novos pontos na cooperação entre a China e os países de língua portuguesa, sobretudo tendo em conta o contexto da pandemia. Esta é a ideia deixada por Cátia Miriam Costa, investigadora do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE-IUL). “Da parte da China vai haver uma tentativa de aprofundamento das relações e de ultrapassar esta missão apenas económica, incrementando o pendor político do fórum, embora ele seja sempre político porque está em causa um instrumento de política externa”, disse ao HM. O pendor político de que fala Cátia Miriam Costa passa por um “maior alinhamento dos objectivos de desenvolvimento” e também de “crescimento das economias” ligadas ao Fórum Macau. “Pelo lado da China, e dado o contexto internacional relativo ao país, haverá interesse em tornar estas relações mais diversas e mais profundas e politicamente mais relevantes, ultrapassando o foco meramente económico”, disse. Além disso, a conferência ministerial poderá também ser um palco de discussão de ajudas a atribuir em contexto de pandemia. “Da parte dos países de língua portuguesa, [nomeadamente] os países africanos e Timor-Leste, que enfrentam o impacto da pandemia sem ter acesso a recursos como o plano de resolução e resiliência, como Portugal tem através da União Europeia, há a expectativa de aprofundamento das relações em algumas áreas, como o investimento produtivo ou a diplomacia de saúde.” Para Cátia Miriam Costa, a China tem-se destacado neste domínio nos últimos meses, nomeadamente através de acções que não passaram apenas pelo fornecimento de máscaras e de vacinas contra a covid-19. “Em alguns casos, nomeadamente nos países de língua portuguesa, passou também pela formação de pessoas no combate à pandemia. Há essa expectativa de envolvimento da China nestes países em sectores de cooperação nos quais o país se tem vindo a afirmar. Ao nível das infra-estruturas de transportes há também uma expectativa de manutenção e diversificação ou até aprofundamento das relações bilaterais neste contexto multilateral”, acrescentou. De frisar que a sexta conferência ministerial deveria ter acontecido o ano passado, mas a data tem vindo a ser adiada devido à covid-19. Um papel “complementar” Cátia Miriam Costa analisa o trabalho desenvolvido pelo Fórum Macau num artigo académico recentemente publicado pela revista JANUS, publicação da Universidade Autónoma de Lisboa, intitulado “Macau: Uma ponte para os países de língua portuguesa”. Neste texto a entidade, criada em 2003, é descrita como sendo um elemento de política externa chinesa, que “apresenta uma organização pouco comum” e que “não pode ser caracterizado como uma organização multilateral pura”. “O Fórum Macau é fruto da política externa chinesa. Aí a China assumiu a liderança no sentido da criação da própria instituição, no fundo para fomentar a ligação da China aos países de língua portuguesa utilizando Macau como plataforma. Em vez destes países estarem cobertos apenas pelas grandes organizações, como o Fórum China-África ou, no caso de Portugal, as relações serem só bilaterais ou através das relações China-UE, o que se pretendeu foi dar um privilégio a estes países no sentido de terem outro mecanismo de relacionamento”, explicou ao HM. No Fórum “não há uma paridade total na representação dos países”, defende a investigadora, uma vez que “há um secretário-geral nomeado a partir da China e depois há secretários adjuntos em representação dos países de língua portuguesa, de Macau e do Governo chinês”. No entanto, esse modelo “não inviabiliza o objectivo com que este Fórum foi criado”. No artigo publicado na revista JANUS, Cátia Miriam Costa conclui que Macau “assume [com o Fórum Macau] um papel complementar na diplomacia chinesa e na prossecução dos seus objectivos de política externa”. Neste sentido, “o território está autorizado e mandatado para estabelecer relações com os países de língua portuguesa no âmbito da paradiplomacia, podendo, por isso, proporcionar uma ligação através do Fórum Macau que depois tenha continuidade através do Governo local”. Esta aposta fez com que surgissem em Macau entidades ou associações como a MAPEAL – Associação para a Promoção de trocas entre a Ásia-Pacífico e a América Latina, ou o Centro para o Estudo e