Carlos Melancia (1927-2022) – O fim de um capítulo

Antes da pandemia, em 2019, Carlos Melancia deu uma das suas últimas entrevistas ao HM. Em Castelo de Vide, onde se fixou para conduzir negócios e gozar a reforma, o homem que foi Governador de Macau entre 1987 e 1990 vivia numa casa de estilo clássico com vista para uma paisagem que podia ser descrita como um quadro representativo do Alentejo. Em relação ao seu mandato à frente do Governo de Macau afirmou: “Gostava de ter feito mais”

Falecido no domingo aos 95 anos, Carlos Melancia fez, no entanto, muito, liderando a maioria dos dossiers fundamentais para o processo de transição de Macau, que se iniciou com a assinatura da Declaração Conjunta, em 1987, ano em que tomou posse como Governador.

Arnaldo Gonçalves, que trabalhou com Melancia como assessor, recorda esses tempos. “Era um homem encantador, extraordinário, de uma simpatia e amabilidade pessoal absolutamente notáveis. Tinha uma enorme capacidade de liderança. Desenhou todos os grandes projectos de Macau, o aeroporto, o porto de águas profundas, a nova ponte sobre Macau, a integração de Macau no Delta do Rio das Pérolas, a transição, a localização dos quadros e das leis. Foi ele que geriu todos esses dossiers e deu um pontapé em frente para a transição de Macau de uma forma muito positiva, com grande visão. Ele é um dos grandes responsáveis pelo sucesso da transição de Macau.”

Carlos Melancia deslocava-se, nesses tempos, por Macau “sem segurança pessoal” e coleccionava louçaria chinesa que comprava nos tintins, misturando-se com a população local. “Foi um homem que dignificou Portugal por aquelas paragens e deixou um projecto de sobrevivência e progresso de Macau com autonomia que, nos anos mais recentes, tem sido abandonado”, destacou Arnaldo Gonçalves.

Outro dossier importante da transição foi a presença da língua portuguesa no território após 1999.
Ana Paula Laborinho, actual directora da Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e Cultura, estava por Macau nessa altura e passou por entidades como o Instituto Cultural e a Universidade de Macau, assistindo depois à criação do Instituto Português do Oriente. “Tive uma excelente relação com ele. A memória que tenho dele é do seu apoio a tudo isto de que hoje beneficiamos e de que não temos a exacta noção em que momento foram estes pontos discutidos e foram dados os passos para que tenhamos um conjunto de instituições [de português] que se mantém. Temos de agradecer ao Governador Carlos Melancia o apoio que deu e à perspectiva positiva que sempre teve, favorecendo uma transição o melhor possível, mas acreditando que era necessário preservar uma presença além de 1999”, defendeu ao HM.

Numa entrevista recente à Lusa, Melancia falou do seu contributo para aquilo que o território é hoje. “Negociei isto tudo, mas quem acabou por os concluir [os projectos] foi o Rocha Vieira. Não fui eu que inaugurei o aeroporto, mas a negociação do aeroporto com Hong Kong e Pequim foi comigo”, sublinhou.

O polémico Fax

O mandato de Carlos Melancia ficaria marcado pelo polémico caso do Fax de Macau, divulgado pelo semanário O Independente, em 1989, e que levou o Governador a demitir-se no ano seguinte.

Na entrevista que concedeu ao HM, Carlos Melancia recordou o caso que disse ter manchado a sua reputação. “Em termos pessoais foi [o mais difícil em Macau]. Houve um grupo de pessoas que foi julgado em paralelo sobre este assunto e que foi condenado. Essas pessoas devolveram os 50 mil contos à Wideplan [a empresa alemã interessada na concessão das obras do aeroporto e envolvida no processo] e confessaram que tinham tido a iniciativa [de oferecer dinheiro para ficar com a concessão] e com que intenções. Houve condenações, mas juridicamente a sentença não foi executada, e disso ninguém fala”, contou.

Arnaldo Gonçalves não tem dúvidas de que este caso veio de dentro do Partido Socialista (PS). “Era uma pessoa que galvanizava, muito positiva, mas foi surpreendido com o caso do fax, que foi uma coisa urdida contra ele com a colaboração de gente próxima de Mário Soares. Quem criou aquilo foram socialistas próximos de Soares, pessoas que ele mandava para Macau para meter cunhas sobre contratos, processos de adjudicação. Recordo várias pessoas, mas não vou dizer nomes”, acusa.

Quem também recorda este polémico processo é Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente (FO). À Lusa, este disse que Melancia foi “um bom homem” que acabou por ser “apanhado num turbilhão”, cuja origem não estava nele. Monjardino sublinhou que “sempre disse que aquela história do fax de Macau tinha mais a ver, porventura com a ‘entourage’ dele [Carlos Melancia] do que com ele, e que ele tinha sido apanhado naquilo”.

