António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasAssalto ao “Reichstag” [dropcap]B[/dropcap]erlim. 30 de Agosto de 2020. Uma manifestação contra as medidas sanitárias impostas pela Covid-19 reuniu facções da Afd (Alternativa para a Alemanha) de extrema-direita. “Horror – escalada de violência nas escadas do Reichstag” lê-se no site do canal ARD. Na página do FB da AfD, lê-se, porém: “Assalto ao parlamento (Sturm auf den Reichstag)”. O título no site da ARD foi, entretanto, corrigido para “Ataque ao coração da nossa democracia (Angriff auf das Herz unserer Demokratie)”. Um eufemismo tão grave não podia passar despercebido. Há uma invisibilidade mais difícil de detectar do que todas as outras. É quando tudo se faz às claras. Os prestidigitadores, os mágicos, os desportistas exímios e como é óbvio os políticos mais hábeis são os grandes mestres da simulação e da camuflagem. A finta consiste em dar a entender uma acção ou um movimento com um sentido contrário do que vai acontecer. Para simularmos é preciso sermos capazes de fazer crer ao outro que a nossa intenção está absolutamente expressa na nossa acção, no nosso movimento, na nossa palavra. O desportista finge que vai para um lado e vai para outro, que sobe e afinal desce. Dá a sensação que vai avançar e recua ou que vai recuar e avança. Adia até ao limite ou antecipa-se. O pugilista finge bater no rosto do adversário com uma mão para bater no tronco com a outra. O nosso olhar absorvido pelas mãos do mágico não tem folga para percebermos como tira o coelho da cartola. O que acontece na simulação, na finta, é trabalhado tecnicamente. Os diálogos de Platão desmascaram a sofística por ser isso mesmo que faz: prestidigitação. Mas é na vida que a dissimulação se forma. Esperamos que se deem coisas que não acontecem. Há outras que, contra a expectativa, acontecem mesmo. O próprio modo como as coisas se dão é diferente do modo como esperávamos que fossem. Há um jogo complexo entre o que achamos que está visível no horizonte e depois o que vem a acontecer. A invisibilidade mais difícil de detectar é a que se dá às claras. Podemos não querer acreditar no que estamos a ver, quando é isso mesmo que está a acontecer. O elemento fundamental da simulação é o tempo. O futuro iminente cria a pressão necessária para termos uma percepção errada do que está a acontecer. Tudo pode mudar para ficar na mesma. Tudo pode parecer que está na mesma e existe em metamorfose. A verdade engana. O povo sabe do que está a falar. Um povo é levado pela verdade, sobretudo pelo poder eficaz com que as verdades são ditas. Elevamos quem nos diz as verdades mesmo que com a aura da impopularidade. Mas quais são as verdades que sempre foram ditas pelos demagogos. A história repete-se quando o povo baixa a guarda. A frustração da desilusão faz baixar a guarda. Ergue-se o ideal de beleza, de triunfo, da juventude, e também o que é anómalo e anormal, o que não cabe dentro desses parâmetros. Nesse ideal de beleza, triunfo e juventude, da “beautiful people”, “jet set” internacional dos célebres e famosos desta vida, não cabem, por exemplo, os judeus ou os homossexuais (Otto Weininger, George L. Mosse), como se pode compreender pela história recente da Europa nem os negros em nenhum lado do ocidente. Mas não são apenas os descendentes da colonização os únicos “apetrechos dotados de alma” – na definição de escravos de Aristóteles – podem ser crianças, mulheres, todos aqueles a quem lembramos sempre que vieram à existência pela porta dos fundos. Os migrantes para a extrema-direita não chegam do norte de África. Existem já nos seus países. São até cidadãos nacionais desses países. Tiveram