Desenvolvimento da Indústria das Energias Renováveis entre Ásia-Pacífico e América Latina. “O Fórum Macau tornou-se numa ferramenta adicional de atracção dos países de língua portuguesa para os novos projectos da China, sejam estes de carácter nacional ou internacional”, refere a autora do artigo, lembrando que a RAEM tem hoje uma responsabilidade sobre a política externa chinesa. A China, através do Fórum Macau, “conseguiu que o envolvimento [de Macau] fosse mais efectivo”, com um “aproveitamento mais eficaz das relações históricas”. A falta de transparência A forma de funcionamento do fórum só irá mudar se os Estados mostrarem vontade, defende Cátia Miriam Costa, que alerta para a falta de publicitação de dados e informações. “Seria importante haver mais partilha de informação, sobretudo para valorizar o papel do fórum e para dar a imagem do que pode potenciar. Sem dados precisos sobre a evolução dos relacionamentos, sejam bilaterais ou multilaterais desde a existência do fórum, as missões que este levou a cabo e que resultaram na capacitação de recursos humanos ou no aprofundamento das relações comerciais, nunca percebemos bem qual foi o âmbito e a abrangência dessa acção.” O Fórum Macau poderia ser “uma organização extremamente instrumental para o relacionamento entre a China e os países de língua portuguesa, mas que depois é bastante desconhecido em alguns países”. “Muitas vezes há falta de conhecimento sobre a existência desta organização e quais os seus objectivos. Ganharíamos sempre em ter essa partilha de dados e uma maior transparência, embora não seja um caso de desconfiança ou de opacidade dos mecanismos, é mais o não se perceber até que ponto este fórum está a potenciar o relacionamento comercial e como é que este pode ser melhorado e diversificado”, frisou. No artigo recentemente publicado, Cátia Miriam Costa dá conta que “os dados, em geral, aparecem agregados e os países de língua portuguesa são representados como um todo, pelo que desconhecemos as variações específicas para cada relação bilateral”. É também referido que “os projectos como a capacitação e circulação de quadros ou as novas áreas integradas na cooperação protagonizada através do Fórum Macau não são quantificadas de modo a aferir-se sobre o sucesso das mesmas. Quer isto dizer que a organização não produz informação específica nem publica os dados sobre o cumprimento sectorial da cooperação ou de nível bilateral”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | Análise a relatos de época da primeira viagem de avião entre Portugal e Macau As académicas Cátia Miriam Costa e Olívia Pestana analisaram a forma como os jornais Diário de Lisboa e O Comércio do Porto noticiaram a aventura dos aviadores José Manuel Sarmento de Beires e António Jacinto da Silva Brito Pais, que em 1924 voaram de Vila Nova da Milfontes com destino a Macau acabando por aterrar em Cantão. Ambas as publicações deram grande destaque à viagem, que serviu de bandeira nacional, e cujo 97º aniversário se celebra daqui a duas semanas No dia 2 de Abril de 1924 os aviadores portugueses José Manuel Sarmento de Beires e António Jacinto da Silva Brito Pais partiram de Vila Nova de Milfontes, em Portugal, para fazer aquela que seria a primeira viagem de avião entre Portugal e Macau, apenas dois anos depois da célebre travessia entre Lisboa e o Rio de Janeiro feita por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. No entanto, os dois aviadores, que se fizeram acompanhar por um alferes mecânico, Manuel Gouveia, acabariam por aterrar nos arredores de Cantão a 23 de Junho, depois de terem percorrido 16.380 quilómetros. Foram usados dois aviões, com os nomes “Pátria” e “Pátria II”. Cátia Miriam Costa, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e Olívia Pestana, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, analisaram a forma como dois jornais portugueses da época, o Diário de Lisboa e O Comércio do Porto, noticiaram a viagem, no trabalho académico “De Lisboa a Macau: A conquista dos ares vista pela imprensa portuguesa do ponto de vista comparativo”, publicado recentemente no Portuguese Journal of Social Science. Além de olharem para a cobertura do evento do ponto de vista jornalístico, as autoras analisaram “o compromisso [dos