Lamentando o desaparecimento do antigo Governador de Macau e ministro de vários governos socialistas, o presidente da FO considerou que Carlos Melancia, durante o tempo que esteve no território, “teve pessoas à volta dele que não deveria ter tido” e foi “muito prejudicado por isso”. “Poderia ter tido um mandato um pouco mais sossegado se fosse um bocadinho mais severo na avaliação das pessoas que apareciam”, acrescentou.

Na opinião de Carlos Monjardino, “a certa altura, devido às fraquezas do Governo dele, por razões que não tinha nada a ver com a China, tinham que ver com razões internas, [Carlos Melancia] acabou por se chegar um bocadinho à China. Mas isso, também o Rocha Vieira o fez”.

Homem de visão, projectou o futuro

Leonel Alves, ex-deputado e advogado, disse à Lusa que Melancia “foi o Governador da transição, que projectou o futuro de Macau com as novas infra-estruturas importantes”. Desta forma, o antigo governante “deu o pontapé de saída para um Macau mais moderno”.

Foi graças a Carlos Melancia que Portugal avançou com “projectos que estavam em cima da mesa e em relação aos quais havia uma grande urgência”, disse à Lusa o economista e presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, José Sales Marques.

A saída de cena na sequência da polémica “não foi benéfica para Macau”, lamentou Leonel Alves. Por sua vez, Sales Marques frisou que “ficámos sempre com a impressão de que tudo isto foi muito injusto (…). Até porque ele tinha um passado técnico e político de grande valia”. “Política é política e às vezes a política come as pessoas. Neste caso, a política comeu um bom dirigente”, disse Leonel Alves.

Também a Fundação Jorge Álvares (FJA) expressou, num comunicado, “profundo pesar” pela morte de Carlos Melancia, que era curador da instituição, assim como antigo administrador e presidente. A “dedicação e espírito empreendedor” de Carlos Melancia “muito contribuíram para a consolidação e afirmação” da FJA, “quer na área cultural quer na área educativa”, defendeu a fundação.

Amante do património, Carlos Melancia criou em 1997 em Marvão, distrito de Portalegre, a Fundação Cidade de Ammaia, que tem como objectivo a preservação da Cidade Romana de Ammaia. Em comunicado, a entidade manifestou o seu “mais profundo pesar” pela morte do criador e fundador, que deu “uma dedicação ímpar” ao projecto e dedicou-lhe “um enorme esforço pessoal” desde o seu início, considerando-a como um dos seus “projectos de vida”, há mais de 25 anos.

“Era sobre a Ammaia que contava a todos os que o ouviam, algumas das histórias da grandiosidade das suas ruínas e o que a cidade romana poderia significar no futuro da nossa região”, pode ler-se no documento. Também a Casa de Macau em Lisboa emitiu ontem uma nota de pesar pelo falecimento do antigo Governador do território.

Carlos Melancia morreu no domingo à noite no Hospital de São José, em Lisboa. Licenciado em Engenharia, foi governador de Macau de 1987 a 1990 e ministro com as pastas da Indústria e Tecnologia, do Mar e Equipamento Social em vários governos socialistas. Em 1990, demitiu-se na sequência do designado Caso do Fax de Macau, que envolvia financiamentos partidários do PS, um processo de que foi ilibado em 2002. O velório realizou-se em Lisboa, na Igreja de São João de Deus, na segunda-feira.

25 Out 2022

Carlos Melancia, ex-Governador de Macau: “Gostava de ter feito mais”

Aos 91 anos de idade, Carlos Melancia vive em Castelo de Vide numa casa cuja vista alcança o Alentejo inteiro. Na sala repousam fotografias e livros sobre Macau, lugar que lhe deu “chatices”. O caso do Fax de Macau foi uma delas, considerada pelo ex-Governador a mais difícil, que lhe afectou a reputação. Melancia fala do projecto do segundo hospital público que nunca avançou e defende que Hengqin deveria pertencer ao território

 

Deixou Macau em 1991, o que tem feito desde então?

[dropcap]J[/dropcap]á tinha esta casa e sempre disse que viria a servir para quando me reformasse. Em primeiro lugar não vinha muito contente de Macau, e em segundo lugar já não estava para aturar mais chatices. Acabei por mudar-me de Lisboa para aqui (Castelo de Vide). Juntei uns trocos e tentei arrancar com uma sociedade e iniciar um hotel. O hotel ainda existe mas as coisas não correram lá muito bem. Depois ainda me meti a fazer um campo de golfe que temos aqui perto da fronteira (com Espanha), começamos com o envolvimento de pessoas daqui, mas depois de três ou quatro anos a Câmara, que também fazia parte da sociedade, desistiu. Também estive ligado a uma fábrica de cortiça, que já fechou. A última coisa em que me meti foi a Ammaia.

A fundação ligada ao património situada em Marvão. Como surgiu essa ligação?