foi o azar de não pertencerem à étnia da maioria, terem uma pele de cor diferente, outra religião e, quando não, orientações sexuais diferentes, a idade errada. A vida não é para miúdos nem para velhos. O discurso da transparência não usará de subterfúgios. Dirá a verdade. Não poupará palavras na denúncia. Fundará um partido para defesa da “nova ordem” das coisas. Quem manda no partido pode ser um ressentido ou não. Sabe, contudo, para quem fala. Apela ao ressentimento de que todos nós somos portadores e elege um bode expiatório. É que estar vivo é sentir-se ressentido, porque se queremos ter a possibilidade de ter tudo a que temos direito, por outro lado, houve sempre alguém que não nos deixou ter sucesso. Para o homem do ressentimento a força de bloqueio não é apenas quem detém privilégios, a gente bela, as pessoas de sucesso, os que triunfaram. São os outros como eu que estão a mais. O paradoxo é que todos sem excepção estão a mais se não forem os meus. Os outros não têm direito a nada. O ressentimento pode adormecer mas é acordado. Os poderosos sempre souberam acicatar os ânimos. A Krypteia, a polícia secreta espartana, actuava como rito iniciático para os jovens. Abatiam hilotas (a casta dos escravos que trabalhavam a terra) em “raides”. Desde sempre soubemos espalhar o terror. Não pensava Calígula “odeiem-me à vontade desde que me temam (oderint dum metuant)”? Às claras, alastram pela Europa, Portugal não é excepção, manifestações de apego à tradição e ao caracter puro, enraizado das etnias. A alemã AfD (Alternative für Deutschland) voltou a dar sentido às “Mahnwachen (vigílias)”, numa manipulação clara do descontentamento da população contra as medidas sanitárias provocadas pela Covid-19. As manifestações “contra” têm um sentido completamente novo, porque procuram negar a evidência da presença de um mal. Negar as medidas contra o Coronavírus é negar a existência do vírus, como negar as manifestações contra o racismo é negar o racismo. As manifestações destes partidos são anti-manifestações. Não são afirmações da realidade. São formas de perpetuação do escondimento da realidade. Os novos demagogos não têm, como Giges, anéis que os tornam invisíveis. Não precisam deles já. Dizem tudo às claras. Quando o mal é dito às claras, já não estamos perante uma afirmação. Estamos perante uma ameaça, e há ameaças que devemos levar a sério.
Hoje Macau SociedadeDST promove Macau na feira de tursimo ITB Berlin [dropcap]T[/dropcap]ermina no domingo a feira internacional ITB Berlin dedicada ao turismo, onde se encontra uma delegação da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) com o intuito de promover Macau como destino turístico. A intenção passa por atrair mais visitantes internacionais interessados em explorar o mercado de viagens de longo curso numa das maiores feiras de turismo do mundo. O expositor de Macau, com 63 metros quadrados, tem como tema “Sentir Macau Ao Seu Estilo” que pretende apresentar os principais pontos turísticos do território, assim como evidenciar o charme da Cidade Criativa da UNESCO em Gastronomia. A juntar ao stand dedicado a Macau, a DST, o Departamento de Cultura e Turismo de Guangdong e a Administração do Turismo de Hong Kong têm também um expositor conjunto para promover as atracções turísticas da Grande Baía. Em comunicado, a DST revela que se reuniu com operadores turísticos internacionais com o objectivo de reforçar ligações “e atrair mais visitantes de diferentes mercados para Macau”. A ITB Berlin reúne todos os anos cerca de 10 mil expositores oriundos de mais de 180 países e territórios. No ano passado, passaram pela feira mais de 170 mil visitantes.