jornais] com a recolha de fundos e o seu papel na mobilização do público como intermediários entre os pilotos e as autoridades públicas”. Apesar do entusiasmo gerado, as académicas concluem que a aventura acabou por cair no esquecimento. “Apesar dos investigadores das ciências aeroespaciais considerarem ainda esta viagem como essencial para o conhecimento técnico e científico, o voo é geralmente desconhecido e pouco estudado. Enquanto Portugal celebra outras aventuras aéreas, esta parece ter caído no esquecimento, e as referências oficiais são pequenas e escassas”, pode ler-se no documento. As explicações para este esquecimento foram dadas por Cátia Miriam Costa à agência Lusa, em 2019, e devem-se a questões políticas. “Esta viagem foi apagada da memória portuguesa não porque seja menos importante que a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Mas, sobretudo, porque Sarmento de Beires é um opositor ao regime que se anunciava.” “Apesar de militar, não concorda com a Ditadura militar, nem posteriormente com o Estado Novo, é um homem perseguido durante o período das ditaduras em Portugal”, recordou. Um “evento nacional” e não só Porquê estes jornais? Segundo as autoras, “a escolha reflecte a necessidade de comparar diferenças abordagens à viagem aérea e detectar eventuais estratégias editoriais que poderiam justificar as diferenças existentes”. Além disso, os familiares dos aviadores tinham estreitas ligações às cidades de Lisboa e do Porto, “o que ajudou a aumentar o interesse do seu desafiante voo na experiência destas famílias”. As autoras concluem que “o Diário de Lisboa publicou mais notícias sobre este assunto do que O Comércio do Porto”, embora com “visíveis diferenças”. “Do ponto de vista do discurso jornalístico, o orgulho pelos pilotos e pelo projecto é uma realidade desde o início. No entanto, há também um discurso patriótico que emerge à medida que as dificuldades aumentam e a aventura avança. O uso de pontos de exclamação era também um padrão”, acrescenta-se. No caso do Diário de Lisboa, foi usada com “frequência a expressão ‘aqui e agora’, convidando o leitor a tomar parte desta iniciativa que é sempre apresentada como um evento nacional envolvendo todos os portugueses”. Quando não havia informações para publicar sobre a viagem propriamente dita, os jornais recorriam a histórias em torno dos seus protagonistas. “O Diário de Lisboa publicava notícias sobre a campanha de recolha de fundos, com entrevistas aos apoiantes do projecto em Portugal (como por exemplo, o Director de Aviação) ou artigos sobre as dificuldades que os aviadores e as suas famílias iam enfrentando”, descrevem as investigadoras. No caso d’O Comércio do Porto, as notícias “eram em menor número”. “Os acontecimentos em torno do voo transformaram-se numa narrativa que preencheu páginas de jornal quando não havia notícias sobre os pilotos. Conteúdos sobre a campanha de fundos são sempre noticiados em relação com o projecto e como parte da aventura, devido ao facto de uma das dificuldades mais significativas durante a viagem foi a falta de fundos, sejam de fontes públicas ou privadas”, pode ler-se. No início do século XX, as fontes usadas pelos jornais passavam pelas entrevistas, telegramas e agências noticiosas. Segundo as autoras, “o discurso directo foi usado algumas vezes no Diário de Lisboa, muitas vezes transcrito em forma de diálogo, enquanto que em outras alturas foi usado o discurso indirecto, apresentando linhas gerais da narrativa enquanto cita declarações (em geral pessoas directamente envolvidas com o projecto ou com o campo da aviação”. No caso do jornal do Porto, foi muito usado o discurso indirecto, “provavelmente devido ao facto de ter citado fontes de informação”. Em ambos os jornais “os telegramas oficiais e as notícias de agências internacionais eram transcritas, tal como outra correspondência (cartas a familiares, por exemplo), em adição de informação com base em telefonemas”. Foi detectado, por parte das autoras do estudo, “um forte compromisso de afirmar a credibilidade da informação e a sua verosimilhança através (…) do uso de fontes, recursos de estilo no discurso, a busca pela identificação e envolvimento do leitor na aventura”. Este compromisso “é evidente em ambos os jornais, mas