É simples. Sempre tive uma certa obsessão pelo património, porque acho que é um dos motores do turismo cultural. Quando cheguei a Macau fiquei mais ligado ao património. Constatei que, desde 1948, estavam classificadas umas ruínas de uma cidade romana como monumento nacional e nunca ninguém tinha feito nada. Acabei por apresentar um projecto à Câmara Municipal de Marvão e mais umas entidades para ver se se conseguia fazer alguma coisa. Criou-se então uma fundação, embora aquele património seja do Estado. Tem-se revelado uma coisa fora de série e neste momento estou à espera dos resultados de uma candidatura que nós fizemos. Se tudo correr bem não me preocupo mais com o futuro da fundação. Mas o património é sempre tratado como parente pobre, é considerado uma despesa em vez de um investimento, em termos estratégicos.

Relativamente a Macau, há quem afirme que no tempo da Administração portuguesa o património não foi devidamente protegido. Concorda?

Uma das primeiras coisas que se pretendeu fazer foi restaurar de raiz os edifícios de origem arquitectónica portuguesa, como o Leal Senado, para que fosse possível candidatar esses edifícios a património mundial da UNESCO. É óbvio que nunca me passou pela cabeça que fossemos nós (a arrancar com o processo), quando estávamos a preparar a transferência de soberania de Macau e sobretudo devido ao grande volume de património chinês que havia. A China propôs depois a classificação desses edifícios. Mas quando fui a Macau da última vez, e já foi há quatro anos, percebi que há problemas com a UNESCO no que diz respeito à manutenção dos edifícios. E isso é a China que tem de resolver. Esse património é um dos factores que distingue Macau face a Hong Kong e China.

Ficou contente com o que viu no centro histórico?

Fiquei. Mas os portugueses não foram capazes de se lembrar (e eu não sou nenhuma excepção), e lamento que tenha sido assim, daquilo que hoje os números do jogo e dos turistas representam para Macau. Era previsível que tudo iria ficar submerso. Macau, qualquer dia, não tem espaço para respirar. No tempo da Grande Guerra os japoneses ocuparam as ilhas à volta de Macau, uma delas a Ilha da Montanha, com o objectivo de que, por essa via, controlar Hong Kong e Macau, sem prejudicar as actividades recorrentes, pois as ilhas estavam praticamente desabitadas. Na perspectiva da filosofia da expansão da autonomia do território, achava que aquelas ilhas deveriam ser de novo integradas no território de Macau.

A Ilha da Montanha?

Sim. A zona de Hengqin, onde está o campus universitário.

Chegou a fazer alguma proposta concreta nesse sentido?

Fiz uma proposta concreta ao primeiro-ministro sobre isto. Ele disse-me que tinha muita pena, e que se se tivessem lembrado disso na hora de negociar, ele seria o primeiro a pensar nisso seriamente, mas que já era tarde. Isto aquando da assinatura da Declaração Conjunta. Quando se começou a conhecer a intenção do Governo Central de fazer um campus universitário daquela dimensão, recordei-me daquilo que ele me tinha dito, de que não se esquecia da minha preocupação.

Acha então que a construção do campus da Universidade de Macau foi uma resposta da China a essa questão territorial?

Acho que sim e é um dos factores que mostra que a China fez um esforço sério para cumprir aquilo que estava programado. Não foi só o facto de não querer misturar o assunto de Macau com o das ex-colónias (portuguesas).

Falemos novamente do tempo em que foi Governador. Disse que quando deixou Macau não queria mais chatices. O caso do Fax de Macau foi o mais difícil?

Em termos pessoais foi. As pessoas gostam muito de levantar problemas, mas depois quando eles se resolvem, para o bem e para o mal, não querem saber. Se lhe perguntarem como é que esse caso acabou, talvez não saiba.

Foi considerado inocente. Apesar disso, foi um caso que manchou o seu nome e credibilidade?

Manchou. Há duas coisas que para mim são muito importantes. O facto de ter sido absolvido na primeira instância não significa que o Ministério Público não tenha recorrido para repetir o julgamento. Na prática a sentença transitou em julgado até ao Supremo e durante esse tempo confirmou-se a sentença. Mas há outra coisa que é importante dizer, uma vez que, na prática, houve um grupo de pessoas que foi julgado em paralelo sobre este assunto e que foi condenado. Essas pessoas devolveram os 50 mil contos à Wideplan e confessaram que tinham tido a iniciativa e com que intenções. Houve condenações mas juridicamente a sentença não foi executada, mas disso ninguém fala. Isso poderia ter aparecido nos jornais da mesma maneira, e não apareceu.

Considera que foi vítima de uma injustiça pela maneira como foi tratado, na praça pública?

Sim, e até mais do que isso. O principal visado não era eu, mas sim o Presidente da República (Mário Soares), pois havia eleições.

Sei que chegou a haver a iniciativa, durante o seu Governo, da construção de um segundo hospital público na Taipa. Como explica o facto de nunca ter sido construído?