Andreia Sofia Silva EventosResidência artística | Sandy Leong, artista de Macau, expõe em Berlim Ilustradora e artista visual, Sandy Leong participa numa residência artística, em Berlim, na Takt Academy. A artista de Macau apresentou um projecto de fotografia que aborda a percepção que os mais novos têm quando visitam o memorial do Holocausto. A exposição foi inaugurada na passada terça-feira [dropcap style=’circle’]É[/dropcap]mais um passo na carreira da jovem Sandy Leong, nascida em Macau e que tem feito percurso artístico na Europa para onde foi estudar. Inaugurou na passada terça-feira, e prolonga-se durante este mês, a residência artística da Takt Academy, em Berlim, onde estão expostos os trabalhos de Sandy Leong em parceria com criações de outros artistas. Numa palestra proferida a 28 de Agosto, e que serviu de introdução à exposição que integra a residência artística, Sandy Leong abordou os trabalhos que tem desenvolvido nos últimos anos. Para a residência artística em Berlim, decidiu estender a investigação de um projecto de fotografia intitulado “I was playing in the memorial”, que aborda “as crianças turistas que brincam no Memorial do Holocausto”, localizado na capital alemã. “Através dos olhares inocentes das crianças, questionei como um indivíduo pode envolver-se na história pública. Como adultos, que mensagem e atitude podemos passar para as próximas gerações sobre este lado mais negro da história?”, questionou a artista. Experiência europeia Depois de estudar em Pequim e Hong Kong, Sandy Leong decidiu, o ano passado, ingressar no Royal College of Art, em Londres, para fazer um mestrado em comunicação visual. De acordo com a biografia da artista publicada pelos organizadores do evento, Sandy Leong “tem explorado estudos sobre a sua história pessoal e memórias colectivas”. “Depois de encontrar, por acaso, uma foto da sua avó com a sua mãe, começou a traçar as histórias pessoais das mulheres da família. Ao fazer isso, compreendeu que as suas histórias pessoais tinham algo de relevante para traçar um quadro mais alargado das histórias do seu país, onde se inclui a migração chinesa e a Revolução Cultural. Estes aspectos inspiraram-na a fazer uma série de trabalhos que reflectem as relações da sua família ao longo de várias gerações”, lê-se. Outro dos projectos em que Sandy Leong está a trabalhar é a recolha de histórias de imigrantes, para retratar aquilo por que passaram as mulheres dessas famílias. O resultado desse trabalho de pesquisa e de investigação deverá ser exposto em Londres, no próximo ano, e talvez em Macau, como contou a autora numa entrevista recente.
Leocardo Manchete VozesOriente incidente [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma notícia que me me deu que pensar. No último fim-de-semana dois turistas chineses foram detidos em Berlim, depois de terem sido surpreendidos a fazer a saudação nazi em frente ao Reichstag, o parlamento alemão. Repito, foi neste último fim-de-semana, e não em 1940, quando este acto não só era permitido, como também altamente recomendável (há quem defenda este gesto dizendo que se trata “apenas de uma saudação romana”, mas convém recordar que já não há desses “romanos” para saudar há 1500 anos). Hoje é crime, mas os dois turistas safaram-se com uma multa de 500 euros cada, o que acabou por tornar a brincadeira tão parva, quanto dispendiosa. E não foi um acto irreflectido da parte de jovens inconscientes, como quando há um par de anos um adolescente chinês achou por bem gravar o seu nome nas pedras de um monumento do Cairo. Neste caso foram dois homens de 36 e 49 anos. Seriam nazis chineses? Eu diria antes que eram curiosos. E ignorantes, claro. Aqui a China tem uma atitude exemplar: recomenda aos seus cidadãos que cumpram as leis dos países para onde viajam. Melhor do que isto é impossível. A este propósito lembrei-me ainda de um episódio que ocorreu em Macau durante a última tourada à portuguesa (1996?), realizada numa arena improvisada no antigo Campo dos Operários, em frente ao velho Hotel Lisboa. No fim havia um “touro para os curiosos”, com o aliciante de existir um “lai-si” de três mil patacas preso ao lombo do animal. Alguma barafunda depois e com o “lai-si” já arrebatado, há uma jovem residente que decide ficar mesmo no meio da arena, a sós com o touro. Com os aficionados de boca aberta, a pobre moça acaba por ser colhida, e só a intervenção atempada do grupo de forcados ali presente evitou uma tragédia. A jovem em questão era na altura estudante de design, e passado uns meses foi matéria de uma reportagem na TDM a propósito de um trabalho da sua autoria, onde foi também questionada sobre a sua…”veia taurina”, por assim dizer. Explicou então que teve aquele comportamento porque era algo “que nunca tinha exprimentado”. Bem, isto tem muito que se lhe diga, mas ilustra na perfeição o que