O Comércio do Porto mostra a credibilidade da informação ao citar notícias de outras fontes de informação”. Apesar do esquecimento a que ficou votada a jornada, ela teve, à época, uma dimensão equiparada às viagens feitas internacionalmente. “Outro aspecto que merece ser enfatizado é o panorama nacional e internacional deste evento: as notícias publicadas sobre o estado da aviação em Portugal, bem como o seu significado político. O mesmo tipo de projectos desenvolvidos pelos aviadores de outras nacionalidades são também mencionados, o que nos permite posicionar este evento ao mesmo nível dos outros [a nível internacional]”, denotam as investigadoras. O Diário de Lisboa foi fundado em 1921 e publicou-se na capital portuguesa até 1990. A publicação “orgulhava-se da independência das opiniões dos jornalistas”, assumindo-se, pelos fundadores, como um jornal republicano, moderado e independente. No caso d’O Comércio do Porto, foi fundado em 1854 e fechou portas a 30 de Julho de 2005. Uma viagem importante Cátia Miriam Costa e Olívia Pestana apontam que, quando Brito Pais e Sarmento Beires começaram os planos depararam-se de imediato com a necessidade de recolha de fundos. “Nem o poder político estabelecido nem as forças armadas tinham fundos necessários para patrocinar a viagem, então a primeira vez que esta viagem captou a atenção do público foi através da ideia de obter fundos para comprar um avião.” Com uma crise económica e divisões políticas, o primeiro voo entre Portugal e Macau acabou por ganhar “um significado de unificação e uma forma de confirmar a presença portuguesa no radar dos céus”. O primeiro avião, “Pátria”, cairia perto de Cantão devido a uma tempestade. Durante o voo, “os aviadores perderam a aeronave e tiveram de esperar pela sua substituição”. Novamente os pilotos conseguiram comprar um segundo avião através da recolha de fundos, e desta vez com um maior envolvimento da imprensa portuguesa. Tratou-se de uma viagem “com várias paragens” e acompanhada também pelos media internacionais, “o que transformou o projecto num evento internacional”. Os jornais analisados pelas investigadoras noticiaram a viagem “desde o início”, tendo os leitores “respondido aos apelos por fundos e mantendo-se fiéis” às notícias e reportagens sobre o voo. O feito serviu também para Portugal se “comparar a outra nação poderosa”. Neste período “as relações com a China eram tensas devido ao debate em torno das águas que circundavam Macau”, pelo que o voo “era um símbolo de como Portugal era ainda um poder político com capacidade externa para lutar pelos seus territórios”. “A ligação com as relações sino-portuguesas não é clara mas a aventura emerge como algo acima dos eventos políticos em Portugal, que exalta a presença portuguesa no mundo”, apontam as autoras. Em 1924 estava no auge o conflito entre a I República, que já estava na sua fase terminal [a Ditadura Militar foi instituída em 1926], e os aviadores da Força Aérea. O voo serviu também “para desviar as atenções dos jornalistas e leitores dos problemas das Forças Armadas e as tensões entre o Governo, o parlamento e os militares”. Brito Pais não esteve envolvido intelectualmente nem ideologicamente com esse tipo de lutas. No entanto, acaba por sofrer do mesmo ostracismo que vem do facto de não se poder reconhecer o seu companheiro de viagem”, indicou Cátia Miriam Costa à Lusa . Em Macau os pilotos foram recebidos de forma “triunfal”, descreveu a investigadora, ainda que o voo não tenha terminado no território. Ainda assim, nas páginas do Diário de Lisboa a aventura foi considerada um sucesso. “As dificuldades causadas por uma tempestade sazonal e o facto de não haver nenhum lugar preparado em Macau para a aterragem foram aspectos noticiados pelo Diário de Lisboa antes do fim da viagem.” Desta forma, as publicações “acabaram por baixar as expectativas e preparar o público para a possibilidade da viagem ser incompleta. O jornal celebrou o fim da viagem como se o avião tivesse aterrado em Macau.” Em Lisboa os pilotos também foram bem recebidos e receberam condecorações militares ainda das mãos dos governantes da I República. Com a instauração do Estado Novo, em 1933, a viagem e os pilotos acabariam por ser despenhar num profundo esquecimento.