Houve esse projecto, mas no meu mandato queria acabar primeiro as obras do Centro Hospitalar Conde de São Januário, que já tinham dez anos, e também do hospital Kiang Wu. Eu pretendia que, logo que os dois estivessem construídos, houvesse um novo hospital. Foi o Rocha Vieira que depois seguiu os planos que já estavam pensados. Este não pôs em causa a estratégia global de se construir o aeroporto, e fizeram-se outras coisas em simultâneo, como o Porto de Ka-Hó e a universidade. E aqui não se colocava apenas o problema da falta de uma universidade. Portugal teve uma responsabilidade e conseguiu que a língua portuguesa ficasse na RAEM durante 50 anos, bem como o Direito de matriz portuguesa. Nessa perspectiva, era indispensável ter um curso de Direito apoiado por universidades portuguesas. Mas esse projecto do segundo hospital foi Rocha Vieira que não lhe deu seguimento.

Houve aí interesses privados para o projecto não avançar?

A situação de hoje não é comparada com a situação desse tempo. E não apenas devido ao turismo. A Taipa, nessa altura, tinha quatro gatos pingados, e Coloane ainda menos. Não estive nesse processo até ao fim, não posso dizer mais nada.

Mas é uma falha não haver um segundo hospital público?

É. Mas o crescimento de Macau face ao crescimento que vemos na Europa é uma coisa impensável.

Ainda sobre a UM. Disse na entrevista à Lusa que negociou o processo para a sua criação, mas foi o Governador Garcia Leandro que deu início às negociações.

Eu sei, é verdade. O que o Garcia Leandro fez foi negociar o financiamento do edifício. O meu objectivo era ter o curso de Direito em português apoiado por universidades portuguesas. Há aqui uma diferença qualitativa que se caracteriza pela diferença temporal, pois no tempo do Garcia Leandro havia a preocupação de aprovar um estatuto (Estatuto Orgânico de Macau). Não tinha recursos para fazer muito mais. A universidade de raiz portuguesa em termos científicos era uma coisa nova e justificava, perante os chineses, que, por nossa iniciativa, a Declaração Conjunta ia até mais longe do que aquilo que lá estava, pois não constava a obrigação de criar uma universidade. Não se deve misturar alhos com bugalhos. Admiti que ir mais longe politicamente era fazer o curso de Direito dentro do quadro das obrigações não expressas na Declaração Conjunta, por iniciativa do Governo português.

Saiu de Macau com a sensação de dever cumprido?

Gostava de ter feito mais, de ter concluído as coisas em termos formais. Quem concluiu o aeroporto foi o Rocha Vieira, o terminal marítimo também, porque a lei das coisas era assim. Pudemos fazer mais coisas que fossem de interesse comum das pessoas nos primeiros anos do que nos últimos. O facto de ter lançado essas coisas todas não foi porque tinha a mania das grandezas, mas sim porque queríamos fazer um programa a 12 anos. Sei que correu bem porque o Rocha Vieira completou em 90 por cento o que estava programado.

Macau começou a desenvolver-se no pós-25 de Abril, houve reformas no tempo de Garcia Leandro e concluíram-se depois os planos previstos na Declaração Conjunta no tempo de Rocha Vieira. Macau atrasou-se por ter sido tudo feito em tão pouco tempo?

É o outro lado da moeda. Reconheço que algumas coisas importantes foram feitas mas não na totalidade, porque 12 anos é pouco tempo para uma tarefa dessas. Mas acho que o saldo é capaz de ser positivo. Hoje é legítimo olhar para Macau e ver que a Administração chinesa manteve ou tem mantido algumas componentes identitárias, como a língua, o Direito e o património.

Fala-se do projecto da Grande Baía, e da questão da integração regional. Fala-se disso mais cedo do que se deveria falar?

Estive três vezes com o primeiro-ministro chinês Li Peng. E devo dizer que o Li Peng sempre me tratou como se eu fosse o presidente da França ou algo do género. Durante aquele período sempre resolveu os problemas que eu lhe apresentava de uma maneira positiva. Fazia-me questões que reconheço que um simples Governador de Macau não tinha importância, dentro da escala hierárquica, para as receber. E uma delas foi essa, sobre os 50 anos (da existência da RAEM). Ele perguntou-me que justificação é que eu achava que o Governo chinês tinha apresentado para ter conseguido um acordo com 50 anos.

E não mais cedo, ou mais tarde.

Sim. Eu disse que havia muito para se fazer em termos formais, e que se aquilo que fizéssemos em 12 anos fosse satisfatório, coisa que o Governo chinês admitiu, a priori, que ia acontecer, valia a pena ter mais 50 anos sem perder de vista o que era o passado de Macau. Ele disse-me que não era só isso, e que, na prática, a China não podia prescindir de uma estratégia mundial. Não andavam a brincar às coisas para depois passados dois ou três anos voltarem para trás. Isto para mostrar o que era a sua filosofia externa no que diz respeito à durabilidade e manutenção. Não traz muito de novo, mas acho que tem significado ele ter perguntado isso.

Poderia não o ter feito.