pode ser a “curiosidade” de que falei um pouco mais acima. Naquele dia, e para aqueles dois turistas chineses, a saudação nazi em frente ao Reichstag era o touro do Campo dos Operários para a moça da outra história. Existe, sem dúvida, uma animosidade crescente em algumas cidades da Europa em relação aos turistas em geral (tenho lido sobre imensas queixas em Lisboa), mas no caso dos chineses em particular, a coisa muda de figura. Os chineses não são conhecidos por beber e armar confusão, como os ingleses, ou “entrarem ali a pensar que mandam em tudo”, como os espanhóis, nada disso. O que existe é um choque de culturas, uma incompatibilidade em relação a certos gestos e comportamentos que só dá mesmo para entender quando se vive dos dois lados – e nisso somos uns privilegiados, estando aqui em Macau. Quando vamos a Portugal não olhamos com os mesmos olhos que os portugueses de lá para um chinês que tenta empurrar para passar à frente na bicha, ou que tira os sapatos em qualquer sítio onde entra, ou até quando produz um sonoro arroto. Para nós é normal, e para os portugueses do rectângulo é tão estranho como são para os chineses alguns dos nossos comportamentos aqui, neste lugar da China. Não é preciso ser um génio para se chegar a uma conclusão quanto a este tema. Não somos obrigados a ser algo que não somos, ou aceitar algo que nos provoca asco a repulsa. A receita aqui é a tolerância, que é a regra de ouro do convívio entre os povos, do mundo que queremos ideal, para todos e ao alcance de todos. Isto na prática é muito mais complicado, de facto.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteCinema | Filme de José Drummond chega a trienal alemã O filme de José Drummond “Kiss me, and you will see how important I am” está de viagem para Berlim. A apresentação por terras alemãs decorre amanhã, a convite da curadora Christine Nippe. O filme será parte integrante da rubrica “A sense of self”, espaço inserido na Trienal Transart de Berlim [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Trienal Transart de Berlim decorre durante o mês de Agosto e conta nesta edição também com o se faz por Macau. A representação local viaja através da obra de José Drummond, artista local, com a projecção do filme “Kiss me, and you will see how important I am”. Decorre nos Uffer Studios enquanto parte da rubrica “A sense of self”. O filme retrata um encontro desconexo e momentâneo entre duas pessoas, como avança a apresentação no anúncio de selecção do filme. Um encontro falhado, onde há uma perda ilusória de equilíbrio e uma melancolia inerente para mostrar que a beleza também pode ser encontrada em expressões de crueldade e de dor. É do absurdo do momento do encontro e do imaginário das duas personagens que acompanham a película que se desenrola uma viagem que “prende o espectador” aos meandros de um labirinto que se pretende de amor. O sentimento de derrota vai aparecendo e fazendo-se sentir, num crescendo lento com o desvendar de que cada um de nós é o responsável pela sua catástrofe pessoal ilustrada por um vazio “súbito” e profundo. Quem somos? O filme de Drummond integra a selecção da rubrica destinada à reflexão sobre os aspectos que interrogam a identidade. A questão do “quem sou eu” é um fundamento existencial que acompanha a humanidade desde sempre e, nos dias que correm, é um conceito dirigido ao ego que se pensa, se diz e se concretiza. A resposta ao “quem somos” e as formas como é percebido o meio circundante estão intimamente ligadas e é nesta interacção que o papel dos média, da fotografia, vídeo e da própria internet contêm uma função contemporânea essencial. Na rubrica “A sense of self” serão apresentados dez trabalhos em vídeo, que ilustram os processos narrativos de diferentes formas de abordar o “eu” e a identidade. Estarão presentes trabalhos que vão de abordagens românticas ou aventureiras ao frenesim urbano. De entre os artistas seleccionados, acompanham José Drummond nomes como Eli Cortinas, Jonathan Goldman, Kate dela RHEE, Sanja Hurem, Richard Jochum, Ahmed Mohsen Mansour, Christine Schulz, Jana Schulz e Suzan Tunca. Prata da casa José Drummond é um artista e curador residente em Macau. O director do VAFA (Festival Internacional de Vídeo-arte de Macau) é mestre em Práticas Criativas pelo Instituto Transart de Nova Iorque e Universidade de Plymouth do Reino Unido. Já foi por duas vezes seleccionado para o Sovereign Asian Art, tendo na edição deste ano chegado aos nomes finalistas. Representante de Portugal na Bienal de Valência, Drummond conta com bolsas de estudo de diversas entidades, entre as quais a Fundação Oriente, o Centro Nacional de Cultura de Portugal e o Instituto Cultural. O seu trabalho tem corrido mundo e já foi exibido em Macau, Hong Kong, China, Taiwan, Coreia do Sul, Tailândia, Portugal, Espanha, França, Alemanha, Hungria e EUA.