Poderia. Na altura em que apareceu Gorbachev, ele perguntou-me o que eu achava dele. Era uma pergunta delicada e complicada, sobretudo para um europeu, que considera ambos os regimes (da China e da antiga URSS) discutíveis. Disse que não sabia, que politicamente não conhecia o suficiente sobre a política russa, mas disse que tudo evoluía, tal como iria acontecer na China e em Portugal, e que achava que Gorbachev tinha alguma hipótese de colmatar algumas das dificuldades que a URSS tinha. Ele disse-me: “Já vi que não me quer responder”. E era verdade (risos). Ele disse-me: “É fácil. O senhor tem razão em relação à evolução e às revoluções políticas mas há uma coisa que lhe posso garantir: não há exemplo nenhum de uma revolução ter sucesso quando a população tem fome. E neste momento os russos nem pão têm para comer.”

Como vê a China hoje? Diz-se que Xi Jinping poderá ser um novo Mao Zedong.

Acho que já faltou mais para que ele seja o novo Mao. Não é normal nas instâncias políticas ter um mandato sem prazo. Mas temos de levar em consideração que não se pode governar um país com um bilião de habitantes como um país com 100 milhões.

Já que falamos de sistemas políticos. A questão do sufrágio universal rebentou em Hong Kong mas não chegou a Macau com a mesma dimensão. Como olha para isso?

O peso político de Portugal em relação a Macau, comparado com o peso político de Inglaterra face a Hong Kong, é completamente diferente. Os ingleses sempre consideraram aquilo 100 por cento uma colónia e com interesses materiais a sério, porque era uma praça financeira a nível mundial. Na prática há coisas que se podem fazer em Hong Kong que eu não vejo serem possíveis de fazer em Macau. Mas estou convencido que o Governo chinês é suficientemente hábil para contornar o modo de ser dos ingleses que eu tenho alguma dificuldade em perceber. Os ingleses são muito mais conservadores e insurgentes do que a maior parte dos europeus. A única coisa que Portugal faz são cortesias e não tem a mesma escala.

Então na hora de negociar falta perspicácia aos portugueses?

Sim, e também determinação.

No caso de Macau também faltou perspicácia? Portugal não defendeu bem os seus interesses?

Criticar é muito fácil.

Também fez parte do processo…

Sim. Tudo o que aconteceu à volta do 25 de Abril deveria ter sido feito 100 anos antes. Nas chamadas províncias ultramarinas os líderes eram todos formados em Coimbra e nós não fomos capazes de ter perspicácia suficiente para perceber que não éramos os únicos no mundo a ter um império. Estou convencido de que se não fosse a iniciativa da China para negociar directamente e criar um estatuto próprio para o território, o problema de Macau tinha passado por piores dias. Nenhuma das outras colónias teve essa possibilidade. O português iria ficar ao abandono e a população de Macau iria sofrer consequências negativas, sem a nacionalidade portuguesa.

No processo de negociação a comunidade macaense foi pouco ouvida?

Na prática tratámos sempre mal (a comunidade), pois nunca houve um Governador que fosse natural de Macau. Recorria-se sistematicamente a militares como solução única. Não que eu tenha alguma coisa contra eles, mas é a prova de uma falta de visão e de descentralização. O Carlos D’Assumpçao foi dos poucos que me lembro que foi chamado a pronunciar-se e não o quis fazer sem a autorização do Presidente da República. De resto, houve mais duas ou três pessoas. Isso pode também ser resultado de algum servilismo ou da nossa falta de iniciativa para envolver mais as pessoas de uma etnia diferente, a milhões de quilómetros de distancia.

Estava previsto um crescimento tão grande na área do jogo?

Nunca esteve. A esta escala não. Quando saí de Macau havia apenas sete casinos.

Falava-se da liberalização, ou era uma questão longínqua?

Era longínqua. Se Macau tem a exclusividade do regime do jogo em relação ao resto da China, é a China que tem de decidir, e o dia em que decide cai lá tudo. O peso face a essa decisão é duas vezes mais importante do que o nosso.

20 anos depois, gosta da Macau de hoje?

É capaz de haver gente a mais, o território foi atropelado pelo turismo. Mas a população está satisfeita e não creio que haja dificuldades. Há meses uma jornalista ligou-me para comentar o problema das pessoas que não tinham documentos e estavam clandestinos em Macau. Constatei, quando era Governador, que havia clandestinos com dez anos de Macau e tinham os filhos na escolas, alguns na escola portuguesa. Todos os dias as crianças fugiam da escola para não serem apanhados pela polícia. Eu achava isto uma coisa execrável.

Isso foi antes de Mário Soares pegar numa criança ao colo, num momento célebre, e prometer a nacionalidade portuguesa a todos os chineses sem documentos.

Sim. Por razões que não conheci bem, interpretaram a ideia que eu tinha regularizado a situação de um dia para o outro. E na fronteira apareceram milhares de pessoas com miúdos para os regularizar. O Soares chegou nesse dia, e quando chegou foi informado de que estavam pessoas à porta do palácio do Governador. E ele disse: “Eu resolvo!”, à Soares.

Ele resolvia as coisas assim, com essa proximidade?

Sim. E logo a seguir foi engraxar os sapatos, a falar com o homem sem perceber nada, fazia gestos.

A vossa relação funcionava?

A minha maior dificuldade eram as relações que existiam entre o primeiro-ministro e o Mário Soares. Quando vinha a Portugal nunca deixei de fazer o ponto de situação com o primeiro-ministro que tinha assinado a Declaração Conjunta, mas sempre tiveram dificuldades um com o outro. Às vezes não era prático.

Foi notícia há pouco tempo devido ao valor da sua reforma vitalícia, que é uma das mais altas do país (9 mil euros). Isso incomodou-o?

Incomodou, e ainda por cima estive para aí três anos sem receber um tostão. Esse tipo de reforma está suspenso desde 2005, mas os primeiros têm direito a receber. Acho muito bem que a Assembleia da República pense em mudar, mas não pode é andar para trás. Mas a situação da burocracia já está resolvida. Mas deixe-me contar mais uma história.

Diga.

O Governador de Hong Kong, que era um tipo que tinha 18 anos de experiência, telefonou-me a dar as boas vindas no dia a seguir a ter chegado. E disse-me que eu tinha um programa grande, que lhes ia bater o pé. Perguntou-me quem era o meu homem do Fung Soi para que me assegurasse que o aeroporto iria ser um êxito. Disse-me que tinha três mestres de Fung Soi, e eu perguntei se ele me queria ceder um. Nos bastidores, em Portugal, disseram-me logo que era uma subserviência, mas eu sempre disse que no sítio com uma civilização diferente o que temos de fazer é adaptar-nos às circunstâncias. O mestre disse-me que a Taipa era o sítio certo para o aeroporto, mas alertou-me: “O senhor vai ter de acompanhar a evolução das obras do aeroporto de dia e de noite”. E disse para eu por à porta do palácio uma carpa em pedra que iria vigiar as obras. E a carpa continua lá e ninguém sabe porquê. É a prova em como as pessoas têm de se adaptar a condições excepcionais, mas diziam-me que era bruxedo.

A verdade é que tudo correu bem com a obra do aeroporto.

Sim.

27 Mai 2019

Carlos Melancia defende aposta no Português e Direito até 2049

[dropcap]A[/dropcap]inda sobre Macau nos dias de hoje, Carlos Melancia adiantou à Lusa que Portugal deve insistir no ensino da língua e Direito português, procurando aproveitar o potencial da Universidade de Macau até 2049. “O ensino do português é um trunfo relativamente importante em termos formais”, afirmou.

Carlos Melancia, que foi nomeado após o acordo entre Pequim e China, referiu que “o ensino do português, não só em Macau, mas em Xangai, em Pequim e outros lugares, cresceu três ou quatro vezes mais”, do que nos anos em que esteve como Governador do território.

Apesar do trabalho do Camões, que “fez algum esforço” ainda “se pode fazer mais” pelo ensino do português. Além disso, há a questão da arquitectura legal do território, de matriz portuguesa:

“Não faz sentido deixarmos lá o nosso direito e não haver o ensino do direito”. “Não é todos os dias que aparece um campus universitário com a dimensão do de Macau e nós fazemos de conta que assobiamos para o lado”, salientou.

“Na altura em que era Governador, tomei a iniciativa de propor a criação da Universidade da Taipa. Sempre pressupus haver uma predisposição do lado chinês, não só para manter o português, mas também os direitos de raiz portuguesa até 2049”, referiu. “O que significa que, neste momento, depois de o Governo Central chinês ter decidido fazer o campus universitário na Ilha de Montanha”, obteve-se “a expansão da universidade que nós concebemos”, disse.

A nomeação civil de Soares

Na mesma entrevista, Carlos Melancia adiantou ainda que foi nomeado em 1987 porque o então Presidente português, Mário Soares, queria um civil porque pensava ser o melhor, em termos formais, para negociar soluções com a China.

“Mário Soares pensava que seria melhor um civil, em termos formais, a negociar soluções com a China, e para que houvesse um esforço de investimento para a autonomia”, afirmou. “Eu acho que teoricamente o que é menos bem é ter-se escolhido sistematicamente para Governador de Macau militares, o que não significa que eu não tenha consideração pela capacidade que os militares têm de gerir”, considerou Carlos Melancia.

O antigo Governador também defende que, naquela fase da história do território, a nomeação de alguém que não fosse militar era importante para reforçar as ligações com a China. “Nessa altura fazia sentido que nós aparecêssemos com um Governador que fosse civil porque aquilo não era nenhum campo militar”, afirmou. E a partir daí Carlos Melancia assegura que não tomava “grandes decisões” sem falar com as autoridades chinesas.

Estrangulamento do CCCM

Carlos Melancia apontou também o dedo ao actual estado de funcionamento do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), que diz estar “estrangulado” devido ao desinteresse e falta de investimento das autoridades face à história de Macau. “O CCCM está praticamente estrangulado pela falta de recursos, porque as pessoas não ligaram à importância que isto poderia vir a ter”. Em Lisboa, há arquivos sobre Macau e Goa “que ninguém estuda”, apesar do CCCM ter sido oficialmente criado em 1995, possuindo um museu e uma biblioteca, além de promover a realização de diversas conferencias.

15 Abr 2019

Carlos Melancia sobre aeroporto: “Negociei isto tudo”

[dropcap]A[/dropcap]pós a assinatura da Declaração Conjunta deu-se “o pontapé de saída” para 300 milhões de euros de investimentos no território, disse Melancia à Lusa. “O que posso dizer é que são mais de 300 milhões de euros, mas não são só do meu tempo. Estou a falar que, na altura, se deu o pontapé de saída”, referiu.

Segundo o antigo Governador, o que pretendia tanto a China como Portugal era que o território tivesse e caminhasse para a autonomia financeira. E “caminhou o suficiente”, afirmou Melancia.

Exemplos dessa aposta na autonomia foi a construção do Aeroporto Internacional de Macau para combater o estrangulamento dos transportes e a conclusão dos hospitais Chinês e de São Januário.

“Eu negociei isto tudo, mas quem acabou por os concluir [os projectos] foi o Rocha Vieira. Não fui eu que inaugurei o aeroporto, mas a negociação do aeroporto com Hong Kong e com Pequim foi comigo”, sublinhou. “Isso levanta sempre dificuldades. O projecto do aeroporto era considerado uma peça vital. E eu falei duas vezes com a TAP a propósito do aeroporto, porque este era um sinal de que a autonomia do território existia: tinha um aeroporto próprio”, relatou Melancia, que explicou ainda que o projecto original visava completar a oferta aeroportuária de Hong Kong, então com o seu aeroporto “praticamente saturado”. “Ora não havia razão para fazer o segundo aeroporto em Hong Kong, devia-se fazer em Macau, como se fez. Mas Hong Kong passado um ano de termos conseguido a autorização, agarrou nisso e construiu um segundo aeroporto”, recordou.

A grande questão foi assegurar verbas para financiar esses grandes projectos. “Na Declaração Conjunta estava previsto que nós tínhamos de tratar do problema da venda das terras [conquistadas ao mar]. Ora a terra em Macau, em termos formais, vale milhões. E na prática era uma das fontes de receita mais importantes logo a seguir ao jogo”, referiu.

“Nós vendemos as terras, mas não utilizámos um tostão dessa receita, para que houvesse a noção de que não estávamos a utilizar património chinês em benefício das coisas que estávamos a fazer”, contou.

Quanto ao seu sucessor, Melancia faz elogios: “é importante sublinhar que o general Rocha Vieira, que foi quem continuou os objectivos, seguiu rigorosamente o plano de investimentos em termos de execução”.

“Isso em termos nacionais não é muito corrente. De uma maneira geral, a atitude, quando há alterações de chefias do Estado (…) é de não continuar aquilo que vem de trás. É começar de novo e transformar”, considerou.

15 Abr 2019

Carlos Melancia sobre relações entre Macau e Lisboa: “Proximidade de Portugal está pior”

Governou Macau entre 1987 e 1990 e ficou para a história graças ao polémico caso do fax. Anos depois, e em entrevista à Lusa, Carlos Melancia entende que Lisboa está mais distante de Macau do que no passado e que a China deveria ter feito outro tipo de investimentos no país

[dropcap]A[/dropcap]fastado dos holofotes e com 92 anos de idade, Carlos Melancia, Governador de Macau entre 1987 e 1990, deu uma entrevista à Lusa sobre a celebração dos 32 anos da assinatura da Declaração Conjunta entre Portugal e a China, relativa aos destinos da futura RAEM.

Uma das críticas que apontou diz respeito à proximidade de Portugal a Macau, que “nunca foi suficiente e hoje está pior do que esteve no passado”, apesar das inúmeras visitas oficiais de governantes portugueses nos últimos anos.

Quando passam também 20 anos após a transferência da Administração, Melancia admite que Portugal mantém Macau no esquecimento político. “Portugal tem vindo a desprezar a potencialidade” que a sua ainda presença em Macau representa, num contexto em que Pequim quer transformar o território numa plataforma de ligação aos países de Língua Portuguesa, disse o antigo governador, que lembrou o papel da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP)

“Teoricamente quem lidera esse processo da CPLP, na minha perspectiva, é mais Macau e a China, por detrás de Macau, em termos formais, do que Portugal em termos objectivos. Claro que de vez em quando acabamos por fazer coisas”, afirmou. “Na prática o que quero dizer é que a sede da CPLP está em Macau”, graças ao peso que a China tem nos vários países da organização.

Para o antigo Governador, Portugal tem de afirmar a sua presença diplomática em Macau “para dar um ar de que lidera a potencialidade que a China reconhece que existe” na CPLP, defendeu.

“Pequim olha para a CPLP como um património de origem portuguesa” e Lisboa deve afirmar essa autoridade natural, disse, recordando que a “China é dos poucos países do mundo capaz de racionar a cinquenta anos”.

Por isso, “a China olha para os portugueses como os senhores que têm ‘know how’, tem a Torre do Tombo e institutos e pessoas que têm conhecimento dos recursos mineiros de Angola e outros” países, salientou.

Neste contexto, Portugal deve tirar partido disso, defendeu. “Se é a China que de facto bate palmas em relação à existência da CPLP, nós temos que fazer um esforço para mostrar que, de facto, tem razão para o fazer e que de facto nós temos conhecimentos suficientes para ajudar a essa ligação e tirar partido disso”, reafirmou.

Carlos Melancia lembrou ainda que a expansão que o português tem tido nos últimos anos na China tem a ver com a relação de Portugal com os países lusófonos.

Investimentos ao lado

O ex-Governador de Macau afirmou ainda que a China escolheu Portugal para ter “um pézinho na Comunidade Europeia”, mas o investimento que faz “não é o mais desejado”, criticando os governos portugueses por aceitarem essa decisão. “A China escolheu, entre outras coisas, Portugal para ter um pézinho na União Europeia (UE), antes que os Estados Unidos fizessem acordos com a Europa”, afirmou Carlos Melancia.

Mas na sua opinião poderia ter feito melhor no modo. “Poderia fazê-lo melhor, com investimento de raiz”, realçou, sublinhando: “as participações financeiras que a China realizou em Portugal não são aquelas que do meu ponto de vista seriam as mais desejadas”. Como exemplo, o antigo governador de Macau aponta a compra de uma participação na EDP, por parte da gigante chinesa China Three Gorges: essa opção “não cria postos de trabalho. Quando muito resolve um problema financeiro, se for caso disso”.

O Governo português, na sua opinião “o que tem feito até hoje é aceitar que as empresas chinesas tomem conta da saúde”, por exemplo, mas sem investimento directo. Enquanto que “o que seria útil era isso” para o país, defendeu. “Se isto não foi tratado [nas relações diplomáticas entre os dois países] deveria ter sido abordado”.

Em relação à visita do Presidente da China a Portugal, Xi Jinping, já no final de 2018, Carlos Melancia considerou que o líder chinês tem Lisboa como um parceiro preferencial e que o Executivo português deveria ser mais eficaz e exigente nessa gestão. “Uma visita desta natureza só reforça a minha teoria de que a China apostou que um dos parceiros que lhe interessa para ter um pé na Europa é Portugal”, disse.

15 Abr 2019

Faleceu o embaixador João de Deus Ramos, antigo membro do Governo de Carlos Melancia

[dropcap]O[/dropcap] embaixador João de Deus Ramos, antigo secretário-adjunto para os Assuntos de Transição no executivo de Macau, faleceu esta segunda-feira e as cerimónias fúnebres realizam-se na quinta-feira, confirmou à Lusa fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros português.

O antigo secretário-adjunto para os Assuntos de Transição do executivo de Macau, quando este foi liderado por Carlos Melancia, faleceu em Lisboa, tendo a notícia sido avançada pela Rádio Macau.

Segundo a mesma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, as cerimónias fúnebres realizam-se na Basílica da Estrela, em Lisboa, na próxima quinta-feira. O velório começa às 10h00 e a missa de corpo presente realiza-se às 14h00 na mesma igreja.

João de Deus Ramos foi também membro da delegação que negociou com a China a Declaração Conjunta e fez parte do Grupo de Ligação Conjunta.

O diplomata foi ainda responsável pela abertura da embaixada portuguesa em Pequim, em fevereiro de 1979, quando Portugal retomou as suas relações com a China. Com licenciatura em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, João de Deus Ramos foi também embaixador no Paquistão e administrador da Fundação Oriente.

Uma figura incontornável

Ao HM, Arnaldo Gonçalves, académico e assessor do Governo de Macau entre 1988 e 1997, referiu que João de Deus Ramos foi um dos nomes mais importantes para a diplomacia portuguesa. “Convivi com ele em Macau e depois quando regressei a Portugal, em 1997, em actividades em que participei. É dos embaixadores mais relevantes da nossa diplomacia pelo contributo que deu na negociação da Declaração Conjunta e para o acompanhamento do dossier Macau. Teve uma relevância bastante grande na questão de Macau e na vida pública portuguesa, lidou com vários presidentes da República e tem várias obras escritas, incluindo sobre Macau. Acho que é uma personalidade incontornável do nosso período histórico e da relação estreita entre Portugal e a China. É com muita pena que o vejo desaparecer mas a vida é mesmo assim.”

Já o historiador Jorge Morbey acredita que a função mais difícil que João de Deus Ramos desempenhou foi quando desempenhou o cargo de secretário-adjunto do Governo de Carlos Melancia. “Ele esteve à altura da missão que lhe foi confiada nas diversas funções que desempenhou. As funções de secretário-adjunto para a transição foram as mais difíceis que ele desempenhou, durante o Governo do engenheiro [Carlos] Melancia. Era uma função absolutamente difícil porque os assuntos da transição eram transversais a todo o Governo e a todo o território e sua população. Ele fez o que foi possível fazer nesse contexto.”

17 Out 2018